Mãos à obra
Passos fundamentais para obter o registro na CVM e definir os detalhes da operação

, Mãos à obra, Capital AbertoCom a equipe interna montada, o banco coordenador e os advogados contratados, e as demonstrações financeiras em fase de finalização, chega a hora de definir os contornos que a oferta terá. Qual a proporção entre as parcelas primária e secundária? A operação deve mesmo contemplar esses dois tipos? A qual nível diferenciado de governança da Bovespa aderir? Que percentual alocar para os investidores de varejo?

Todas essas decisões serão discutidas com as instituições que lideram a oferta num processo que tem como pontapé a chamada “reunião de kick-off”. A partir dela, as diferentes equipes trabalham no preparo dos documentos que a Comissão de Valores Mobiliários exige para registrar o pedido de abertura e a oferta propriamente dita.

É nessa fase que se realiza uma das tarefas mais complexas e importantes de todo o processo: a confecção do prospecto. Marcada por longas horas de trabalho e cercada de pressões, a produção do documento compreende um exercício de reconstituição da história da empresa, que passa pela avaliação de seus riscos e vulnerabilidades — um processo nem sempre fácil de executar, tanto do ponto de vista operacional quanto psicológico.

O que é feito na reunião de kick-off? Quem participa dela?
, Mãos à obra, Capital AbertoO planejamento da oferta é desenhado nesse encontro, que é o primeiro a reunir todas as instituições que compartilham a responsabilidade pela operação. Dela devem participar os profissionais da empresa diretamente envolvidos no projeto, seus conselheiros e principais acionistas, os executivos dos bancos coordenadores, os advogados da companhia e do banco e também os auditores independentes. As tarefas de cada um serão distribuídas e os prazos definidos, traçando um mapa para guiar o andamento dos processos envolvidos. É a partir desse , Mãos à obra, Capital Abertoponto que o prospecto começa a ser desenhado, e que os advogados elaboram as dezenas de documentos que são exigidos para os pedidos de registro na Comissão de Valores Mobiliários. Para que as atividades envolvidas na formatação da oferta possam ser conduzidas, as demonstrações financeiras devem estar prontas e, idealmente, auditadas. O cronograma dos diferentes estágios da oferta pode variar de uma companhia para outra, mas costuma seguir uma distribuição padrão (veja tabela abaixo)

Como funciona o processo de registro na Comissão de Valores Mobiliários?
É necessário protocolar dois pedidos diferentes, um do registro de companhia aberta e outro da , Mãos à obra, Capital Abertooferta. O primeiro é regulamentado pela Instrução CVM 202 e o segundo, pela Instrução 400. Cada um deles exige a apresentação de um conjunto de documentos diferente. Para o registro de companhia aberta, além das demonstrações financeiras dos três últimos anos auditadas, das atas de assembléias de acionistas já realizadas e da reunião do conselho de administração ou de assembléia geral em que o diretor de Relações com Investidores tenha sido designado, é preciso apresentar o relatório da administração e uma série de formulários, entre eles o de Informações Anuais (IAN). Já para o registro da oferta, a companhia ou os acionistas ofertantes devem apresentar, em conjunto com o banco coordenador, uma minuta de todos os documentos exigidos pela regulamentação. Dentre esses, deve ser entregue a primeira versão do prospecto , Mãos à obra, Capital Abertopreliminar e o contrato de distribuição, assinado entre a companhia e o coordenador líder, que trata de como a oferta será colocada no mercado, definindo o regime sobre o qual os bancos irão conduzir o processo. O regime de garantia firme de liquidação, em que o coordenador é obrigado a efetuar o pagamento pelas ações ofertadas desde que algumas pré-condições à realização da oferta sejam cumpridas, é o mais comum. O contrato de distribuição também trata das condições que devem ser atendidas para que a operação possa seguir em frente e das indenizações que a companhia deverá pagar ao banco coordenador em casos específicos, como o de cancelamento da operação. “De todos os contratos que a oferta envolve, o de distribuição é o que requer o maior grau de negociação”, afirma Luiz Octavio Duarte Lopes, sócio do Mattos Filho. Ele explica também que, hoje, os pedidos de registro de companhia aberta e da oferta são protocolados em conjunto, mas que é possível fazê-los separadamente.

