A história do nascimento da Stratus, em 1999, pode ser contada de dois jeitos —cada um dos sócios, Álvaro Gonçalves e Alberto Camões, tem uma versão. A narração de Gonçalves remete aos tempos do MBA na Suíça, que terminaram para o jovem engenheiro com a transferência dele para a presidência da brasileira Lacta. É a história da mudança do sonho de trabalhar na Europa para a missão de reorganizar a dona do Sonho de Valsa. Já o relato de Camões é “cartesiano”, termo que ele escolhe para se definir. “Eu sou engenheirão, me formei no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica]. Para mim, é branco ou preto”, diz. Segundo ele, a carreira no private equity surgiu da definição de metas de competência pessoal. “Eu trabalhei como consultor da McKinsey e observava que as empresas que atuavam com inteligência podiam melhorar o seu desempenho. Quando fui para o Pactual trabalhar com fusões e aquisições, eu sabia que me faltava a parte da transação, e queria obter essa habilidade.”
As duas versões se fundem em uma notável aposta no private equity, tipo de investimento que, naquela época, era pouco conhecido no Brasil. “Quando fui fazer o MBA no exterior [na IMD Business School, em Lausanne, Suíça], tive um professor que era consultor da Pepsico”, conta Gonçalves. No começo dos anos 1990, a Pepsico comprou empresas no leste europeu, e Gonçalves foi convidado a se engajar no projeto, trabalhando em uma unidade de chocolates na Polônia. Ele ainda frequentava o MBA e lá conheceu, em 1995, Luiz Cezar Fernandes, então presidente do banco Pactual, que fazia uma visita de recrutamento na IMD. Em seguida, o Pactual assumiu a tarefa de reorganizar a Lacta para a família proprietária, de Adhemar de Barros Filho — e Gonçalves, o brasileiro envolvido com o negócio de chocolate na Polônia, foi convidado por um headhunter a capitanear a mudança. “Nem pensar”, respondeu. Ele queria permanecer na Europa. No fim daquele ano, viajou para o Brasil e, logo ao chegar, recebeu um recado: ligar urgentemente para o Pactual. “Fazia tempo que eu não via os meus pais, e o banco queria que eu começasse naquele dia. O Luiz Cezar mandou aquele famoso helicóptero dele para me buscar. Resultado: me seduziram.”
Gonçalves tornou-se presidente da Lacta com a missão de reestruturar a empresa, que estava endividada, e vendê-la no ano seguinte. A tarefa dependia de ajuda — que veio na figura de Camões, da equipe do Pactual. “Aí me aparece um carioca, com estilo de gênio, mostrando números de uma forma superconcentrada, super-rápida, sintetizando tudo.” Gonçalves (gerenciando a empresa) e Camões (lidando com os compradores) formaram a dupla que concretizaria a venda da Lacta, mas não sem antes passarem pela prova de capitalizar a empresa em tempos de crédito atrofiado. Os estrangeiros não tinham perspectiva de investir no Brasil no longo prazo em meados dos anos 1990. O País, na visão deles, era lugar para capital especulativo. Um fundo europeu, o Electra Fleming, chegou a se interessar em capitalizar a Lacta, mas desistiu. Conseguiram, então, dinheiro de um family office que pertencia a Pedro Conde, dono do Banco de Crédito Nacional (BCN). “Ele fez a transação que eu tinha desenhado para o Electra e nem acreditou quando tomou conhecimento de quanto iria ganhar. Acho que deveria erguer uma estátua para mim”, brinca Gonçalves. O contrato de venda da Lacta para a Philip Morris, divisão Kraft, foi assinado em agosto de 1996. “Muita coisa que leio sobre casos de negócios dramáticos são ‘cafezinho’ perto do que aconteceu lá. Sabotagem. O Adhemar se arrependeu depois de assinar a venda e queria detê-la.” Foi nos momentos de espera da pizza, após o trabalho intenso, que Gonçalves e Camões começaram a filosofar: “Existiriam mais empresas como a Lacta?”
