As normas que regem os fundos de investimento imobiliário (FIIs) passaram por mudanças significativas com a edição, em 25 de novembro de 2015, da Instrução 571 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O dispositivo alterou a Instrução 472, de 31 de outubro de 2008, que até então regulamentava esse tipo de investimento. Um dos principais objetivos das novas diretrizes é intensificar a transparência na divulgação de informes — periódicos e eventuais — pelos administradores dos fundos. Outra finalidade é o aprimoramento da governança dos FIIs, com a determinação das informações que devem ser prestadas na convocação das assembleias gerais e a delimitação da competência dos cotistas e de seus representantes.
As regras da CVM hoje em vigor resultaram da contribuição de investidores, gestores e administradores. Entre 2012 e 2013, o regulador promoveu uma audiência pública e recebeu um número expressivo de sugestões e reclamações de investidores de FIIs — eles se queixaram, sobretudo, de ter direitos cerceados por alguns administradores e também citaram atrasos na divulgação de informações. Não faltaram, ainda, menções a atritos entre administradores e representantes de cotistas.
Fique por dentro
Conceitos importantes para entender o universo dos fundos imobiliários
Fundo de investimento imobiliário (FII): comunhão de recursos captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários e destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários, como a construção e a aquisição de imóveis para locação ou arrendamento.
Administrador: instituição financeira responsável pelo funcionamento e pela manutenção do FII. Entre outras funções, deve selecionar os bens e direitos que vão compor o patrimônio. Ele também responde pela divulgação de informações.
Assembleia geral de cotistas: órgão máximo de deliberação. As decisões vêm do voto da maioria dos cotistas presentes. Cada cota dá direito a um voto.
Cotas: o patrimônio do FII é dividido em cotas, que correspondem a frações ideais do patrimônio. Os cotistas são os titulares das cotas.
Gestor: é a instituição responsável pela gestão dos ativos financeiros do fundo.
Regulamento: documento com as principais características do FII. Deve conter a descrição do objetivo fundamental dos investimentos imobiliários a serem realizados, entre outras informações.
Representante de cotistas: pessoa física ou jurídica eleita em assembleia geral de cotistas para exercer as funções de fiscalização dos empreendimentos ou investimentos do FII, defendendo os direitos e os interesses dos cotistas.
Taxa de administração: remuneração do administrador pelos serviços prestados. Deve constar expressamente do regulamento e pode incluir uma parcela variável (taxa de performance), calculada em função do desempenho do FII ou de um indicador relevante para o mercado imobiliário.
Fonte: CVM
Raio-X dos FIIs
Fundos registrados
Fonte: CVM
Patrimônio líquido
Fonte: CVM
Cotistas
Fonte: Rio Bravo Investimentos
Como decorrência de um intenso trabalho de supervisão feito nos últimos três anos, a CVM corrigiu aproximadamente 90% dos regulamentos de FIIs avaliados. Entre os itens de análise de registro de fundo, as principais exigências da CVM focaram as regras de deliberação em assembleia, os conflitos de interesses, restrições diversas e a cobrança de taxas não permitidas. Esse trabalho compõe o contexto para as regras estabelecidas pela Instrução 571.
A intenção da reforma das regras é clara: garantir que os cotistas se mantenham bem informados sobre seus investimentos. As exigências de divulgação, entretanto, são um dos pontos mais controversos da regulamentação. De um lado, administradores e gestores argumentam que o detalhamento pode confundir os investidores na hora de tomarem decisões; de outro, conforme observado na audiência pública realizada pela CVM, essa foi uma das principais demandas dos cotistas.
Ponderando as reivindicações, o regulador chegou ao conteúdo da Instrução 571:
Para os relatórios periódicos
Mensais
Trimestrais
Semestrais
Anuais
Para relatórios eventuais
Os informes eventuais, que incluem os comunicados de fatos relevantes, ainda geram questionamentos, por estarem sujeitos a critérios objetivos e também subjetivos. Para orientar os administradores, a Instrução 571 elenca algumas possibilidades (veja abaixo).
Quando um fato é relevante?