E quais são os prazos de apresentação de documentos e de resposta da CVM?
Primeiro é importante saber que o processo na CVM é dividido em duas fases, informalmente chamadas de primeiro e segundo filing. A autarquia terá um prazo de 20 dias úteis, contados a partir da data do protocolo, para se manifestar a respeito do pedido. Caso todas as informações apresentadas estejam em conformidade com as exigências e a Comissão não se manifeste no prazo estipulado, o pedido deve ser automaticamente considerado como concedido. Esta é uma situação extremamente rara, de acordo com os advogados entrevistados por esta reportagem. Na maior parte das vezes, a Comissão solicita alterações nos documentos para atender a exigências específicas ou a apresentação de documentos adicionais, como, por exemplo, um estudo de viabilidade ou detalhes sobre planos de opções de ações concedidos aos executivos. Nessa situação, a empresa tem até 40 dias úteis para apresentar as novas exigências, quando começará o segundo filing — um prazo que poderá ser estendido, mediante análise de solicitação formal e fundamentada, por outros 20 dias úteis. Antonio Manuel França Aires, sócio do Demarest e Almeida, alerta que o período mais crítico de confecção do prospecto se dá exatamente nesse intervalo que separa o primeiro do segundo filing. Depois que a empresa envia todos os documentos atualizados, é preciso esperar outros dez dias úteis pela resposta. Caso a empresa tenha apresentado informações inéditas junto com as alterações solicitadas, a autarquia conta com um prazo de resposta de 20 dias úteis e não de dez. Estes documentos devem ser entregues em duas versões: uma com o conteúdo original anotado, indicando as alterações e complementos solicitados pela autarquia e informações que tenham sido adicionadas, e outra, na nova versão, sem qualquer marca.

A que empresas a autarquia costuma pedir um estudo de viabilidade?
O estudo de viabilidade econômico-financeira da empresa emissora só é requerido em situações especiais. A primeira delas é quando o objeto da oferta é, justamente, a constituição da empresa. A exigência também se aplica a empresas que, no momento de sua primeira emissão pública, estejam em atividade há menos de dois anos, uma vez que estas não dispõem de um histórico de resultados para apresentar. Por essa razão, também devem apresentar o estudo as ofertas cujo preço se baseie principalmente nas perspectivas de rentabilidade futura da emissora, como no caso de start-ups. Algumas das ofertas realizadas recentemente na Bovespa tiveram a apresentação do estudo de viabilidade exigido pela CVM. Foi o caso da BrasilAgro, empresa de exploração de propriedades rurais, e da mineradora MXX, por exemplo. Thiago Giantomassi, advogado do Demarest e Almeida, explica que a entrega do estudo também é obrigatória quando a empresa possui patrimônio líquido negativo, foi objeto de concordata ou falência nos últimos três anos ou vá realizar uma oferta cujo valor seja maior do que o seu patrimônio líquido.

Em que situações um pedido de registro pode ser negado?
Sempre que uma das exigências apresentadas pela Comissão de Valores Mobiliários não for atendida pela companhia. Luiz Octavio Duarte Lopes, sócio do Mattos Filho Advogados, explica que a avaliação dos pedidos de registro de companhia aberta e de uma oferta de valores mobiliários obedece a critérios técnicos, contidos em regulamentação específica, que complementa as determinações da lei. Se uma empresa não for capaz de apresentar documentos e formulários dentro da especificação ou de cumprir os prazos estipulados, o pedido será indeferido. Lopes diz que essas situações são extremamente raras. “Como as regras do jogo são bem conhecidas, é fácil reconhecer quando não há condição de atendê-las e ninguém costuma dar a cara a tapa”.

Quando a empresa deve se reunir com a Bovespa?
Somente depois que dá entrada nos pedidos de registro na CVM, enquanto aguarda a apreciação do primeiro pedido, ou seja, o resultado do primeiro filing. Nessa reunião com a Bovespa, a emissora apresenta um plano de estatuto social que deve contemplar as regras dos níveis diferenciados de governança e uma minuta do contrato de adesão ao segmento que é assinado entre a companhia e a bolsa. Nesse momento também é feita a reserva do ticker, o código utilizado para a negociação das ações no pregão. Claro que o contato inicial com a Bolsa pode também acontecer em outras ocasiões, mesmo enquanto a decisão ainda não foi tomada. O departamento de desenvolvimento de empresas da Bovespa conta com uma equipe dedicada à prospecção de novas candidatas a um IPO, que realiza um trabalho de orientação inicial das interessadas.


