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O mistério da venda
Em tempos de tag along e reaquecimento das fusões e aquisições, cresce a polêmica sobre as operações que caracterizam alienação de controle

ed22_p022-026_pag_4_img_001Os investidores minoritários brasileiros ganharam uma importante batalha no início dessa década: reintroduzir na Lei das Sociedades Anônimas o dispositivo que lhes dá o direito de vender suas ações em caso de alienação da companhia, hoje conhecido como tag along. No entanto, a vitória não foi suficiente para que tivessem toda a segurança e o conforto que desejavam. Não apenas porque o tag along voltou em 2001 com um percentual inferior ao que existia antes de ser suprimido na reforma de 1997 – hoje os investidores têm direito a receber 80% do valor pago ao controlador, e não mais 100%, como antes – mas, também, porque persistem as dúvidas sobre a definição do que caracteriza a troca de controle, evento que obriga os novos controladores a fazerem a oferta pública de ações (OPA) para adquirir os papéis dos acionistas minoritários. Em português claro, há casos em que não se sabe se determinada empresa foi vendida ou não.

Essas dúvidas não vêm de hoje. Na verdade, já eram comuns bem antes de o mercado ter importado o termo “tag along” para definir a participação dos minoritários na venda da companhia. Mas acabaram ficando maiores nos últimos tempos, à medida que criativas soluções societárias passaram a utilizar acordos de acionistas e outros mecanismos que tornaram ainda mais intrincadas as discussões sobre a venda do controle. Para complicar, algumas companhias estenderam o direito ao tag along aos detentores de ações preferenciais – uma hipótese não prevista em lei, mas requerida pelo Nível 2 da Bovespa e adotada voluntariamente nos últimos anos por diversas empresas. Junte-se a isso o reaquecimento do mercado de fusões e aquisições e tem-se aí um prato cheio para os mais variados questionamentos.

Na recente transação envolvendo a Companhia Brasileira de Distribuição (CDB) e o grupo francês Casino, submetida à análise da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o sócio estrangeiro passará a ter a gestão compartilhada da companhia, com participação de 50% no capital votante da holding que controlará a CBD. Outros 50% ficarão nas mãos do empresário Abilio Diniz, que continua como presidente do conselho de administração da CBD e passa a ser também presidente do conselho da holding. Ele continuará supervisionando a administração da CBD, além de ter o voto de minerva no conselho.

Syllas Tozzini, sócio do escritório de advocacia Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, afirma que não houve troca de controle porque o sócio francês já fazia parte do bloco de controle desde 1999. Tinha poderes de veto em algumas matérias, direito de nomear administradores e era passível de ser responsabilizado na Justiça. O Tozzini, Freire assessorou o grupo Casino nessa transação.

Na prática, qualquer decisão que a CVM tome sobre o assunto não terá efeito no caso da CBD, pois menos de 1% de suas ações ordinárias estão no mercado. Ou seja, mesmo que a autarquia entenda que houve troca de controle, a realização de uma oferta pública não envolveria valores significativos. Mas a decisão pode contribuir para formar a jurisprudência.

Outro caso que promete manter a discussão aquecida é a esperada mudança acionária no bloco de controle da Brasil Telecom (BrT). A Telecom Italia, que fazia parte desse bloco, saiu do capital votante da companhia para atuar na área de telefonia celular por meio da TIM, em cumprimento a normas da Anatel. Agora, ela quer comprar a participação dos fundos de pensão e do Citigroup na BrT e tem um acordo para levar também as ações detidas pelo Opportunity. Se a operação ocorrer, haverá troca de controle e necessidade de tag along?

A Lei das S.A, em seu artigo 254-A, denomina a operação que dá direito ao tag along de “alienação, direta ou indireta, do controle” e a caracteriza como a transferência de ações integrantes do bloco de controle ou vinculadas a acordos de acionistas, de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto e de direitos de subscrição de ações e outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações.

“A lei pressupõe a existência de um sócio majoritário que seja nitidamente identificado”, diz Fernando Albino, sócio do escritório Albino Advogados. Para ele, a lei pode ser considerada simplória, pois não leva em consideração que no mundo real as situações costumam ser mais complexas.

