Qualquer discussão saudável sobre a saúde econômica de um empreendimento envolve sua demonstração de resultados (o lucro) e seu balanço (o estoque de capital necessário para geração do lucro a cada período). Quando se trata de comentar a economia dos países, no entanto, nota-se um foco superficial e exagerado no crescimento do PIB como variável fundamental de desempenho. No máximo aborda-se também o lado direito do “balanço” dos países, ou o tamanho da dívida pública. E como fica o lado dos ativos públicos, formado pelo estoque de riqueza representado por terras, parques, imóveis e demais ativos do governo?
Pouco se fala desses bens da sociedade, o que explica a baixa atenção dispensada à gestão que conduz, inexoravelmente, a um retorno miserável para seus donos (você e eu). Esse é o tema central do livro A Riqueza Pública das Nações, dos suecos Dag Detter e Stefan Fölster, que fazem uma boa tabelinha combinando conhecimento acadêmico e visão prática fundamentada em experiências pessoais. Detter foi presidente da Stattum, holding do Estado da Suécia que abriga todos os ativos públicos do país, e Fölster é economista e diretor de um think tank que fomenta inovação em gestão pública.
Os maiores proprietários de riquezas no mundo não são os Buffetts e Gates, mas os contribuintes, que delegam aos governos nacionais a gestão de um grande número de ativos públicos. Esse arranjo econômico é legado de um tempo em que os mercados eram pouco eficientes e o Estado intervinha como gestor de última instância em diversos segmentos. A partir dessa perspectiva histórica, de pesquisas acadêmicas e das próprias experiências, os autores argumentam de forma convincente que a democracia tem maior probabilidade de promover o bem público quando a governança da riqueza da sociedade é entregue a uma estrutura profissional de gestão, totalmente apartada da política. Não se trata de uma discussão sobre a estrutura de propriedade dos ativos (pública ou privada), mas sim da qualidade de governança e gestão dos ativos.
A riqueza da sociedade é mal administrada de forma crônica porque os interesses da classe política (manter-se no poder) raramente se alinham com os interesses da sociedade (acesso a trabalho, saúde, educação e segurança) — o que leva a toda sorte de desmandos, como os que temos testemunhado em um passado recente. Uma solução conhecida para blindagem contra a interferência política seria a privatização desses ativos, mas corre-se o risco de venda na “bacia das almas” e de reação negativa da opinião pública. A fim de se evitar esses efeitos deletérios, os autores sugerem a constituição de um fundo de riqueza nacional, que viria a ser proprietário de todos os ativos públicos de um país. Essa estrutura de governança objetiva promover um alinhamento de interesses mais sólido e uma prestação de contas à sociedade mais transparente.
Segundo estimativa de Detter e Fölster, o retorno sobre o capital público é tão baixo que uma elevação de apenas 1% ao ano seria suficiente para financiar todo o investimento necessário em infraestrutura. Maior eficiência na gestão do patrimônio público provocaria uma revolução no financiamento do orçamento do Estado, tornando factível um círculo virtuoso de redução de impostos e dívida pública.
Ao cabo da leitura, algumas questões permanecem em aberto, como a situação em que existe uma forte razão social para um ativo ser gerenciado de uma forma conflitante com a maximização de retorno. Ainda assim, todos deveríamos, como legítimos “donos” dos ativos públicos, demandar uma gestão mais eficiente. Para isso, as sociedades precisam se libertar de rótulos como “capitalista” ou “privatista” e abraçar uma visão pragmática de retorno social. É certamente um longo caminho, mas conforme disse Confúcio, uma jornada de 10 mil quilômetros começa com o primeiro passo.
A Riqueza Pública das Nações
Dag Detter, Stefan Fölster
Editora: Cultrix
263 páginas
1a edição, 2016
* Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente
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