A preocupação com o avanço das bets no Brasil é ampla, justificável e reúne a cada dia novos integrantes na cruzada contra o que consideram um risco para o bolso dos brasileiros. Reguladores, representantes do mercado financeiro e de investimentos, além de formuladores de política econômica, engrossam o coro dos que veem na facilidade de acesso a este tipo de jogo de azar moderno potencial para drenar recursos das famílias. A Capital Aberto ouviu especialistas para mensurar o tamanho do problema, as raízes do sucesso das casas de apostas e, principalmente, extrair lições das bets que possam ser capturadas pelo universo dos investimento.
Levantamento realizado pela Strategy&, consultoria estratégica da PwC, revela que neste ano as bets devem movimentar R$ 130 bilhões. Em 2023, a estimativa ficou entre R$ 60 bi e R$ 100 bi movimentados por mais de 300 empresas. Além disso, segundo o estudo, a “Casa” fica com uma taxa (Grosso Gaming Revene – GGR) estimada de 12% dor valor apostado. Em 2021, eram apenas 116 bets atuando no Brasil. Não bastasse a capacidade de atrair parte dos recursos das famílias, há quem pense que é investimento.
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“Aposta-se um valor pequeno e com chance de prêmios enormes, mesmo que muitos poucos consigam. O crescimento rápido vem desta promessa. Sem falar que há um apelo de ser lúdico, uma diversão. Ativa o circuito da esperança”, comenta Hudson Bessa, professor de Finanças e Mercado Financeiro da FIPECAFI. A facilidade com que as bets atraem o interesse dos cidadãos chama a atenção.
A 7ª edição Raio X do Investidor Brasileiro, feito pela Anbima em parceria com o Datafolha, analisou pela primeira vez o fenômeno das bets. Só em 2023, cerca de 22 milhões de pessoas (14% da população) dizem ter feito pelo menos uma aposta online. O índice supera os percentuais de utilização da maioria dos produtos de investimento, segundo a pesquisa: o uso de títulos privados, fundos de investimento, títulos públicos e planos de previdência, por exemplo, têm aderência de 5%, 4%, 2% e 2% dos brasileiros, respectivamente. Já o percentual de pessoas que conseguiram economizar caiu de 32% para 30% na comparação anual e o de pessoas que aplicam dinheiro em produtos financeiros ficou praticamente estável, a 37%.
“Foi a primeira vez que incluímos bets na pesquisa, ou seja, não podemos dizer que é uma tendência. De qualquer forma, os 14% já são um número preocupante. Só a caderneta de poupança supera os 22 milhões que fazem apostas online, sem falar que 22% de quem faz jogos online consideram as bets como aplicação financeira”, comenta Marcelo Billi, head de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima. “A ciência comportamental mostra que lidar com o dinheiro exigiria competências para as quais a gente não foi construído. As bets jogam a favor desses instintos primitivos, de curto prazo, imediatista, que buscam ganhos rápidos, satisfação imediata.”
Para a doutora em Psicologia Social pela PUC-SP, com tese em psicologia econômica, e consultora do Vértice Psi (Instituto de Psicologia Econômica e Ciências Comportamentais), parte da população enxerga nas bets a única saída. “O ser humano é frágil, precário e limitado. E quem não está muito satisfeito com a vida fica ainda mais vulnerável para as ilusões. Tem o sonho da pessoa, a ilusão de que esse pode ser o único jeito dela ganhar dinheiro de verdade”, explica Vera Rita Ferreira. “Somos muito crédulos, muito sugestionáveis, não importa se a pessoa tem doutorado ou ensino fundamental incompleto, se é rica, se é pobre.” Na pesquisa da Anbima, a penetração das bets nas classes A/B chega a 17%. Sobre os motivos para apostar, 40% responderam “ganhar dinheiro rápido em momento de necessidade” e 39% “chance de ganhar grande quantia”.
Para especialista em psicologia econômica, que acaba de deixar a presidência da Iarep-International Association for Research in Economic Psychology, bets unem “a fome com a vontade de comer”. E acrescenta um fator essencial: “Tem a facilidade para apostar, é tudo pelo celular ou pelo computador, a pessoa não precisa sair de casa, muito simples, intuitivo. Além disso, as pessoas são bombardeadas por anúncios, por ofertas de crédito para usar nas bets inicialmente, por influenciadores, por times, é todo mundo unido para arrancar o dinheiro da pessoa”.
Das lições que o mercado pode aprender com as bets na disputa por uma fatia dos recursos dos brasileiros, o principal item é a facilidade de acesso e manuseio das plataformas. “A Anbima vem discutindo muito a questão do avanço das bets e percebemos que as plataformas emulam o mundo dos investimentos. Tem probabilidade, tem gráficos, eu brinco que parece um terminal da Bloomberg”, comenta Billi. “Foram construídas para colar nessa imagem de investimento. A diferença é que é muito mais fácil entrar na plataforma de uma bet, se cadastrar e começar a jogar do que é investir.”
O head de Educação da Anbima lembra que a simplificação do mundo dos investimentos para que se torne mais fácil sua utilização pelo investidor é uma discussão antiga. “O tema não está resolvido. A gente ainda precisa caminhar muito na simplificação do processo. E não é tão simples como: apostar é fácil, investir é difícil. Nas bets tem muitas opções de aposta complexas, mas elas fazem a jornada ser mais agradável”. Na visão de Billi, “o processo, a arquitetura de escolha, a forma como as coisas são apresentadas ao investidor, podem ficar mais agradáveis”.
