Um cenário de juro em alta, vivido hoje pelo Brasil, tende a encarecer o crédito e elevar a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, em alguns casos promovendo retração de atividades, afetando mercados como o imobiliário e outros segmentos da economia real. Um cenário naturalmente ruim, mas não para gestoras que atuam com ativos estressados (distressed) ou com capital de transição (special sits) – fornecendo crédito para reestruturação de empresas.
Há oportunidades sendo geradas, fruto da perspectiva de Selic mais alta e por mais tempo, em setores do agronegócio, imobiliário e na compra de carteiras não performadas – NPL (non-performing loans). A Capital Aberto ouviu gestores de assets focadas nestes nichos ou que têm braços dedicados aos temas para entender onde estão as maiores oportunidades.
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“O momento nunca esteve tão oportuno para as operações de compra de crédito. Para o investidor tradicional de distressed, quanto mais confusão, melhor”, resume Cristian Lara, CEO da Strategi Capital, casa que trabalha com ativos estressados. “E isto não é ruim porque alguém terá que fazer o dinheiro girar, ser uma saída para quem está com problema, tentando restaurar os seus balanços. É uma tempestade perfeita, tanto no agro, como no mercado imobiliário, falta capital de giro para a safra e falta dinheiro para concluir projetos imobiliários.”
Tem de tudo na “tempestade perfeita” citada por Lara. No universo do agronegócio, quebra de safra por falta ou excesso de chuva e preços das commodities em queda prejudicaram produtores. Há pelos menos 12 meses, os Fiagros sofrem perdas com alguns Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) de empresas inadimplentes ou que pediram recuperação judicial (RJ). Se considerada a soma do valor de patrimônio líquido dos 16 maiores Fiagros negociados na B3, que totaliza R$ 9,4 bilhões, cerca de 12% sofreu algum tipo de evento de crédito (Ver Mais). No crédito à pessoa jurídica, há um volume relevante de empresas com dívidas atreladas à Selic, e devem ter uma piora nos balanços. No universo das empresas de capital aberto, há reflexo no valor negociado em bolsa (Ver Mais). No crédito ao consumidor e no imobiliário, bastante sensíveis ao juro alto, as condições tendem a piorar daqui em diante. Os efeitos defasados da política monetária restritiva tendem a levar em torno de seis meses para se materializar na economia. A previsão é que a Selic, hoje em 10,75% ao ano, chegue até 12% e permaneça elevada ao longo de 2025.
O CEO da Strategi pondera, comentando os efeitos da Selic no mercado, que para o “new money” nas casas de investimentos alternativos não é tão bom, porque o investidor aloca na renda fixa, mas para o recurso já captado há muitas oportunidades. “Quando você está numa safra, investindo o dinheiro já captado, é maravilhoso. Há dois anos, com Selic baixa, muitas empresas foram ao mercado captar, muito dinheiro para Fiagro, para Fundo Imobiliário (FII), muita liquidez e a qualidade do crédito caiu. Todos começam a dar crédito maior, mais longo, com menos covenants, menos colateral. A Selic, quando sobe, afeta muito o custo financeiro desta dívida dentro dos balanços das empresas, que ficam insustentáveis.”
A Strategi atua com special sits, fornecendo crédito de transição para companhias que buscam melhorar o perfil da dívida em cenários como o atual. A casa pretende abrir ainda neste ano um novo fundo para captar algo entre R$ 250 milhões e R$ 350 milhões para alocar neste mercado. “A gente vai investir ao longo de três anos esse capital”, comenta o CEO. “Neste cenário, quando vamos comprar um crédito de determinado banco, ele traz a valor presente, e se os juros subiram, acaba vendendo a um preço mais atrativo porque usará o recurso para concessões mais caras.”
Especificamente no universo dos ativos estressados, a Strategi olha especialmente para o setor imobiliário e para NPL (single name), além do agronegócio. A casa compra crédito nas empresas que eventualmente estão passando por um processo de restauração, em RJ ou não. “Fornecemos dinheiro novo para se reestruturarem.” O segundo principal foco da Strategi, comenta o CEO, é avaliar oportunidades do mercado imobiliário, de projetos que eventualmente necessitam de um “capital criativo” para resolver problemas como término de obra, para cobrir um eventual aumento de distrato, ou custos de construção. Há também na casa operações de deep finance para produtores rurais, muitas vezes pós-RJ. “Podemos comprar CRA que está ou não em RJ. Mas, via de regra, me sinto mais confortável no setor imobiliário pelo tipo de garantia”, comenta Lara, acrescentando que a compra de precatórios não é relevante na asset. Hoje, a Strategi tem em valor aportado de R$ 130 milhões, o que corresponde, em valores envolvidos (a recuperar), a R$ 1 bilhão.