Só posso listar as ações nos níveis diferenciados de governança?
Sim. Uma regra estabelecida pela Bolsa em 2002 (Res. 282) exige que toda nova companhia a negociar ações seja listada, no mínimo, no Nível 1 (com exceção das ofertas que sejam apenas secundárias e não tenham venda das ações do controlador). Além disso, o código de auto-regulação para ofertas públicas da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), que reúne todos os grandes bancos em atuação no País, exige que as operações de emissão de ações por eles coordenadas sejam listadas, no mínimo, no Nível 1. Fora os requisitos regulamentares, existem as exigências do mercado, que são ainda mais imperativas. Desde que as boas práticas de governança ganharam destaque na agenda de investidores de todo o mundo, os segmentos mais elevados da Bovespa — Nível 2 e Novo Mercado — se tornaram o padrão mínimo para uma empresa que pretenda captar recursos no mercado de capitais. Em princípio, todos os investidores esperam que a companhia esteja listada, mais especificamente, no Novo Mercado. Mas algumas restrições legais impedem o ingresso neste segmento — que só aceita companhias com todo o capital formado por ações com voto — e são toleradas pelos investidores. Ainda assim, o histórico dos últimos três anos indica que o Novo Mercado é a opção mais natural para as novatas, exatamente porque sinaliza um compromisso com as práticas mais avançadas. O diretor do banco de investimentos UBS Pactual, Alexandre Bettamio, alerta que é preciso considerar os benefícios que a adoção das melhores práticas de governança terá sobre o valor captado na oferta.


Que tipo de restrições me impediriam de listar ações no Novo Mercado?
Elas aparecem em empresas de capital misto, por exemplo, nas quais o principal impedimento é conceder direito de voto em situações específicas para as ações preferenciais. Algumas representantes de setores regulamentados, como o bancário e o de aviação, também não podem aderir ao Novo Mercado, em decorrência de conflitos entre as regras do setor e as da Bolsa. É o caso de companhias listadas no Nível 2 — como ALL, Gol, TAM e Terna — e de bancos médios que desembarcaram recentemente na Bovespa, como o Pine, listado no Nível 1. Para os bancos, a restrição é dada pela Constituição de 1988, que condiciona as instituições financeiras a conceder direito de voto a estrangeiros somente mediante decreto presidencial (por isso esses bancos não puderam listar-se nem no Nível 2, uma vez que nele é conferido direito especial de voto aos minoritários com ações PN em algumas matérias). Instituições que ingressaram no Novo Mercado — como Nossa Caixa e Banco do Brasil — tiveram aval do governo federal para fazê-lo.

Que opções tenho para oferecer ações a investidores estrangeiros?
Depende do tipo de investidor que se procura atingir. Se a intenção é atrair apenas os investidores institucionais, basta atender aos requisitos de duas regras norte-americanas — a 144A e a Regulation-S. A primeira disciplina as colocações privadas, com venda destinada aos chamados investidores qualificados (Qualified Institutional Buyers, os QIB’s). A segunda é utilizada para acessar o mercado internacional, fora dos EUA, também com venda apenas para investidores qualificados. Aderindo a essas regras a companhia emissora fica isenta da obrigatoriedade (e dos pesados custos) de adesão à Lei Sarbanes- Oxley (SOX), aplicável a todas as companhias que têm ações listadas no mercado norte-americano. Quando a opção é pela regra 144A ou a Reg S, as ações ficam negociadas somente no mercado de origem da companhia. Não há exigência de entrega de documentos para a SEC, mas são requeridos alguns procedimentos relativamente simples: é preciso produzir um memorando de oferta, que é praticamente um prospecto traduzido, e assinar um contrato como o de distribuição, chamado de placement facilitation agreement.

E se o objetivo for vender as ações também para estrangeiros não-qualificados?
Bem, se você quiser acessar também os investidores de varejo, será preciso emitir certificados de depósitos de ações, os depositary receipts. Esses títulos representam as ações listadas no país de origem da companhia e são cotados em moeda estrangeira — em dólares, se forem negociados em bolsas norte-americanas, ou na moeda do país em que estiver localizada a bolsa. Os tipos mais comuns de certificados de ações são os American Depositary Receipts (ADRs), listados nos EUA, e os Global Depositary Receipts (GDRs), que são negociados em bolsas de vários países, cotados na moeda que corresponde a cada mercado. Quando opta por emitir ADRs, a companhia deve obedecer às exigências da SOX. Já empresas que têm sede em outros países devem emitir Brazilian Depositary Receipts (BDRs) para negociar suas ações no mercado brasileiro. Existem duas empresas do Brasil que, por terem sua sede no exterior, listaram BDRs: o fundo de private equity GP Investimentos e a operadora de lojas de aeroportos Dufry. Os quadros abaixo e na próxima página resumem os diferentes tipos de ADRs disponíveis e também os benefícios e as desvantagens dessa opção em relação à 144A e à Regulation-S.