Um exemplo de caso bastante evidente em que há troca de controle é quando um dos acionistas vende 50% das ações mais uma para alguém que não fazia parte do bloco de controle. Agora suponha que nessa transação o antigo controlador mantém, por meio de um acordo de acionistas, o seu poder de gestão sobre a companhia durante alguns anos. Nesse caso, podese argumentar que houve a alienação das ações, mas não do poder de controle. Suponha outra situação: uma companhia com dois acionistas controladores, um com 30% e outro com 40%. O primeiro vende suas ações no mercado. Nesse caso, o controle não foi totalmente alienado, mas se pode argumentar que houve uma troca no controle.

Antes da década de 90, a interpretação que prevalecia era a de que a transferência de controle só ocorria quando o comprador das ações comprava 50% mais uma das ações e o vendedor vendia 50% mais uma. Mas o entendimento sobre o assunto vem mudando, até porque a própria visão sobre o controle se alterou. Antigamente, considerava-se que o controle era exercido por quem detinha 50% mais uma das ações com direito a voto. Hoje é definido pela pessoa ou grupo vinculado por acordo de voto que tenha assegurado, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, além de usar efetivamente o seu poder para dirigir as atividades e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

A coisa se complica ainda mais quando se leva em conta que esse controle pode ser “de fato”: um bloco vinculado sem a existência de acordo formal de votos, mas com acionistas ligados por vínculos como amizade, parentesco e interesses comuns. De acordo com levantamento feito pelo escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Filho, entre 1979 e 1985 a CVM proferiu pareceres que indicaram nessa direção.

Mais recentemente, a autarquia considerou que fatores como a votação conjunta desses acionistas, a assiduidade destes nas assembléias gerais e a existência de interesses comuns também deveriam ser analisados. A CVM manifestou-se ainda no sentido de que a votação conjunta dos acionistas só caracteriza o controle “de fato” se existir o compartilhamento do controle, ou seja, se algum dos acionistas integrantes do bloco não possuir individualmente a maioria absoluta das ações com direito a voto.

Outra questão surge com essa definição. Como o entendimento da CVM tem sido no sentido de que o grupo de controle se caracteriza, dentre outras coisas, pela votação conjunta de determinados acionistas, a mera recomposição desse grupo poderia implicar em troca de controle, mesmo sem haver alienação. Supondo que os acionistas votassem juntos, mas que um deles passe a ter entendimento diferente dos demais, teria ocorrido uma troca de controle?

Ao invés de analisar cada transação em si, a CVM vem, ao longo do tempo, olhando as operações dentro de um contexto amplo, diz o advogado Aloysio de Miranda Filho, do Ulhôa Canto. Analisa os momentos que a precederam e a sucederam e leva em conta critérios como a existência de pagamento de prêmio pelo controle, a responsabilização do vendedor por contingências do passado, a existência de um controlador identificável dentro do grupo de controle e a alteração na gestão da companhia. Se a operação teve esses itens, existem fortes indícios de que houve troca no controle, mesmo que a transação só se concretize após alguns anos de ser anunciada.

É difícil ser categórico, pelo menos a priori, quando se trata desse assunto. “A CVM analisa caso a caso. Cada um tem suas particularidades, e isso é que torna difícil a análise”, diz a advogada Adriana Baroni Santi, também do Ulhôa Canto. Algumas das decisões da autarquia podem parecer contraditórias, mas isso ocorre por conta dessas particularidades, diz a advogada.

JURISPRUDÊNCIA CONFUSA – Um dos poucos pontos para os quais as opiniões de advogados convergem é sobre a dispensa da necessidade de realização de OPA após transações feitas dentro do bloco de controle que impliquem no aumento da participação de determinado acionista. No entendimento de Albino, toda vez que a empresa vende a capacidade de gestão, aliena o controle. Se o controle já era compartilhado, a rigor não ocorre a troca, mas sim uma consolidação.