Segundo as regras da CVM, é dever dos administradores determinar quais informações são relevantes para divulgação ao mercado. Mas, na Instrução 571, o regulador deixou algumas orientações gerais. A regra considera relevante qualquer deliberação da assembleia geral ou do administrador ou outros atos e fatos que possam influir “de modo ponderável” nos seguintes itens:
Para Augusto Martins, sócio da área de investimentos da gestora de recursos Rio Bravo, o fato relevante não pode incentivar a comunicação de mais fatos positivos ou mais fatos negativos. O executivo se refere à criação de critérios objetivos, de forma a se evitar a divulgação de fatos relevantes que não reflitam a realidade do FII — considerando também as estratégias do fundo e os anseios do mercado.
Na Rio Bravo, por exemplo, foi criado um mecanismo interno: se uma informação não puder ser divulgada, o caso segue para o CEO da empresa — ele avalia se existe o risco de a comunicação prejudicar o fundo e o investidor.
Você sabia?
Às vezes o inquilino envia uma carta ao administrador informando que vai deixar o imóvel, que pretende romper o contrato antes do inicialmente previsto. Isso pode ser, em alguns casos, apenas uma estratégia de pressão do inquilino para conseguir negociar valores da locação. Mesmo se a saída não se concretizar, o administrador é obrigado a informar a ocorrência ao mercado, como querem muitos cotistas?
Bruno Luna, gerente do departamento de fundos estruturados da CVM: Com certeza não. Como ficou claro na audiência pública, mesmo o que está entre os exemplos citados na Instrução 571 não é mandatório, depende do feeling do administrador. Enquanto essa informação estiver sob sigilo, não há problema se ele decidir guardá-la. Agora, se vazar ou surgir um boato, ou até mesmo se o fato se concretizar, a orientação é que se divulgue. Vale o mesmo entendimento que existe em relação às companhias abertas.
Informação demais?
O que o regulador e alguns participantes do mercado pensam sobre o assunto
“Nossa maior preocupação é acabar prejudicando o fundo e o cotista com um excesso de informações, em vez de ajudar nas decisões do cotista.”
Adriano Mantesso, diretor executivo do Banco BTG Pactual
“Será mesmo que quanto mais informação melhor? Não é nosso dever como gestor resumir o que é importante para o investidor tomar a melhor decisão?”
Augusto Martins, sócio da área de investimentos da Rio Bravo
“Um rol de informações mais robusto atrai analistas para o mercado. Sem informação, não há desenvolvimento.”
Bruno Luna, gerente do departamento de fundos estruturados da CVM
Para aprimorar a governança dos FIIs, a Instrução 571 estabeleceu parâmetros mais precisos para a caracterização do representante dos cotistas. Ele deve ser cotista do fundo (antes poderia ser um profissional independente, contratado para a função) e eleito em assembleia geral. O representante fica responsável pela fiscalização dos empreendimentos ou investimentos do FII, de forma a defender os direitos e os interesses dos cotistas. Conforme estabelece a nova instrução, ele deve fiscalizar o administrador e emitir (formalmente) opiniões sobre as propostas para administração do fundo, além de analisar, no mínimo a cada três meses, dados relativos ao FII, denunciar erros, fraudes e crimes, comparecer às assembleias gerais e fornecer informações solicitadas pelos cotistas. Até a edição da Instrução 571, a definição do representante dos cotistas era difusa, o que dava margem a interpretações diversas a respeito de suas responsabilidades.
O regulamento de cada FII vai estabelecer o número máximo de representantes e o respectivo prazo de mandato (que não deve ser inferior a um ano). As competências dos representantes de cotistas foram estabelecidas de forma a afastá-los da gestão dos ativos — isso porque alguns representantes confundiam o papel de fiscalização com o de gestão dos fundos (não está entre as atribuições do representante dos cotistas, por exemplo, a escolha dos ativos financeiros que integram o fundo). Os representantes agora têm os mesmos deveres dos administradores, nos termos do artigo 33: lealdade, boa-fé, transparência e diligência com os fundos.
A possibilidade de eleição de um representante — um incentivo adicional ao ativismo característico dos cotistas de FIIs — é outro ponto muito discutido, diante da diversidade de público de alguns fundos. Para essa escolha, a nova regra estabeleceu quórum mínimo de 3% do total das cotas emitidas (no caso dos FIIs com mais de 100 cotistas) e de 5% (fundos com até 100 cotistas).
