Movimento tático
Comunicação com o mercado e uso indevido de informação

, Movimento tático, Capital AbertoGerenciar a comunicação com o mercado é uma missão que, em certas situações, pode ganhar contornos de filme de suspense. É preciso estar atento para a relevância de cada informação, para a necessidade de divulgá-la de forma tempestiva, para a importância de disseminá-la de modo equânime e simultâneo. Igualmente importante é saber fazer a coisa certa quando há suspeita de vazamento de informação ao mercado. Ao observar as cotações de seus papéis movimentando-se de forma atípica, o profissional de relações com investidores (RI) tem de ser rápido: deve avaliar as possibilidades de vazamento de informação e elaborar com urgência um comunicado ao mercado, mesmo correndo o risco de prejudicar o sucesso do fato relevante em curso.

, Movimento tático, Capital AbertoÉ claro que essas situações podem representar uma saia justa para o profissional de RI, principalmente quando a negociação em curso ocorre na alta administração, sem que ele esteja a par. A obrigação de nivelar a informação no mercado, contudo, é do RI, cabendo a ele também a missão de convencer os demais administradores sobre a importância de fazer a divulgação o mais rápido possível. Por tudo isso, é fundamental que o RI conheça o que dizem a lei e a regulamentação sobre essas situações.

Há uma definição clara do que é fato relevante?

Não. Como se vê no quadro abaixo, as definições são um tanto amplas e podem abarcar várias possibilidades. Embora existam acontecimentos evidentemente importantes — e, mais que isso, cruciais para o investidor embasar suas decisões —, há outros que ficam em uma zona cinzenta, deixando em dúvida até mesmo profissionais tarimbados. A Instrução 358/02 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) define o que é fato relevante e traz uma lista de fatos potencialmente relevantes. Mas a relação é apenas exemplificativa. Quando se trata desse assunto, a generalização não costuma ser benéfica: um fato que é relevante para uma empresa, em função do seu porte e segmento de atuação, pode não ser para outra companhia.

Quem é o responsável por divulgar o fato relevante?

O diretor de relações com investidores (DRI) é o responsável primário tanto pela prestação de informações periódicas (como as demonstrações financeiras trimestrais e anuais) quanto pelas eventuais, como o fato relevante. Ele tem de comunicar o fato à CVM e à bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, além de, conforme a Instrução 358/02, “zelar por sua ampla e imediata disseminação, simultaneamente em todos os mercados em que tais valores mobiliários sejam admitidos à negociação”. Nas empresas de grande porte, é fundamental que haja integração entre as diversas áreas e o DRI, que nem sempre sabe do que se passa em outras unidades ou setores. Daí a necessidade de a companhia ter uma política de divulgação de fato relevante, conforme a Instrução 358/02, que não apenas trate da importância de guardar sigilo, mas também garanta o fluxo de informações para o DRI.

Quais as consequências de deixar de publicar um fato relevante?

A falta de publicação de um fato relevante deixa o DRI sujeito a várias penalidades administrativas, como advertência, inabilitação temporária para exercício do cargo e multa, dentre outras; além da responsabilidade civil por danos causados a investidores que não tiveram acesso a determinadas informações relevantes para a decisão de investimento. “A consequência de não publicar um fato relevante é a precificação inadequada dos papéis da empresa negociados no mercado secundário, e por isso a infração é considerada grave”, afirma Sérgio Machado, advogado sênior do escritório Lefosse Linklaters.

Na dúvida sobre se determinado fato é ou não relevante, como a companhia deve proceder?

Consulte um advogado experiente e avalie os riscos. O problema mais evidente, claro, é quando se deixa de publicar um fato relevante. Mas não é o único: “A publicação de um fato que não é relevante, ou de algo que ainda não esteja concretizado, pode gerar um efeito ruim para o mercado”, afirma o advogado Ricardo Genis Mourão, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm. Um exemplo é a situação em que a companhia publica um fato relevante sobre a celebração de um contrato importante, mas o contrato depende de cláusulas que acabam não se materializando. Além dos custos com a publicação de dois fatos relevantes (o primeiro, para anunciar a negociação, e o segundo, para tratar do cancelamento), a companhia pode sofrer danos de imagem e muita volatilidade no preço dos seus papéis. “A publicação de fatos relevantes não pode ser banalizada, senão o mercado passa a não dar a devida importância ao que é publicado”, afirma o advogado Thiago Giantomassi, do escritório Demarest & Almeida. Bom senso, portanto,
é fundamental.