Por que a maioria das recém-chegadas à bolsa optou por colocações privadas, reguladas pela 144A ou Reg S?
Até 2004, aproximadamente, a listagem em bolsas internacionais, com destaque para a de Nova York, era utilizada para atingir um público investidor que não comprava papéis na bolsa brasileira diretamente. Com o aumento da liquidez nos mercados internacionais e a conseqüente busca por novos ativos, o investidor foi atraído para a praça brasileira. A liquidez maior, aliada à adoção de padrões de governança corporativa mais rígidos, fez com que a listagem na bolsa norteamericana deixasse de ser encarada como pré-condição para os estrangeiros participarem do capital das nossas companhias. Jean-Marc Etlin, vice-presidente de investment banking do Itaú BBA, aponta ainda a influência da legislação dos EUA e os custos de adequação às obrigações impostas pela SOX como um fator relevante. Para o executivo, a listagem simultânea em dois mercados deve ser uma opção apenas para empresas que atingiram determinado porte. José Olympio, do Credit Suisse, concorda que a Sarbanes-Oxley seja uma das principais razões para a preferência pela 144A. E cita a divisão de liquidez entre os mercados nos quais os papéis são negociados como outro ponto negativo para os ADRs. Olympio observa ainda que o mercado brasileiro oferece hoje ótimos atrativos para o investidor internacional que aplica seus recursos diretamente no País, como o sistema de custódia (que tem grande confiabilidade, devido a seu esquema de garantias) e a isenção de CPMF. Em praticamente todas as ofertas públicas realizadas nos últimos três anos, os estrangeiros tiveram expressiva participação (ver quadro)

O prospecto é o principal instrumento de venda da oferta?
Apesar de ser a peça mais importante da operação e também aquela que irá apresentar a companhia a seus potenciais investidores, o prospecto não pode ser tratado como um instrumento de marketing. Ele deve conter as informações que o regulador julga necessárias para permitir que os participantes do mercado de ações tomem uma decisão de investimento bem fundamentada. Thiago Giantomassi, advogado do Demarest e Almeida, adverte que o prospecto não é uma peça de venda, mas sim um documento de proteção de responsabilidade, que deve avaliar e apresentar com precisão a real situação da empresa. É por isso que o documento vem sempre recheado de termos jurídicos e jargões de finanças, se estende por centenas de páginas e enfrenta uma verdadeira maratona de correções e ajustes. Escrito a várias mãos, ele reúne todas as informações operacionais e financeiras da companhia, seu histórico e um detalhamento da estrutura societária, além de trazer um panorama do setor de atividade, posicionar a empresa em relação à concorrência, elencar os fatores de risco do negócio e do ambiente em que está inserido e, por fim, apresentar as características da oferta. Luiz Octavio Duarte Lopes, sócio do Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga Advogados, explica que é o advogado da companhia quem normalmente produz a primeira minuta, que na seqüência é submetida à analise dos bancos coordenadores, de seus advogados e também dos auditores. “É saudável que o prospecto seja objeto de um amplo questionamento por parte de todos os intermediários envolvidos”, diz Lopes. Ele afirma que a conferência e atualização das informações ocorre de maneira ininterrupta até o final da oferta, devido a um “eterno desconforto” com as informações, causado pela responsabilidade direta de cada uma das instituições que tocam a operação. Enquanto os advogados tendem a se concentrar no exame das exigências do regulador e os bancos, no sumário da oferta, os auditores avaliam se o conteúdo é consistente com os números que foram auditados.

Quais as seções mais observadas pelos investidores no prospecto?
Embora todas sejam importantes, algumas são examinadas mais minuciosamente. É o caso do sumário da companhia, que apresenta a essência do negócio. Carlos José Rolim de Mello, sócio do Machado Meyer Sendacz e Opice, diz que o sumário é o “pulmão do prospecto”, pois apresenta para o investidor, de forma concisa, o que a empresa é, por que é boa no que faz, como pretende ser ainda melhor e por que merece a confiança do mercado. Há também o sumário da oferta, que detalha a forma da operação; o capítulo sobre a destinação dos recursos, que descreve os projetos de investimento e como o capital levantado em bolsa será aplicado na execução do plano de negócios; além dos fatores de risco, que protegem os principais acionistas quanto à responsabilidade pela performance da empresa. Outro conteúdo que recebe atenção especial é o Management’s Discussion & Analysis (MD&A), no qual a administração explica o desempenho financeiro apontando os fatores de decisão que guiaram a implementação da estratégia, além dos aspectos internos e externos que influenciaram os resultados dos últimos exercícios. O principal objetivo do MD&A é mostrar para o investidor as razões para as diferenças verificadas entre um exercício e outro em determinadas linhas do balanço, a partir de uma perspectiva que somente os administradores têm — e que não é refletida apenas com a apresentação tradicional das demonstrações financeiras. Este documento é preparado pelos advogados da companhia.


