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Sugestão bem-vinda
Consultores incumbidos de buscar saídas para a decadência elegeram a governança como a chave capaz de destravar o ciclo vicioso do mercado

Nunca, na história do capitalismo brasileiro, o mercado de capitais cumpriu um papel proeminente, alavancando recursos para investimentos de alta intensidade de capital e longos prazos de maturação.” Assim começava o relatório preparado pela MB Associados, redigido a 12 experientes mãos e finalizado em junho de 2000. Além de José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria (e nosso entrevistado na página 18), assinavam o trabalho José Alexandre Scheinkman, Luiz Leonardo Cantidiano, Lídia Goldenstein, Tereza Maria Fernandez Dias da Silva e Antonio Gledson de Carvalho. Parceria das boas, que traria frutos ainda melhores para o País. Intitulado “Desafios e Oportunidades para o Mercado de Capitais Brasileiro”, este relatório lúcido e, ao mesmo tempo, inventivo, germinou a idéia que, depois de bem acolhida e executada pela Bovespa, conduziria ao lançamento, em dezembro do mesmo ano, dos níveis diferenciados de listagem, entre eles o Novo Mercado.

A constatação sobre o fracasso do mercado de capitais estava muito bem fundamentada. A capitalização de mercado das empresas negociadas em bolsa vinha evoluindo desde o início da década de 90, mas nunca superado a marca dos 35% sobre o PIB do País. No ano de 1999, as emissões primárias de ações não somavam mais do que US$ 1,5 bilhão. Hoje, sete anos e muito trabalho depois, nos orgulhamos de ver, em uma das manchetes do último mês de janeiro sobre o mesmo indicador “Capitalização de Mercado X PIB”, formidáveis 75%. E a cifra citada para as emissões primárias, se já era lamentável na época, torna-se ainda mais chocante nos dias atuais, diante dos US$ 7 bilhões registrados em 2006.

Junto com os números que escancaravam a decadência, vinham as razões, não menos desanimadoras, propostas para elucidar os fatos. A primeira delas, segundo os autores, era o fechamento da economia, reduzido após a era Collor, mas suficiente para deixar seqüelas durante anos. Com ele, “os investimentos e, consequentemente, as necessidades de financiamento das empresas eram limitadas e, portanto, passíveis de serem atendidas pelos lucros retidos e créditos comerciais e oficiais”. Dentre estes últimos, os empréstimos concedidos pelo BNDES, “mais fáceis e subsidiados”, são citados como um dos maiores entraves ao desenvolvimento do mercado brasileiro, justamente por representar uma excelente alternativa ao empresariado.

Fora isso, continuavam os autores, as empresas não tinham interesse em abrir o capital porque não queriam abrir mão de algumas liberdades. “A obrigatoriedade de publicar balanços dificulta a utilização de mecanismos de informalidade nas empresas abertas (caixa dois) tornando- as, muitas vezes, menos competitivas que as fechadas”, constataram. E mais: “a estrutura familiar das empresas brasileiras, referendada pelos mecanismos de captação de recursos existentes, criou uma cultura avessa à abertura de capital”. Com esses elementos, estava montado, pois, o mapa de um círculo vicioso e perverso que angustiava os defensores de um mercado de capitais em funcionamento para uma economia que ambicionasse ser mais vigorosa. O desinteresse das empresas dava origem à minguada liquidez e esta, sem estímulos para crescer, tornava o mercado ainda mais desinteressante.

A solução para desatar este nó, ao certo, ninguém sabia. Mas pelo menos duas condições para isso pareciam consensuais: era preciso que o mercado de capitais nacional se tornasse uma alternativa mais atrativa de financiamento para as companhias que os tais créditos “fáceis e oficiais” — ou mesmo que os mercados de capitais internacionais, a esta altura já bastante atraentes para companhias com musculatura, aptas a lançar ADRs. Ao mesmo tempo, era fundamental que as companhias tivessem planos de crescimento e um ambiente econômico suficientemente promissor que justificassem a demanda por esses recursos.