Na JiveMauá, casa que nasceu distressed e depois diversificou com fundos de crédito, entre outros, há hoje R$ 1 bilhão já captado que aguarda oportunidades de alocação. Os planos são destinar algo perto de R$ 250 milhões para NPL, de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões para capital de transição e o restante dividido entre financiamentos de litígio, crédito imobiliário high yield, e precatório/direitos creditórios. O volume alocado na casa apenas em special sits e distressed chega a R$ 11,2 bi.
“Com Selic alta e tendência de maior inadimplência, os bancos devem retrair a concessão de crédito. Quando isso acontece, aquele camarada que precisa reestruturar a dívida é um cliente potencial. Temos oportunidades de fornecer capital de transição”, explica Mateus Tessler, sócio e CIO de distressed e special sits na JiveMauá. “Começamos a procurar operações, são transações super bem colateralizadas, cuja saída é um take-out usando o mercado de capitais para emissão de papéis incentivados.”
Na operação de take-out – empresa refinancia uma dívida ou capta recursos no mercado de capitais para substituir (ou pagar) uma dívida de curto prazo (banco) – a saída, citada por Tessler, inclui títulos incentivados como CRI, debêntures ou CRAs. “São setores com problemas diferentes, no caso do agronegócio é quebra de safra, preço de commodities, mas que a Selic alta piora a situação.” Na JiveMauá, a opção é pela estruturação interna do papel. “A gente não compra de terceiros. A gente faz o crédito, origina, dentro de casa. É capital de transição que faz parte da nossa atividade.”
Falando especificamente em NPL, a JiveMauá vê oportunidades surgindo primeiro em alguns setores, principalmente da indústria, cuja atividade tem um capex mais alto. “A Selic maior descasa o balanço das companhias, receita e despesas. Já empresas de varejo, bens de consumo não duráveis, devem ser os últimos afetados”, comenta Tessler.
A parcela investida em precatórios é a menos afetada pela mudança no cenário de juros. Mesmo decisão recente do Senado que amplia o prazo de pagamento de precatórios municipais, na visão do executivo da JiveMauá, tem pouco efeito. “Não afeta, a gente acaba ajustando no preço, reduzindo o valor a pagar pelo papel. Continua viável. A gente tenta nadar em mercados que são mais oceano azul, escolhemos municípios no regime geral. Dependendo do município, eu compro o crédito a 15% do valor de face, sempre precatório expedito, ou um pouco mais.”
Na Kaya Asset, que atua focada em distressed real state, legal claims e corporate solutions, no primeiro ano de atividade foram desembolsados R$ 80 milhões para compra de ativos cujo valor de face chega a R$ 200 milhões. Os planos são acelerar o passo e aproveitar o ambiente atual. “Queremos dobrar a captação atual, para algo próximo de R$ 200 milhões, o que reflete em ativos cujo valor de face deve ficar próximo de R$ 400 milhões”, comenta Dyego Galdino, CEO e socio-fundador da Kaya. A casa tem hoje um pipeline de ativos de R$ 1 bilhão, mas, como explica Galdino, o “funil é estreito” e só uma parte das operações analisadas será aprovada.
Hoje, a Kaya tem 70% dos recursos alocados em legal claims (precatórios e direitos creditórios) e os outros30% em ativos estressados do setor imobiliário. “São imóveis em leilões ou financiamento de obras que estão paradas, por exemplo”, explica Willian Andrade, CIO e também socio-fundador da Kaya. “Quando você fala de imobiliário, tem um ponto importante, lançamentos deste ano, por exemplo, são entregues em 2026, mas é difícil prever a economia com tanto prazo. A economia pode mudar e tirar recursos das famílias. Por isto, uma alta da Selic sempre penaliza muito o setor imobiliário, porque depende de funding para construir e para vender.”
Para o CIO, a facilidade em executar garantias do setor imobiliário torna as operações mais atrativas. “No imobiliário, a questão é avaliar o efeito do juro na economia real, e na precatório é estudar os entes federativos, sejam união, estados e municípios. A medida recente que pode alongar prazos de pagamento dos precatórios não é boa, pelo prazo maior, mas, por outro lado, gera mais oportunidade para comprarmos de quem não quer esperar.”
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