Conhecidos como opção para proteger o bolso contra oscilações no câmbio (hedge) ou melhorar a composição de ativos de uma carteira (asset allocation), os fundos cambiais têm como principal fator de risco a flutuação de preço de moedas estrangeiras ou a variação do cupom cambial – taxa de juros em dólares no Brasil. Com a moeda americana avançando entre janeiro e julho perto de 15,77% frente ao real, os fundos cambiais registraram – com sobras – resultados muito positivos. Os produtos, informa a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), acumulam no mesmo período rentabilidade média de 19,96%, a maior do ano entre todos os tipos de fundos classificados associação.
“Com a depreciação do real e o dólar subindo ao maior patamar desde 2021, os fundos atrelados à moeda americana têm se mostrado uma opção atraente para os investidores interessados em diversificar e aumentar o potencial de rentabilidade da sua carteira”, afirmou, em nota, Pedro Rudge, diretor da Anbima. “Quem buscou esse tipo de fundo para ter exposição ao mercado externo e se proteger contra a desvalorização da nossa moeda tem colhido bons retornos mesmo em classes de fundos mais arrojadas, que, devido às incertezas macroeconômicas, tiveram seu desempenho prejudicado neste ano”, observa Rudge citando também os fundos de renda fixa de dívida externa que, entre janeiro e julho, acumularam 18,40% de retorno.
A Capital Aberto foi ouvir gestores de fundos cambiais com desempenho no ano acima da variação cambial para entender a perspectiva para os produtos na reta final de 2024. Cautelosos, gestores destacam que independentemente da tendência de alta ou baixa na cotação dólar frente ao real, os fundos cambiais são importantes para que parte do portfólio esteja atrelado a uma moeda forte e que há casos específicos em que faz sentido esta alocação, garantindo aquele o compra da moeda. Na visão dos gestores, a volatilidade que deve permanecer afetando os mercados na reta final de 2024, com eleição americana e ajustes nos juros globais e no Brasil, torna importante que parte do portfólio seja composto por ativos atrelados ao câmbio.
O fundo Trend Dólar Cambial, gerido pela XP Asset, acumula no ano, até o dia 04 de setembro, retorno de 21,01%. “É um produto que fica investido em ativos sem risco de crédito ou de mercado (LFTs ou compromissadas), e 100% comprado em contratos de dólar futuro. Temos uma carteira que vai render próximo ao CDI mais a composição do dólar futuro”, explica Danilo Gabriel, gestor de Fundos Indexados e Internacionais da XP Asset, acrescentando que é um fundo de gestão passiva. A casa tem outros dois fundos cambiais, um vendido em dólar – aposta na queda – e outro atrelado ao euro. “Cada um segue seu mandato e tem importância na composição dos portfólios dos clientes.” O retorno entregue ao cotista acima da variação do dólar, explica Gabriel, vem da carteira composta por ativos de título público, sem risco de mercado, e as alocações em dólar futuro.
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Sobre perspectiva para a moeda americana, e naturalmente para o desempenho do Trend Dólar, Rodrigo Sgavioli, head de Alocação da XP, lembra que câmbio é uma das variáveis mais difíceis de prever o comportamento. “São muitos os fatores que afetam o câmbio. Se pensarmos em visões estruturais, de médio e longo prazo, tem quem defenda a teoria de que o dólar vem perdendo um pouco de peso nas reservas de valor de vários dos bancos centrais, principalmente aqueles sem alinhamento geopolítico com os Estados Unidos”, comenta o executivo. “Mesmo contra o real, a gente poderia pensar que o dólar teria uma tendência mais estrutural, de médio e de longo prazo, de perder um pouco de valor, mas há componentes mais de curto prazo que fazem com que a gente tenha uma perspectiva de que o câmbio siga volátil e talvez em patamares mais altos do que a gente acha o valor justo.” O câmbio, para a equipe de research da XP, deveria ter um preço mais perto de R$ 5,40. Na sexta-feira (06), o dólar fechou a R$ 5,56.
Na visão de Sgavioli, a desvalorização recente do real também responde ao enfraquecimento de commodities na balança comercial que já teve o seu pico e agora “talvez esteja encarando um momento ainda positivo, mas de um leve enfraquecimento”. “No curto prazo, dificilmente haverá conversão para o valor justo de forma mais estável. Soma-se a isto riscos geopolíticos exacerbados. Em termos estruturais, tenho uma exposição das mais baixas dos últimos anos em ativos dolarizados porque o retorno esperado de longo prazo é mais de um dólar fraco do que o contrário dito isso”, explica Sgavioli. “Como na XP trabalhamos com um nível cada vez mais de elevado personalização de portfólio de cliente, em alguns casos faz sentido uma posição shorteada em dólar em outros long na moeda. É parte importante da asset allocation.”