Deve-se divulgar um fato relevante antes que o fato tenha sido concluído?

A CVM entende que não é necessário que um contrato tenha sido celebrado, por exemplo, para que o fato relevante seja publicado. Isso pode ser feito aos poucos, à medida que a operação se concretize. É necessário, portanto, observar o estágio em que a negociação está para avaliar a necessidade de publicar o fato. O problema é que muitas negociações têm de ser mantidas em sigilo para que possam se concretizar e beneficiar os próprios acionistas no futuro. A regulamentação diz que, quando a preservação do sigilo for de interesse legítimo da companhia, ela pode não divulgar o fato e deve tomar medidas para que o sigilo seja respeitado, além de acompanhar qualquer oscilação atípica das ações. Caso se verifique oscilação incomum na cotação ou quantidade negociada com as ações ou outros valores mobiliários, a companhia tem de publicar o fato relevante imediatamente, de modo a evitar a ocorrência de negociações baseadas em informação privilegiada (leia quadro abaixo).

O que fazer quando ocorre um vazamento da informação?

Quando a informação escapa ao controle — seja por notícias na imprensa ou por boatos —, as companhias também têm de imediatamente divulgar um fato relevante, negando ou confirmando a notícia. A publicação visa a restabelecer a simetria e o acesso simultâneo dos investidores às informações, que são requisitos fundamentais para a credibilidade e o bom funcionamento do mercado.

Que outras formas de comunicação as companhias abertas têm com o mercado?

Os avisos ao mercado, por exemplo, quando querem comunicar a realização de uma oferta pública de ações, ou mesmo o pagamento de dividendos. Algumas se utilizam de press releases. Outra forma é por meio dos editais de convocação de assembleias. Vem ganhando força também a comunicação virtual por meio da página eletrônica da empresa.

Em que ocasiões os administradores não podem falar com o mercado?

Eles entram em período de silêncio (quiet period) quando a companhia efetua uma oferta pública de ações. O objetivo dessa proibição é evitar que declarações dos administradores influenciem o processo de tomada de decisão dos investidores de participar da oferta. Além disso, a preocupação é com a simetria das informações, ou seja, a autarquia quer garantir que todos os investidores tenham acesso às informações sobre a companhia ao mesmo tempo — o que não ocorre quando há uma declaração, por parte da empresa, exclusiva para determinado veículo de comunicação ou para um público restrito.

Essa proibição restringe-se à companhia emissora?

Não. Ela se estende ao ofertante (que pode ser um acionista da companhia), aos administradores, assessores, bancos, advogados e outros envolvidos na operação. Eles só podem se manifestar após a publicação do anúncio de encerramento de distribuição, quando a oferta está totalmente concluída. O período de silêncio relacionado a oferta pública é o único previsto pela CVM. Algumas companhias adotam quiet period também antes da divulgação de resultados, mas o fazem por conta própria, sem nenhuma previsão na lei e ou na regulamentação.

Quando começa o período de silêncio?

Essa é uma questão que suscita dúvidas, mas a expectativa da CVM é acabar com elas após a publicação da nova instrução sobre ofertas públicas (que vem sendo chamada no mercado de “nova 400”). Espera-se que a nova regra saia no primeiro semestre de 2010. A minuta da norma (que não havia sido editada até o fechamento desta edição) estipulou que o período se inicia 60 dias antes do protocolo do pedido de registro da oferta na CVM. Por enquanto, muitos consideram que o período de silêncio começa, para as companhias abertas, no momento em que se planeja a oferta, e, para os intermediários, quando ocorre sua contratação.

Quais as sanções para a quebra do quiet period?

As sanções para a quebra do período de silêncio podem ser, dentre outras, advertência, suspensão temporária da operação, multa e inabilitação para dirigir companhia aberta por até 20 anos. “O mais comum é que a CVM opte por suspender a oferta pública até que a companhia se explique e a informação seja de conhecimento geral dos investidores”, afirma Sérgio Machado, advogado sênior do escritório Lefosse Linklaters.

Como deve ser informada a negociação com ações por parte dos administradores da empresa?

Os diretores, conselheiros e membros de outros órgãos estatutários das companhias abertas devem informar à companhia a negociação com ações de emissão própria feitas em nome deles, de cônjuge ou companheiro(a). Essa divulgação deve ocorrer no prazo de cinco dias após a realização do negócio. Já o DRI deve repassar essas informações às bolsas de valores e à CVM no prazo de até dez dias após o término de cada mês. As companhias com boas práticas de governança costumam ter uma política de negociação de ações por parte de seus administradores. Em alguns casos, eles só podem transacionar com os papéis em corretoras específicas, que bloqueiam os negócios nas datas proibidas.