Uma nova oportunidade de avanço em private equity veio em seguida, com o fundo Pactual Electra Fleming, fruto de uma joint venture entre o Pactual e o Electra Fleming. Gonçalves passou alguns meses em Londres para se familiarizar com os processos do fundo e aprender mais sobre o investimento em participações. Lá ele ouviu uma definição marcante sobre o trabalho de investir em empresas fora da bolsa: “It’s a deadly boring and disciplined business”, em tradução livre “uma atividade mortalmente monótona e disciplinada”. O projeto Pactual Electra era pioneiro no Brasil e tinha a proposta de focar o middle market, que acabaria sendo o objetivo da Stratus. Durou pouco, porém. A Electra foi vendida na Europa.
Hora de Gonçalves voltar a conversar com Camões, que trabalhava, na época, no escritório latino-americano da americana TPG. O colega carioca não estava feliz. “Está difícil aqui. O pessoal ganha tanto dinheiro na Ásia que a América do Sul fica em outro plano”, revelou Camões. Confiantes no apetite do investidor por empresas médias, os dois criaram coragem para começar um voo solo de private equity no Brasil. E o batizaram com o nome de uma nuvem: Stratus.
“Alugamos um escritório naquele prédio cor-de-rosa ali”, aponta Camões, da imensa janela panorâmica de seu escritório atual na Vila Olímpia, em São Paulo. A ideia era atrair investidores de fora, mas o Brasil e o mundo preparavam algumas ciladas. A partir de 1999, houve a desvalorização cambial, a banda exógena, a saída de Gustavo Franco do Banco Central, a entrada de Chico Lopes, a saída de Chico Lopes, a vinda do Arminio Fraga. “Estávamos nos preparando para falar com os investidores estrangeiros e, de repente, o câmbio despencou”, lembra Camões. A desvalorização era favorável para quem possuía moeda americana, mas o investidor de fora não gosta de mudanças bruscas.
“Começamos, então, a olhar o investidor brasileiro. Fomos entender como funcionavam os fundos de pensão”, recorda Gonçalves. O momento continuava incerto, até que veio o apagão de energia, em 2001. “Na crise do passado, tínhamos que dar explicações muito mais difíceis.” Para piorar, a iniciante Stratus não tinha sucesso prévio para mostrar ao potenciais clientes. “Private equity é mais ou menos como convencer alguém a pegar o filho, levar a uma escola interna para ser educado e buscá-lo somente dez anos depois. Precisa existir muita confiança, concorda?”, compara Camões.
Ainda em 2001, mais um susto: o 11 de setembro. E assim os investimentos para o primeiro fundo, o Stratus 1, no valor de US$ 50 milhões, provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de outros investidores, vieram apenas em 2002.
Os recursos foram protelados não só pela crise, mas também pela burocracia para remessa de documentação para o Brasil — os pacotes eram checados por suspeita de contaminação por antraz ou de terrorismo.
A aposta nas empresas de médio porte com o Stratus 1 foi bem-sucedida, rendendo cerca de cinco vezes o investimento. Para Gonçalves, o sucesso pode ser atribuído à qualidade das empresas. Quando a economia não estava favorável para o crescimento, a estratégia era fazer aquisições para substituir a estagnação da receita. Os destaques do primeiro fundo foram os investimentos na Senior Solution Financial Expertise e na Alog Data Center do Brasil. A Senior Solution realizou cinco aquisições e depois abriu o capital no Bovespa Mais, em 2013. A Alog fundiu-se com a comDominio em 2007 e foi incorporada pela americana Equinix em 2011.
Hoje, Gonçalvez e Camões, na companhia de outros dois sócios, operam o segundo fundo da Stratus e administram um patrimônio relativamente modesto para o padrão da indústria — cerca de R$ 600 milhões. Sob as nuvens carregadas de um Brasil novamente em crise, eles mantêm o sonho de encontrar empresas como a Lacta, para consertar e vender.
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