Sobre este segundo ponto, os autores não tinham dúvidas de que as perspectivas eram otimistas. Havia um novo “paradigma produtivo” — com mais competição e exigências de produtividade —, e isso impunha a necessidade de maiores bases de capital. Já quanto ao custo de captação, a análise era mais complexa.

Do ponto de vista do interesse dos investidores pelo mercado brasileiro, havia vários sinais positivos: a inflação baixa facilitava as projeções; havia uma perspectiva de queda nas taxas de juros (com a respectiva realocação de recursos da renda fixa para a variável); esperava-se uma institucionalização cada vez maior da previdência complementar e da poupança financeira; e previa-se um crescente interesse de investidores estrangeiros pelo Brasil, no contexto da globalização e da abertura externa. A dúvida era, portanto, como fazer com que esses investidores, cada vez mais interessados em Brasil e com boas perspectivas para a economia, reduzissem o “prêmio” cobrado para a aquisição de ações de companhias nacionais e viabilizassem, assim, um custo de capital mais atrativo para estas empresas.

Foi justamente aí que a governança corporativa entrou em cena e montou as bases para a mais importante contribuição que os seis autores trariam ao mercado brasileiro: ela seria a chave para que os minoritários fossem mais respeitados, atribuíssem um risco menor às ações brasileiras e, desta forma, oferecessem preços que fossem mais atrativos para os emissores. “Existe agora uma oportunidade que, se desperdiçada, resultará no comprometimento das taxas de crescimento da economia brasileira no futuro. É uma oportunidade datada”, concluíam os autores, antes de apresentar a proposta que seria o embrião do Novo Mercado.

A inspiração no Neuer Markt veio de algumas semelhanças, principalmente quanto às dificuldades enfrentadas

COMUNHÃO DE PROBLEMAS — A inspiração no Neuer Markt surgiu com o reconhecimento de algumas semelhanças, principalmente quanto às dificuldades enfrentadas pelos mercados de ações brasileiro e alemão. Quando comparada ao PIB, a capitalização de mercado das companhias abertas da Alemanha representava tímidos 25,1%, menos até do que o Brasil à época e muito distante de países como Malásia (279,8%), Reino Unido (132,2%), Estados Unidos (95,9%) ou Japão (72,6%). O mercado alemão padecia ainda de baixos índices de liquidez e de uma verdadeira apatia nos fluxos de IPOs. Entre 1965 e 1999, apenas 219 empresas abriram o seu capital, uma média de 6,8 por ano.

Assim como o Brasil, a Alemanha também sofria de baixos níveis de proteção aos acionistas minoritários. E havia endereçado essa deficiência como alvo de um projeto para revitalizar o mercado local. O Neuer Markt, com suas regras muito mais rígidas de governança, provou-se a mais habilidosa tacada para virar o jogo: em seus três primeiros anos (1997 a 2000), atraiu mais de 200 empresas, um terço de todas as que haviam aberto o capital na Alemanha entre 1949 e 1999. Mas, apesar do sucesso, sua história não foi mais longa em razão de alguns erros estratégicos que o nosso Novo Mercado, atento à experiência alheia, não cometeu (veja mais em reportagem iniciada na página 42).

“Como as evidências sugerem que o aumento da proteção aos investidores minoritários constitui um mecanismo importante para desenvolver o mercado de capitais, propomos a criação de um mercado específico (ou uma seção dentro da bolsa), regulado por contratos privados entre a Bovespa e as empresas listadas — o que dispensaria mudanças legislativas e, portanto, minimizaria a necessidade de atuação governamental”, dizia o projeto capitaneado por Mendonça de Barros, em sua primeira referência à fórmula que, sete anos depois, seria motivo de orgulho e reconhecimento — inclusive por parte daqueles que a receberam, à primeira vista, com descrença e ironia. A experiência provou que o diagnóstico estava correto e que só há mesmo uma forma de um mercado de capitais funcionar: mediante o casamento de interesses entre investidores (agora mais protegidos e confiantes em pagar um preço mais próximo do “justo” pelas ações brasileiras) e as companhias (satisfeitas com o custo de capital e as oportunidades proporcionadas pelo mercado). Só podemos desejar que sejam felizes nesta parecia, para sempre.


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