Em meados de 1999, em São Paulo, três profissionais de finanças escolhiam o nome da empresa que criariam. Entre diversas possibilidades, ganhou “GPS”, sigla para Global Portfolio Strategists, que convenientemente remetia aos aparelhos de navegação automotiva e à sensação de “ser guiado”. As dúvidas sobre como intitular a sociedade não existiam quanto ao ramo de atuação — o aconselhamento independente para gestão de fortunas era a visão do trio. “Um negócio sem venda de produto, sem viés, sem conflito de interesses”, resume José Eduardo Martins, que em parceria com Marco Belda e Roberto Telles Rudge inaugurou no País o “wealth management” remunerado pelo cliente. “Pagar por serviço? Brasileiro não paga por isso” era uma das máximas do mercado que a GPS se propunha a derrubar.
Chegar a um volume administrado de R$ 50 milhões foi o primeiro sonho, depois retificado para a meta ousada de R$ 500 milhões e elevado, no começo da década de 2000, para R$ 1 bilhão. “Mais que um bilhão não dá para administrar. Aí a gente muda [o modelo]”, diz Belda, repetindo o que pensavam à época. Pois a GPS cresceu e não mudou. Hoje administra R$ 23 bilhões, sob o mesmo conceito desenvolvido em 1999.
“Os clientes precisavam ser convencidos a abrir muita informação. É como a relação médico-paciente”
O crescimento do número de milionários brasileiros, por causa da expansão econômica e da internacionalização de muitas companhias, explica parte do sucesso da gestora, originada a partir de um pedido de socorro de Rudge. “Antes da GPS, eu geria a fortuna de duas famílias, mas de maneira simplória. Aí chamei o Eduardo e o Marco, que atuavam em bancos, e disse: gente, o pessoal está vendendo empresas, vou precisar de ajuda.” Belda e Martins nunca haviam se dedicado à gestão de fortunas, mas viram ali uma oportunidade diferente. Um modelo no qual eles diriam “você deve fazer isso com os seus investimentos” e, em troca, receberiam uma remuneração fixa. Os futuros sócios combinaram, então, que Rudge viajaria aos Estados Unidos. Lá existia o mercado em que os clientes pagavam pelo serviço de aconselhamento financeiro independente.
Martins começou a trabalhar em tempo integral na nova empresa, localizada numa subloja da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, no Jardim Europa. Rudge ficava no escritório por meio período. Belda ia até lá apenas para as reuniões. O começo foi difícil. “A primeira lista de clientes em potencial tinha 29 nomes. Nenhum apareceu. Fiasco total”, recorda Rudge. “Colocamos dinheiro na empresa durante três anos”, relata Martins. Ainda no fim de 1999, o cliente número um apareceu — uma senhora, contam os três, sem mais detalhes. “É difícil dizer para o primeiro cliente que ele é o primeiro. Todo mundo quer entrar num negócio com mais gente. Então, tivemos que falar no plural — ‘os clientes’”, recordam-se. O perfil era um detalhe, mas não poderia ser mais simbólico. Impossível não relacionar uma herdeira ou viúva rica ao padrão de pessoa carente de aconselhamento financeiro. “Estávamos promovendo uma grande quebra de paradigma”, diz Belda. “Esse mercado é distorcido. Se o cliente tem muito dinheiro, o banco vai lembrar do aniversário, convidar para o jogo de golfe. Tudo é voltado para cativar relacionamento pessoal. As pessoas misturam relacionamento com confiança. Mas confiança não promove competência, são coisas diferentes.”
Para fazer bem o trabalho, a nova empresa precisava, antes de mais nada, conhecer o cliente a fundo. Necessidades, objetivos, patrimônio, atividades — informações que comporiam o mapa da alocação dos recursos. “O importante é você entender a experiência da pessoa. Já ganhou dinheiro? Perdeu dinheiro? Investiu em ações? Será que é bom um investidor com seu perfil ter ações? Era preciso fazer a teoria da alocação”, interpretam os gestores. Os clientes precisavam ser convencidos a abrir muita informação. “É como a relação médico-paciente”, compara Martins. “Relação de confessionário”, arrisca Belda. “Normalmente, a pessoa divide o patrimônio em vários bancos. Ela não quer contar para todo mundo o que tem. Como não conhece o mercado, aplica um pouco aqui, outro tanto ali. No final, está comparando retornos e não riscos, que é o que você precisa medir”, observa Belda.
Desenhada a abordagem da GPS, era necessário montar a equipe. Não é simples contratar profissional experiente para uma empresa pequena e, mais difícil ainda, atrair gente disputada — e bem remunerada — do mercado financeiro. Começaram contratando um analista. Depois outro. Hoje, são cerca de 115 profissionais, dos quais 20 sócios. “Para segurar os profissionais, nós vendemos um sonho: a conquista de uma coisa muito boa lá na frente”, revela Martins. Funcionou.
Havia muito trabalho a ser feito. Um número crescente de investidores começava a entender a importância de uma orientação profissional. Essa conscientização, aliada ao avanço da economia brasileira, ajudava o negócio a deslanchar. A empresa passou a crescer entre 34% a 36% ao ano a partir de 2004, em recursos administrados. O sucesso atraiu a atenção dos bancos, curiosos para entender o negócio de aconselhamento financeiro que avançava rapidamente sem vender nenhum produto. “Nós explicamos tanto o nosso modelo para os clientes que eles começaram a pressionar os bancos”, diz Martins. Como resultado, instituições financeiras passaram a operar departamentos independentes de gestão de fortunas, cuja oferta de produtos estaria desvinculada da prateleira própria.
O trabalho da GPS incluía ainda um aspecto delicado: as fortunas precisavam possuir origem honrada. “Não podíamos ter ninguém mal falado, isso acabaria com a imagem da empresa”, diz Rudge. Por isso, antes de fechar contrato com um cliente, os três sócios sempre avaliavam a origem dos recursos. Apesar do cuidado, a empresa não escapou de uma denúncia de aplicação ilegal de recursos em 2013. A Polícia Federal abriu inquérito contra os sócios para investigar suspeita de lavagem de dinheiro e outros crimes após o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco dizer, em depoimento, que investiu dinheiro de propina no banco suíço Julius Baer. A instituição, que atua no setor de private banking desde 1890 e opera nos principais centros financeiros do mundo, tornou-se sócia da GPS em 2010. Após análise do caso, a parte do inquérito envolvendo a GPS foi suspensa pela Justiça por erro de procedimento. Episódio encerrado, afirmam os empresários.
O sucesso e a originalidade do modelo de negócio foram os ingredientes que levaram a GPS ao mesmo ponto que originou a fortuna de muitos clientes — o interesse de uma empresa estrangeira. Martins conta que o “namoro” com o Julius Baer se iniciou com a compra pelo banco de 30% de participação. O “casamento” veio em 2014, com a venda de mais 50%, num negócio estimado na época em US$ 113 milhões. Apesar da mudança, os fundadores permanecem na empresa. Martins, que até novembro foi presidente da GPS, dedica-se agora à vice-presidência do conselho de administração. No seu lugar está Jan Karsten, que pilotava a área comercial. A troca faz parte de um processo sucessório iniciado com o ingresso do banco suíço e voltado à perpetuidade da gestora sem os fundadores. Atualmente, Belda é o diretor responsável pela captação de novos clientes e Rudge, pelo relacionamento com os maiores investidores da gestora. Apesar das mudanças, os três ainda se dedicam à GPS integralmente. A empresa agora é dos suíços, mas o sonho de colocar o dinheiro dos clientes no rumo certo ainda é deles.
Fotos: Régis Filho
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