Se o prospecto não é propriamente um material de venda, posso fazer propaganda da oferta?
Sim, desde que todas as peças a serem veiculadas, inclusive filmes e spots de rádio, sejam submetidas à aprovação prévia da Comissão de Valores Mobiliários. É importante saber que as informações contidas nesse material publicitário devem aparecer no prospecto e vir acompanhadas de uma advertência para os riscos que a operação envolve. Se a emissora tiver intenção de fazer propaganda antes da apresentação do prospecto preliminar, ela poderá fazê-lo, desde que submeta a campanha à autorização da CVM e que seu conteúdo possa ser qualificado como educativo. Caso seja divulgada propaganda não-autorizada pela autarquia, a pena é de suspensão da oferta por um período que pode chegar a 30 dias. Essa mesma pena é aplicada em caso de iniciativas consideradas como infrações ao período de silêncio, em que um representante da companhia, dos bancos coordenadores ou das corretoras envolvidas no processo de colocação se manifestam na mídia a respeito da oferta, dos ofertantes ou mesmo de perspectivas para o setor antes da publicação do anúncio de encerramento, que ocorre 30 dias após o IPO. A CVM considera que a informação publicada pela mídia pode funcionar, na prática, como uma propaganda não-oficial e, portanto, não submetida a sua avaliação prévia. A preocupação é de que sejam transmitidas ao investidor informações parciais, sem uma perspectiva mais ampla dos riscos envolvidos.

O que devo saber sobre o período de silêncio?
Em primeiro lugar, que ele proíbe a manifestação na mídia a respeito da oferta tanto dos emissores e seus representantes (acionistas e executivos), quanto das instituições intermediárias envolvidas com a operação (bancos coordenadores, advogados, corretoras e outros assessores), até que o aviso de encerramento da oferta seja publicado, 30 dias após a realização da mesma. Em segundo, que as infrações são punidas pela Comissão de Valores Mobiliários com a suspensão da oferta por um período que pode variar de 24 horas a 30 dias, dependendo da situação. Embora seus resultados sejam objeto de muita polêmica — visto que, como a proibição não se estende ao contato com analistas e grandes investidores, em última instância, os mais afetados são os pequenos investidores, que contam com a mídia especializada para se informar —, o principal objetivo do período de silêncio é impedir que o interesse do público investidor seja influenciado por declarações que não fazem parte do prospecto e do material de venda, ou mesmo por reportagens tendenciosas, que não explicitem claramente os riscos envolvidos num investimento em renda variável. Desde o fim de 2005, a autarquia tem manifestado a intenção de rever os termos do artigo 48, inciso IV, da Instrução CVM 400, que regulamenta o período de silêncio. A expectativa é de alinhamento com a política adotada pela Securities and Exchange Commission, nos Estados Unidos. Enquanto as mudanças permanecem como projeto, os advogados recomendam que se tenha cuidado, visto que a CVM tem agido com severidade. De 2005 para cá, Guararapes, Cosan e Company tiveram suas operações adiadas como conseqüência da violação ao chamado quiet period. O portal de comércio eletrônico Submarino teve de cancelar a parcela de 10% da oferta destinada ao varejo para se livrar de uma suspensão em 2006.