Salvo disposição contrária em regulamento, os prazos de mandato dos representantes serão unificados, encerrando-se na assembleia geral ordinária (AGO) seguinte, sendo permitida a reeleição.
Diálogo
Na prática, já há casos de fundos que adotam estratégias próprias para melhorar o relacionamento entre administradores e cotistas. No BC Fund (maior FII listado em bolsa do País, gerido pelo BTG Pactual), por exemplo, um comitê independente se reúne uma vez por mês e tem uma agenda de tópicos para discussão. Três integrantes foram eleitos em assembleia e outros três foram convidados pela gestora — um representante de investidor institucional e um de fundo de pensão e uma pessoa física. “Seria muito positivo para o mercado a adoção formal desse tipo de estrutura”, afirma Adriano Mantesso, diretor-executivo do BTG Pactual, referindo-se à autorregulação do mercado.
“Os fundos são muito diversos, e faz mais sentido para alguns ter representante do que para outros. Às vezes, o conceito do negócio está tão bem resolvido que pode não ser necessário gastar tempo com isso. Os dois lados — investidor e gestor — devem dialogar”, diz Augusto Martins, da Rio Bravo. “São vários os caminhos, não há resposta única”, acrescenta.
Representante dos cotistas: uma boa ideia?
“Os investidores institucionais, por terem interesses mais alinhados entre si, conseguem se organizar melhor para buscar seus direitos, mas o pequeno investidor continua desassistido, apesar da existência do representante dos cotistas.”
Guilherme Osima, sócio da área de investimentos do NFA Advogados
“A discussão não será de curto prazo. O representante de cotistas tem muita responsabilidade. Ele tem informação antes do mercado, nível de disclosure e poder de atuação maior, mas ele não é gestor.”
Augusto Martins, da Rio Bravo
Outro ponto controverso trata da remuneração dos representantes, cujas diretrizes mudaram com a nova regulação. Ela é facultativa e não tem limite, conforme a Instrução 571. Em assembleia, os cotistas escolhem o seu representante e fixam a remuneração. Esse detalhe incomoda os agentes do mercado: se a regra determina um quórum qualificado de 25% para a alteração da remuneração do administrador, não seria justo também existir um quórum para se estabelecer quanto vai receber o representante dos cotistas?
Taxa de administração
A regulamentação tem ainda diretrizes para a remuneração dos administradores. No caso dos FIIs não listados em bolsa, a taxa de administração pode ser calculada com base em valor contábil, valor de mercado, percentual de rendimento distribuído ou percentual da receita total. Se o FII integrar o Ifix, índice da BM&FBovespa, a remuneração dos administradores deve seguir o valor de mercado — ou seja, passa a depender do desempenho da aplicação.
A Instrução 571, no entanto, prevê a possibilidade de a assembleia geral de cotistas de um FII integrante do Ifix preferir a aplicação da regra geral, aquela destinada aos fundos não listados. O regulamento do FII pode, ainda, determinar um valor mínimo, em moeda corrente, para a remuneração do administrador, de forma a cobrir as despesas que teve para prestar seus serviços.
Conflitos de interesses
A instrução delega à assembleia geral de cotistas o poder de definir os atos que caracterizam conflito de interesses entre fundo e administrador ou entre fundo e gestor. Para facilitar a aplicação da regra, a CVM listou, em cinco incisos, exemplos do que pode gerar esse tipo de conflito (veja infográfico). Guilherme Osima, do escritório NFA Advogados, no entanto, chama atenção para a abrangência da norma. “As pessoas estão atentas aos cinco incisos do artigo, mas se esquecem da importância do caput — ele permite que os administradores definam os atos que podem gerar conflitos de interesses com base em especificidades de cada fundo”, alerta Osima.