Outro produto com gestão passiva, e ótimo retorno, é o Fundo BV Dólar Cambial, gerido pela Tivio Capital e que acumula, até 04/09, um retorno de 20,44%. “Vimos um começo de ano mais difícil, a economia americana muito forte, o que abriu espaço para um dólar mais alto. Além disso, internamente dúvidas sobre o fiscal do governo sempre causa desconforto”, comenta Letícia Albuquerque, head de Investment Solutions na Tivio. “Tudo isso foi um prato feito para a performance ruim do real. Perde bastante valor e com uma volatilidade alta. O desempenho da moeda local só não foi pior do que a do México.” Letícia acrescenta que o fundo gerido pela Tivio é importante no equilíbrio de portfólio dos clientes. “É um fundo comprado em dólar no mercado futuro.”
O estrategista de Investimento da Tivio, Rafael Espinoso,explica o retorno acima da variação do câmbio. “Um pouco dessa performance do produto veio do fechamento das LFTs que compõem a carteira do fundo BV que acabou sendo absorvido na carteira”, comenta Espinoso, acrescentando que a filosofia da gestão é mais estrutural, e não tática. “Não fazemos grandes movimentações, olhamos os 12 meses à frente para decidir as posições. O cenário estava muito claro para gente no primeiro semestre, de economia americana forte, dólar forte, e muito ruído local, fiscal e inflação.” Sobre a perspectiva para o câmbio, o executivo da Tivio reforça a visão de que a ideia não é fazer um “market timing, pegando o momento certo do câmbio”, mas sim usar o fundo como parte da alocação estrutural dos portfólios. O call oficial da Tivio é dólar a R$ 5,30 em dezembro.
“A gente pensa aqui como alocador, olhando todas as classes. No cenário de Selic em alta, por exemplo, talvez abra espaço para aumentar, possivelmente, a renda fixa nas carteiras e deixar essa posição de dólar onde está.” Letícia Albuquerque acrescenta que “o fundo, de fato, está tendo um ano muito positivo e, se confirmar o cenário de Selic subindo, com juros lá fora caindo, na margem há um diferencial de juros abrindo muito grande no Brasil, com a economia rodando muito bem.” Neste cenário, o real poderia voltar a se valorizar frente ao dólar. “São ‘N’ variáveis e se o fiscal não melhorar de forma consistente é muito difícil cravar se esse movimento (alta do real) de fato vai se concretizar. Se a gente continuar tendo algum cenário de aversão a risco a Brasil, pode ser que abra um diferencial de juros importante e não consiga ver essa apreciação do real.”
Na Western Asset, cujo fundo Western Asset Hedge Dólar rende 20,37% no ano, a carteira é semelhante aos demais produtos – carteira há títulos públicos e derivativos cambiais. “A gente tenta minimizar os riscos, porque você poderia ter um vértice um pouco mais longo e com risco de taxa. A gente tenta minimizar isso utilizando os vencimentos mais curtos”, Maurício Lima, superintendente de Produtos da Western Asset.
“É um produto extremamente simples. Pode ser importante para quem tem receio do cenário, pela piora da percepção de risco no exterior, ou porque busca um produto que exponha parte do portfólio ao câmbio. E ao invés de comprar papel moeda, que não entrega tanto, você entra num produto como esse e ao longo do tempo ganha o cupom cambial.”
Sobre perspectiva para a moeda americana, e para o fundo, Lima lembra que, na atual conjuntura muitos veem câmbio a R$ 5,60 e acham que o espaço para alta já passou. “Na minha visão, é sempre importante ter exposição a câmbio. O investidor deveria pensar estruturalmente, ter uma alocação em dólar porque está em um país emergente, em uma economia que tem problemas fiscais, de política monetária, uma inflação mais alta, uma economia ineficiente”, resume o executivo. “Nesse contexto, a gente deveria, ao longo do tempo, imaginar uma desvalorização do real frente ao dólar. Ter uma exposição em moeda forte faz sentido do ponto de vista estrutural para o investidor brasileiro, para ele perceber que sai um pouco do risco Brasil.”
Parte das incertezas citadas pelos gestores começam a serem esclarecidas na chamada Super Quarta, dia 18, em que o Fed e o Banco Central (BC) se reúnem para decidir os juros nos Estados Unidos e no Brasil. Enquanto no mercado americano a expectativa é de corte no juro entre 0,25 e 0,50 pontos percentuais, no Brasil crescem as apostas em alta da Selic que pode chegar a meio ponto. Em tese, um diferencial maior entre taxa no Brasil e nos Estados Unidos tende a atrair dólar para o país e valorizar o real. No Boletim Focus da semana passada, analistas previam dólar a R$ 5,33 em dezembro, queda sobre a cotação atual. Mas como citaram os gestores ouvidos, riscos domésticos (fiscal, incertezas políticas) e externos (eleição americana e geopolítica) podem compensar este movimento.
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