Quando os administradores da companhia não podem negociar suas ações?

Até 15 dias antes da divulgação das demonstrações financeiras trimestrais (ITR) e anuais, e na pendência da divulgação de fato relevante (de acordo com os artigos 13 e seguintes da Instrução 358/02). A proibição vale para o controlador, os diretores e os membros dos conselhos de administração e fiscal. No caso do fato relevante, a vedação à negociação se estende aos prestadores de serviço da companhia e àqueles com relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como advogados, profissionais de instituições financeiras, analistas de valores, consultores, etc.

Como as autoridades investigam o insider trading?

Quando um fato relevante é divulgado, os sistemas da CVM e da Bovespa verificam se houve movimentação atípica com as ações e demais valores da empresa no período que antecedeu a divulgação. Em caso afirmativo, a autarquia investiga, abre um processo administrativo e comunica ao Ministério Público a ocorrência de eventos que constituam crime. O Ministério Público oferece, então, a denúncia. Uma vez aceita, instaura-se o processo penal. Há, portanto, as vertentes penal e administrativa.

Advertido por calar

Os diretores de relações com investidores (DRI) vivem numa corda bamba quando o assunto é fato relevante. Além de responderem pela não divulgação desses comunicados, eles podem ser questionados tanto pela divulgação atrasada quanto pela precipitação em divulgá-los. Foi justamente a demora em publicar um fato relevante que originou um processo administrativo julgado em 2007 (PAS RJ2006/5928) pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O processo esclareceu vários pontos sobre o fato relevante e o momento adequado para sua publicação.A CVM acusou o DRI da São Paulo Alpargatas de infração aos artigos 3º e 6º da Instrução 358/02. Pelo artigo 3º, cabe ao DRI divulgar esses comunicados e zelar por sua ampla e imediata disseminação. O parágrafo único do artigo 6º diz que o DRI deve divulgar imediatamente um fato relevante quando alguma informação escapa ao controle ou quando há oscilação atípica nos preços e quantidades negociadas com as ações decorrente de provável vazamento de informação.

O processo começou após a gerência de acompanhamento de mercado da CVM ter observado oscilações significativas, sem motivo aparente, nas ações preferenciais da companhia (a partir de 31 de outubro de 2002). Dez dias depois, a companhia publicou dois fatos relevantes: um envolvia a contratação de um empréstimo junto ao International Finance Corporation (IFC) e outro a assinatura de um acordo judicial com fundos geridos pela Dynamo, no qual reconhecia que suas ações preferenciais tinham direito a dividendos 10% superiores.

Como a publicação do fato relevante ocorreu após a oscilação atípica dos papéis, a CVM considerou a hipótese de infração ao artigo 6º. A possível infração do artigo 3º também foi aventada, porque o DRI esteve presente nas reuniões do conselho de administração que trataram do empréstimo junto ao IFC e da aprovação do acordo judicial com a Dynamo. Estava, portanto, de posse dessas informações, mas demorou a divulgá-las ao mercado.

O relator Pedro Oliva Marcilio de Souza esclareceu que não é necessário que um contrato seja celebrado para um fato ser considerado relevante: “Basta que a informação não seja meramente especulativa, mera intenção não baseada em fatos concretos”, disse o texto do relator. Ele reconheceu que, quanto ao empréstimo do IFC, o DRI poderia aguardar a formalização, até porque o valor era pequeno para o porte da empresa. Mas considerou um equívoco não ter publicado fato relevante imediatamente sobre os dividendos das ações preferenciais, pois o impacto do acordo sobre a cotação dos papéis era relevante. Segundo o relator, o DRI deveria ter analisado qual dos dois eventos estaria causando a oscilação e feito a divulgação. Se a dúvida permanecesse, deveria divulgar ambos.

A pena imposta para o DRI foi de advertência, pois alguns elementos lhe foram considerados atenuantes ou favoráveis: o universo dos investidores atingidos pelo descumprimento da norma era pequeno, dada a iliquidez dos papéis; a companhia já tinha tido oscilações atípicas dos papéis; a análise das negociações atípicas não apontou para prejuízos a alguém, nem mesmo para negociações com base em informações privilegiadas; a acusação não mencionou vazamento das informações. (L.D.C.)


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