O que pode causar conflitos de interesses, na visão da CVM:
Regras de transição
Os dispositivos da Instrução 571 entraram em vigor em fevereiro de 2016 — com exceção das alterações no artigo 39 e nos incisos V e VIII do artigo 41 da Instrução 472/08, que começam a vigorar a partir de 1º de outubro de 2016. O artigo 39 refere-se à divulgação de informações periódicas e os incisos V e VIII do artigo 41 compreendem as obrigações do administrador do fundo de disponibilizar aos cotistas a avaliação relativa aos imóveis, bens e direitos adquiridos, em até 30 dias a contar da conclusão do negócio.
Ouça o que diz o gerente de fundos estruturados da CVM, Bruno Luna, sobre a regra de transição da Instrução 571 para os fundos em operação e para os que obtiveram registro antes e depois de 1º de fevereiro de 2016
O novo teor da Instrução 472 (agora, Instrução 571) da CVM gera impactos relevantes para os critérios de cálculo da remuneração de administradores de fundos imobiliários (FIIs) com cotas negociadas em bolsa ou em mercados organizados. O atual regramento passa a estabelecer que o valor de mercado das cotas do fundo seja preferencialmente adotado como base de cálculo da taxa de serviços, condicionando, por conseguinte, a taxa de administração à efetiva oscilação do preço das cotas no mercado.
Ainda que os objetivos sejam a unificação dos critérios adotados em outras modalidades de fundos de investimento, a criação de incentivos à comparação entre os diversos fundos e seus respectivos administradores e, ainda, o fomento ao alinhamento de interesses entre administradores e cotistas, a nova instrução não é clara a respeito de importantes aspectos práticos e necessários à utilização dessa nova premissa de forma segura e eficaz. Especificações sobre necessidade de liquidez, período de negociação ou volume financeiro mínimo das cotas constituem pontos importantes para que a remuneração do administrador possa estar vinculada a um valor de mercado fidedigno, sem interferências indesejáveis das cotas do fundo. A falta de parâmetros objetivos na nova regulamentação abre uma perigosa brecha para eventual manipulação das taxas de administração.
Como os fundos imobiliários ainda não apresentam volumes significativos de negociação mensal, com um número limitado de interessados em vender ou comprar cotas, seus administradores estão expostos aos efeitos decorrentes de poucas e pontuais negociações de cotas com deságio sobre o valor patrimonial do fundo. Assim, pode ocorrer a proposital depreciação do valor do FII em determinado mês e, como consequência, uma redução da taxa de administração no mês subsequente.
A falta de critérios objetivos na nova regulamentação abre uma perigosa brecha para eventual manipulação das taxas de administração
Além disso, tendo em vista que a distribuição de resultados de um fundo imobiliário não é necessariamente atrelada ao seu valor de mercado, a redução da taxa de administração (considerada um encargo do fundo) poderá ser feita sem impactar a distribuição periódica de rendimentos aos cotistas — vinculada, por hipótese, à receita dos ativos e aos aluguéis oriundos dos imóveis integrantes do patrimônio.
Para mitigar o risco da súbita (e por vezes injustificada) redução na taxa de administração e permitir pelo menos o provisionamento dos custos fixos do FII, o regulamento pode estabelecer um valor mínimo equivalente ao necessário para se assegurar o pagamento de despesas essenciais, independentemente da metodologia adotada para o cálculo da taxa de administração.
Mais uma alternativa seria atrelar o valor de mercado das cotas, para fins do cálculo da taxa de administração, a um período determinado e superior a 12 meses, por exemplo. Isso evitaria que um número pequeno de transações causasse impactos significativos sobre o valor das cotas e a taxa de administração.
Por fim, sem prejuízo à firme atuação dos órgãos fiscalizadores (CVM, BM&FBovespa e Cetip) para garantir a higidez das atividades do mercado de valores mobiliários brasileiro e afastar quaisquer manipulações indesejadas, os administradores poderão, de forma excepcional, buscar o apoio da assembleia geral de cotistas para a manutenção do critério fixo de remuneração conforme praticado antes da alteração da Instrução 472 (com base em percentual do valor contábil do patrimônio líquido do fundo, rendimento distribuído aos cotistas ou receita total do fundo).
A ausência de liquidez no mercado secundário pode representar um entrave importante para que o valor precificado da cota possa vir a ser utilizado, em quaisquer situações, como representação fidedigna do valor de mercado do fundo.
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