Miranda considera que, quando ocorre apenas o reforço do controle (o aumento da participação de um dos acionistas do bloco), o tag along não deve ser aplicado. Ele acredita que é razoável que a CVM tenha uma interpretação que leve em conta vários momentos da operação, pois uma das possibilidades é um acionista aumentar sua participação gradativamente, reduzindo a liquidez dos papéis que estão no mercado. Mas ele acredita que essa abordagem deve ser usada com prudência, sob o risco de tornar muito caras e até inviabilizar as movimentações dentro do próprio grupo de controle.

Embora as opiniões caminhem nesse sentido, não é certo que aumentos da participação de um acionista que já está no bloco dispensem a necessidade de uma OPA. Em 1985, por exemplo, houve uma mudança dentro do bloco de controle da Aracruz Celulose, e a autarquia considerou que a participação de um dos acionistas aumentou de tal forma que o acordo de acionistas ficou esvaziado, e que seria necessário realizar uma OPA.

Já em outro caso que também envolveu a Aracruz, este mais recente, de 2002, os rearranjos não demandaram uma OPA. Naquela data, a VCP adquiriu da Mondi Brazil e da Mondi International ações ordinárias que estavam vinculadas por acordo de acionistas. A autarquia entendeu que a transação não elevou a VCP à condição de controlador único, e que houve somente a transferência da participação. Para Miranda, seria bom se a CVM emitisse um parecer de orientação, aprovado pelo colegiado, para conferir maior segurança jurídica e balizar as decisões dos investidores minoritários.

MUDANÇA NA LEI? – Para Tozzini, a matéria seria melhor regulada por uma alteração na lei, preferencialmente apontando-se os percentuais que dariam direito ao tag along. Caso contrário, acredita, corre-se o risco de mudar a interpretação sempre que houver mudanças no colegiado da CVM. Enquanto essa alteração não vem, o acordo de acionistas torna-se uma peça fundamental para determinar se houve ou não a troca de controle. A opinião é compartilhada por Albino, que acredita que a Lei das S.A é que deveria prever diferentes hipóteses, e dar a elas tratamentos diferenciados.

Existe ainda uma terceira visão, a do ex-presidente da CVM e advogado do escritório Motta, Fernandes Rocha, Luiz Leonardo Cantidiano. Ele acredita que a lei não deve ser mudada, e que a jurisprudência deve continuar servindo para identificar se houve ou não a troca de controle. Para Cantidiano, um parecer ou a mudança na lei não resolveriam essa questão, pois não contemplaria todas as particularidades possíveis. “A análise tem de ser caso a caso”, diz.

Ele avalia que a melhor saída é a transparência da CVM ao se comunicar com o mercado, justificando suas decisões e mostrando seus critérios. Por outro lado, considera natural que as interpretações mudem quando o colegiado muda, e que não é sensato esperar que os profissionais que passam colegiado votem exatamente da mesma forma.

Seja de qual forma for, o entendimento mais claro sobre o assunto poderia servir até para redimir, perante o mercado investidor, algumas figuras que saíram chamuscadas após processos de reestruturação societária, como os ex-controladores da Ambev. A operação de fusão com a cervejaria belga Interbrew, no ano passado, foi duramente criticada por investidores, e um dos motivos foi que ela não estendeu o tag along para suas ações preferenciais.

Mas, acreditam alguns, talvez não houvesse a necessidade nem de oferecer o tag along para as ações ordinárias, pois não teria havido troca de controle. “O que aconteceu foi que os controladores migraram para uma holding que continua controlando a Ambev”, diz um gestor de recursos que estudou a operação. Uma análise possível é que os controladores da Ambev ape- _ nas teriam contribuído com suas ações para composição de um novo veículo que possui, também, o controle da belga Interbrew.

E no caso de uma companhia ter os seus papéis listados no Nível 2 da Bovespa, que impõe a necessidade de o tag along ser estendido também para os detentores de ações preferenciais? A quem caberia deliberar sobre um questionamento sobre uma troca de controle? “Certamente a bolsa iria se manifestar sobre o assunto, que seria estudado no âmbito da câmara de arbitragem”, diz Maria Helena Santana, superintendente de relações com empresas da Bovespa. A decisão da Bovespa não impediria que a CVM também se manifestasse. Ao que parece, a antiga dúvida sobre a troca de controle ainda guarda muita lenha para esquentar as discussões societárias.


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