Vera Rita também menciona a arquitetura de escolhas como parte dos esforços de resistência às bets. “Só educação financeira, regulação e proteção ao consumidor não funcionam. Um elemento fundamental é chamada arquitetura de escolha, um desenho comportamental do contexto para facilitar que as pessoas consigam fazer o que é melhor para elas”, comenta a especialista. “A arquitetura de escolha, aliás, já está sendo usada, só que para o mal, para facilitar o caminho para as pessoas fazerem mais apostas.”
Sobre lições que o mercado pode tirar do sucesso das bets, a consultora da Vértice Psi menciona comentário feito por uma aluna (Ana Paula Fuzaro) que participa de um grupo de estudos coordenado por ela. No debate, Ana comentou sobre característica que há nas bets, de alegria, de celebração, que depois de um tempo vira luto, encrenca, mas de qualquer forma são ambientes alegres, coloridos.
“São atraentes, ao contrário de tudo que se relaciona com finanças pessoais. Tudo isso poderia mudar um pouco, por exemplo, fazendo pequenas comemorações, colocar pequenas metas e comemorar quando você atinge. Tudo isto dá um ânimo”. Na visão de Vera Rita, tem algo da cultura brasileira, mais expansiva de humor a ser levado em conta. “Podemos pensar em finanças pessoais e investimentos de uma forma mais alegre que seja, na medida do possível.”
Para o diretor de Operações da W1 Capital, escritório de investimentos plugado na XP, houve avanços nas plataformas que dão acesso ao investidor a produtos do mercado, mas destacando que também vê espaço importante de melhorias. “Na minha visão, a grande preocupação com as bets não é fluxo menor para investimentos, mas com a ideia de que aposta é investimento. Demoramos muito tempo para conseguir uma pequena disrupção no mercado brasileiro, fazendo com que as pessoas olhassem para investimentos como ações, fundos imobiliários, e a sensação é de darmos uns passos atrás neste momento”, comenta Caio Tonet. “As bets apelam ao emocional, tem visual, facilidades de acesso, tudo sem burocracia. No mundo dos investimentos precisamos avançar também nestes itens, dar um novo salto, mas com cuidado para não nos aproximarmos muito das bets.”
A Anbima também prega cautela. “A facilidade que elas entregam é uma lição para nós”, acrescenta Billi, ponderando que investimentos não podem parecer apostas, como as bets muitas vezes parecem com investimentos. “A gente tem que se afastar da imagem de que investimento é jogo. No passado, o day trade atraía muitos que olhavam investimento como um jogo, ideia que foi perdendo espaço.”
O head da Anbima lembra iniciativas de gamificação na área de educação que estão em curso. “Quebramos o conteúdo todo. Damos micro certificação, por etapas, o que faz a pessoa ficar mais tempo vinculada. Estudamos isto do ponto de vista educacional, para as nossas certificações”, explica Billi, mencionando iniciativa que se assemelha à proposta da especialista Vera Rita, de “pequenas comemorações, de pequenas metas”.
Publicidade na mira
Como regulação ou autorregulação das bets não cabe ao mercado financeiro, conforme lembra Billi, há esforços para que haja limites para publicidade e propaganda, já que elas hoje patrocinam clubes de futebol, têm elevada exposição nas redes sociais e emissoras de radio e tv, sem qualquer limitação. O Conar, que autorregula a publicidade, em meados de 2023, criou um grupo de trabalho que redigiu o Anexo “X” ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Aprovado em dezembro do ano passado, o Anexo passa a valer em 2025.
O Anexo “X” propõe um conjunto de regras baseadas nas principais referências internacionais e calibradas de acordo com cada formato publicitário, que servem ao propósito de melhorar o ambiente de comunicação comercial do segmento de apostas. “O Anexo é resultado do Grupo de Trabalho instituído por nós a partir de convênios celebrados com entidades que reúnem anunciantes do segmento de apostas”, diz Sergio Pompilio, presidente do Conar.
Diversos princípios previstos na parte geral do Código ético-publicitário são enfatizados e detalhados no Anexo “X”: ficam vedadas as promessas de ganhos e resultados certos, bem como a divulgação de informações enganosas ou irrealistas sobre a probabilidade de ganhos em apostas e sobre o nível de risco envolvido; é necessária a inserção do símbolo “18+” ou o aviso “proibido para menores de 18 anos”; é vedado o uso de elementos reconhecidamente associados ao universo infanto-juvenil ou que possam despertar a atenção deste grupo; vedação à presença de crianças e adolescentes nos anúncios, entre outras.
“Nossa proposta de regras serve ao propósito central de melhorar o ambiente de comunicação comercial do segmento de apostas por quota fixa, contribuindo com os compromissos de respeito aos direitos do consumidor e de publicidade socialmente responsável”, afirma Pompilio. As recomendações do Conar para publicidade de apostas têm algumas semelhanças com a das bebidas alcoólicas, principalmente na vedação da destinação das mensagens aos menores de idade, frases de advertência e de moderação. O Conar tem conversas com diferentes setores, incluindo a Anbima, com quem tem “conversas e iniciativas conjuntas”, afirma o órgão.
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