No âmbito do mercado de capitais, a atividade de consultoria de investimentos abrange a prestação profissional dos serviços de orientação e recomendação de ativos. Diferentemente do analista de valores mobiliários, que elabora recomendações genéricas sobre produtos financeiros, o consultor identifica os interesses e as necessidades de seus clientes e lhes fornece orientações específicas e customizadas a respeito de ativos disponíveis no mercado.
A Lei 6.385/76, marco regulatório do mercado de valores mobiliários brasileiro, atribuiu à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) competência para regulamentar o exercício das atividades de consultoria. A regulamentação inicial sobre essa matéria foi editada pouco menos de dez anos depois: a Instrução 43/85 consistia em um ato normativo genérico e incompleto que continha apenas dois artigos. Um determinava que a atividade de consultoria poderia ser exercida por pessoas físicas ou jurídicas habilitadas pela CVM; o outro estabelecia que os pretendentes à habilitação deveriam, além de ter comprovada experiência no mercado de capitais, atender às exigências para ocupação de cargos de diretoria em sociedades corretoras e distribuidoras previstas em resolução própria editada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Apenas isso.
Limbo regulatório da consultoria de investimentos
Como se nota, a norma editada pela CVM na década de 1980 era demasiadamente tímida e subregulamentava a atividade de consultoria. Na falta de norma própria, aspectos importantes atinentes a esse serviço passaram a ser regulados de maneira incidental por meio de decisões esparsas proferidas pela CVM no âmbito de processos específicos. Esse é o caso dos requisitos necessários para obtenção do credenciamento como consultor — eles foram indicados em decisão proferida em 2008 pelo colegiado da CVM¹.
Os precedentes da autarquia, contudo, não regulamentavam uma série de outras matérias relevantes — como, por exemplo, os deveres e as normas de conduta aplicáveis à atuação dos consultores após obtenção do credenciamento. Não há dúvida de que a parca regulamentação aumentava a insegurança jurídica e desincentivava a prestação desses serviços no mercado de capitais nacional.
A atividade de consultoria de investimentos permaneceu nesse limbo regulatório até o ano de 2017, quando foi editada a primeira norma visando regular esse serviço, senão de maneira completa, pelo menos de forma sistêmica. A Instrução 592/17 indicou os requisitos para o credenciamento dos consultores e estabeleceu diversas normas de conduta aplicáveis a esses prestadores de serviço, incluindo a necessidade de adoção de práticas de suitability e compliance.
Vedação a consultores estrangeiros pela Instrução 592/17
A redação original da Instrução 592/17 proibia o exercício de consultoria por pessoas que não estivessem domiciliadas ou sediadas no Brasil. Por meio dessa vedação, criou-se uma reserva de mercado de cunho protecionista que afastava consultores estrangeiros impedindo-os de prestar esse tipo de serviço a investidores residentes no Brasil, seja em relação a valores mobiliários negociados dentro do território nacional ou fora dele.
Na audiência pública na qual discutiu-se a minuta da norma que posteriormente viria a se converter na Instrução 592/17², participantes do mercado chegaram a propor à CVM que fosse permitida a atuação de consultores estrangeiros no Brasil, ainda que sob autorização especial. A autarquia decidiu, entretanto, que o requisito da sede no País para a prestação do serviço seria a regra geral, e que casos concretos de consultores estrangeiros que desejassem atuar no Brasil seriam analisados especificamente. Mas passados apenas três anos da edição da Instrução 592/17 a proibição foi abolida pela Instrução 619, de 6 de fevereiro de 2020.
Instrução 618/20 autoriza consultores estrangeiros
Segundo a nova regulamentação, o consultor estrangeiro que quiser exercer a atividade de consultoria a residentes no País deve observar determinados requisitos expostos na seção IV acrescida ao capítulo II da Instrução 592/17, incluindo a autorização para a prestação dos serviços de consultoria por autoridade competente em seu país de domicílio³ e a manutenção de representante legal no Brasil.
A permissão para que consultores estrangeiros prestem serviços a residentes no Brasil alinha a regulamentação brasileira às previsões dos códigos de liberalização emitidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cuja finalidade é diminuir as barreiras ao fluxo internacional de capitais.
Ainda, essa regulamentação promotora da abertura do mercado de consultores se insere na nova política liberal estabelecida pela Lei 13.874/19, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica. Por meio desse diploma legal, passou-se a reputar como abuso regulatório a criação de reserva de mercado e de empecilhos regulatórios que impeçam a entrada de novos competidores.
A abertura do mercado de consultoria de valores mobiliários brasileiro para agentes estrangeiros é extremamente bem-vinda, especialmente quando se observa a tendência, influenciada pelas baixas históricas das taxas de juros e pela internacionalização dos fluxos financeiros, de um progressivo aumento do número de investidores nos mercados de capitais nacional e internacional.
Autorização tende a aumentar competitividade e melhorar serviços
Com a entrada de consultores estrangeiros, espera-se maior competição, com a melhora do nível dos serviços prestados. Igualmente vislumbra-se a popularização e a democratização no acesso a esses prestadores de serviço, na medida em que a nova regulamentação permitirá que investidores residentes no Brasil contratem consultores estrangeiros para formular recomendações de investimento no âmbito nacional e internacional.
Felizmente, para o bem da evolução do mercado, a demora da CVM em regulamentar de maneira completa a atividade de consultoria não se repetiu quando chegou o momento de revisar a instrução para permitir a entrada de agentes estrangeiros. A CVM parece querer ganhar o tempo perdido, pois é curioso notar que, embora tenha sido praticamente a última dentre as diversas atividades prestadas no âmbito do mercado de valores mobiliários a ter sido regulamentada de modo mais robusto — vale destacar que a atividade de gestão de carteiras foi regulamentada inicialmente pela Instrução 82, no ano de 1988, e a atividade de análise pela Instrução 388/03 —, a atividade de consultoria teve sua regulação alterada antes das demais em vigor para permitir expressamente a atuação de prestadores sediados no exterior.
Dados os potenciais benefícios atrelados ao ingresso de novos concorrentes, talvez seja a hora de a CVM analisar a conveniência de também abrir os mercados para gestores e analistas estrangeiros. Atualmente, a atividade de gestão prestada por pessoas naturais e jurídicas sediadas no exterior é vedada pelos artigos 3º, inciso I e 4º, inciso I da Instrução 558/15 e a atividade de análise prestada por pessoas jurídicas sediadas no exterior é vedada pelo artigo 11, inciso I da Instrução 598/18.
Embora reconheçam–se as diferenças entre as atividades de consultoria, análise e gestão — a gestão, inclusive, envolve maior grau de responsabilidade, uma vez que se refere à alocação de recursos de terceiros —, não se consegue identificar razões intransponíveis pelas quais esses dois mercados (análise e gestão) deveriam continuar fechados à concorrência estrangeira.
*Breno Casiuch ([email protected]). Coautoria de Sofia Grunewald ([email protected]). Ambos são associados de Chediak Advogados
Notas
¹Processo administrativo RJ2008/0296
²Audiência pública SDM nº 11/16
³Considera-se autoridade competente aquela com a qual a CVM tenha celebrado acordo de cooperação mútua que permita o intercâmbio de informações sobre os seus supervisionados ou que seja signatária do memorando multilateral de entendimentos da Organização Internacional das Comissões de Valores (OICV/Iosco)
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