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Próximos passos
Da adaptação ao cenário de controle pulverizado à revisão dos artigos para lá de polêmicos, não faltam sugestões para novos retoques

Vista no conjunto, a Lei das S.As é sempre elogiada. Mas, no detalhe, as imperfeições começam a aparecer. Algumas são marcas da idade. Afinal, por mais que tivesse a influência dos sistemas legislativos modernos da época, a 6.404 foi criada em uma realidade diferente da atual, em que empresas tinham um controlador bem definido e investidores queriam apenas a valorização de suas ações e os dividendos. O mercado era outro, a tecnologia, também. Ou será que, em 1976, alguém poderia imaginar o pleito do voto pela internet, que agora começa a virar bandeira?

“É preciso acabar com a exigência da presença física do acionista nas assembléias gerais”, diz Luiz Leonardo Cantidiano, um dos defensores do voto “virtual”. “Bastaria acabar com a necessidade de lista de presença”, sugere. O artigo 126, sobre legitimação e representação, além de exigir a presença física, dificulta o voto por procuração. “O artigo está genérico demais e desestimula a participação dos acionistas”, diz Marcelo Barbosa. O 126, junto com o artigo 110, também costuma dar dor de cabeça aos minoritários mais ativistas, que gostariam de ver as assembléias lotadas. Os dois dispositivos tratam do acesso à lista de acionistas, essencial para uma estratégia de mobilização dos minoritários.

O problema é de interpretação, como na maioria dos artigos polêmicos da Lei das S.As. A Investidor Profissional enviou consulta à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o assunto, depois de constatar que a autarquia já utilizara dois entendimentos diferentes sobre os artigos 100 e 126. Pedro Rudge, sócio da empresa de gestão de recursos, é um dos que defendem que vários artigos da Lei das S.As deveriam ser aperfeiçoados. E faz a sua lista, começando pelo artigo 118, sobre acordo de acionistas, que obriga o conselheiro de administração a seguir a orientação do acionista que o indicou. O artigo ganhou a nova forma em 2001. “O conselheiro perde totalmente a sua independência”, diz.

Na lista de artigos críticos de Rudge, estão ainda o 115 e o 264. O primeiro, sobre abuso do direito de voto e conflito de interesses, também gera interpretações discordantes. Alguns advogados defendem que o acionista controlador pode e deve votar, e que, somente depois de avaliados os efeitos de seu voto sobre a companhia, ele poderá ser julgado abusivo. Outros acreditam que o controlador está impedido de votar em casos de conflito de interesses. “Ele não poderia estar dos dois lados da questão, votando e se favorecendo”, diz o sócio da IP. “Essa história de reverter o voto depois é muito complicada.”

VELHARIAS — O último artigo da “lista negra” dos minoritários costuma ser o 264, sobre incorporação de companhia controlada. O problema surge quando o controlador está à frente das duas empresas. O advogado Mauro Guizeline acredita que o artigo pede uma regulamentação. “A CVM não regulamentou a parte final. O controlador decide na empresa que fica em baixo e também na de cima”. Casos recentes mostraram que, muitas vezes, a incorporação é feita com o objetivo de fechamento de capital da companhia, sem a realização de oferta pública para recompra das ações. Em relação aos laudos de avaliação, os critérios teriam ficado velhos para os tempos atuais: na incorporação, o direito de recesso é previsto somente pelo valor do patrimônio líquido a preço de mercado, geralmente menor que o valor econômico.

Luiz Antônio Sampaio Campos tem dúvidas sobre a necessidade de alterações legislativas nessa questão. “A incorporação é um tema um pouco emocional”, diz ele. “A discussão fica poluída pelas incorporações de partes relacionadas.” Para Marcelo Barbosa, muitas vezes as controvérsias em torno da lei não significam que ela precise ser alterada. Os conflitos tendem a ser resolvidos com a prática de interpretá-la: “Alguns artigos ainda não foram objeto de discussão na Justiça e na CVM. Na medida em que os minoritários estão mais ativos, haverá mais julgamentos e, assim, mais interpretações. A CVM passou por uma fase de regulamentações e agora vem acelerando os processos.”

De fato, o ativismo dos acionistas é recente na história do mercado de capitais. Mas a lei processual brasileira, que permite uma enorme quantidade de recursos, não ajuda. “A maneira de fazer valer a lei é muito lenta”, diz José Alexandre Tavares Guerreiro. “É preciso mudar o código de processos. O minoritário acaba dando um jeito de se desfazer das ações. Por isso a arbitragem é tão importante.” Os prazos de prescrição também são longos demais na Lei das S.As, diz Campos, o que ameaça a segurança das relações negociais. “Na Alemanha, o prazo para se questionar uma assembléia é de 30 dias. Aqui, chega a dois anos.”

NOVA REALIDADE — As críticas à 6.404 costumam ser pontuais, mas muitos temem que a lei possa envelhecer precocemente a partir de agora, se for confirmada a tendência de pulverização de capital nas companhias. “Muitas controvérsias ainda vão surgir”, prevê Pedro Rudge. “Vale a pena pensar sobre o que será necessário mudar para atender a essa nova realidade”, diz Cantidiano. As responsabilidades do administrador, já previstas na lei, serão ainda mais efetivamente testadas e as companhias sem controle definido já enfrentam dificuldades em relação ao dispositivo que exige a aprovação de algumas matérias pela maioria do capital votante.

Diante de uma possível mudança de cenário, a Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca) constituiu uma comissão com representantes de empresas que passam pela experiência de não ter um controlador definido. “Queremos analisar”, diz o superintendente Eduardo Lucano. “É prematuro falar agora se será necessário alterar a lei. Só se deve mexer na legislação depois que se acumula uma experiência no assunto.” A princípio, a entidade considera a Lei das S.As “boa e consistente”, e defende apenas a reforma contábil, já encaminhada. “Essa reforma só não aconteceu ainda por causa da demora do Congresso”, avalia Cantidiano.

Mas há quem defenda uma nova reforma, ampla, na 6.404. “A lei ficou para trás, não tem mais respostas para tudo” diz Fernando Albino. “O grande desafio é fazer uma reforma ampla, não essas reforminhas pontuais”, afirma. E completa: “Começaria por fazer uma distinção entre sociedade aberta e fechada. Há dispositivos para uma que não fazem sentido para a outra. A lei precisa também ser adaptada ao novo Código Civil.” Albino promete provocar polêmica com um livro que está escrevendo sobre as incongruências da Lei das S.As, que será lançado com o mote do aniversário da legislação. “É um trabalho provocativo. Mostrará que o mercado anda depressa e que a lei precisa ir atrás.” A discussão, portanto, está lançada: aos 30 anos, a Lei das S.As precisa apenas retocar a maquiagem ou já está na hora de uma cirurgia completa?


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