E quanto à composição da oferta, qual a proporção ideal entre a parcela primária e a secundária?
O histórico de IPOs dos últimos dois anos (veja gráfico na próxima página) mostra que o mercado aceita diferentes composições entre ofertas primárias — que aportam novos recursos para a companhia — e secundárias — que representam a venda de participação de antigos sócios. Essa receptividade depende diretamente da situação financeira de cada empresa, especialmente da capacidade de financiar projetos de expansão com recursos próprios. Se sua geração de caixa for suficiente para sustentar os planos de crescimento projetados e dar retorno satisfatório para o acionista, você não deverá enfrentar maiores problemas de demanda no caso de uma oferta 100% secundária, por exemplo. José Olympio Pereira, do Credit Suisse, concorda: “Nos Estados Unidos, a indústria é alimentada por fundos de private equity que utilizam o mercado como mecanismo de saída para recuperar seus investimentos.” Ele conta que, em muitos casos, uma oferta secundária é utilizada para gerar massa crítica e garantir à operação um volume que seja interessante para o mercado. “Na verdade, o investidor está mais preocupado com o uso dos recursos de que a empresa dispõe. O que ele não quer é dinheiro ocioso”, diz Olympio. Kent Womack, professor de finanças da Tuck School of Business em Darmouth, nos Estados Unidos, pondera que nem sempre a parcela secundária de uma oferta é vista como bom sinal, principalmente quando o sócio se desfaz totalmente de suas ações. “Os investidores preferem que os acionistas mantenham suas posições, investindo junto com eles no futuro da empresa.”

Existe um percentual de free-float considerado ótimo pelo mercado?
De acordo com Alberto Kiraly, do Banco Espírito Santo, não. “Desde que a empresa tenha valor de mercado suficiente para realizar uma oferta que atinja o volume financeiro esperado, a quantidade de capital que ela coloca em circulação importa pouco.” Há, no entanto, um limite mínimo estabelecido pelos regulamentos dos níveis diferenciados de governança da Bovespa, que é de 25% do capital. Esse percentual não precisa vir contemplado já no IPO, uma vez que a bolsa concede às companhias um período de três anos para adequação à exigência. Dentre as estréias recentes, a M. Dias Branco foi uma das que chegou ao mercado com free-float abaixo do mínimo, colocando em circulação apenas 15% de seu capital. Houve também casos em que a oferta inicial de ações pôs no mercado mais de 50% do capital, levando a estruturas de controle difuso e de controle pulverizado. Foi o que aconteceu em 2004 com a Lojas Renner, quando a norte-americana JC Penney (que detinha 99,8% do capital da rede varejista de moda) decidiu concentrar investimentos em seu país de origem e não via na possibilidade de venda para uma concorrente a melhor alternativa. Com a solução apresentada pela equipe do Credit Suisse, o grupo norte-americano embolsou R$ 543 milhões e o Brasil viu nascer a primeira companhia nacional com o capital totalmente disperso no mercado e em que o maior acionista detém pouco mais de 5% de participação. Outros episódios de pulverização de controle se seguiram ao de Renner, como os protagonizados por Submarino e Diagnósticos da América.

Há diferença entre controle pulverizado e controle difuso?
Sim. Na estrutura de controle pulverizado nenhum acionista ou grupo de acionistas detém participação suficiente para exercer o controle da companhia. Além de Renner, o Submarino esteve nessa situação até dezembro de 2006, quando seus acionistas aprovaram a fusão da companhia com as Lojas Americanas. Outra com controle pulverizado é a Embraer, na qual um dispositivo estatutário restringe o poder de voto em 5%, independentemente da participação detida por um mesmo acionista ou grupo. Embora existam acionistas que detêm parcelas superiores a esse limite, sua capacidade de voto não vai além dos 5%. Já nas estruturas de controle difuso, embora mais de 50% do capital esteja em circulação, o controle efetivo da companhia é exercido por um acionista ou grupo que não detém a maioria do capital. É o que acontece na Perdigão, por exemplo, onde os fundos de pensão que faziam parte do bloco de controle antes da operação de fevereiro de 2006 — que converteu todas as ações preferenciais em ordinárias e conduziu a companhia ao Novo Mercado — continuam a definir os rumos da empresa com o suporte de um acordo de acionistas. O controle difuso também poderá ser configurado numa companhia que não dispõe de acordos de acionistas, mas sim de um grupo de acionistas que tenha assegurado a maioria dos votos colocados nas três últimas assembléias.


Como uma companhia com mais de 50% do capital no mercado pode se proteger de operações de aquisição de controle?
A solução mais freqüente tem sido incluir no estatuto social cláusulas de proteção à dispersão acionária, que estabelecem a obrigatoriedade de realizar oferta pública de aquisição de ações (OPA) a um acionista ou grupo que eventualmente atinja um determinado percentual de participação (em geral, de 20%, mas que pode ser de 10% em algumas companhias). Conhecidas como poison pills, essas cláusulas costumam determinar também parâmetros para a formação do preço a ser praticado na OPA. Esses parâmetros estabelecem um prêmio sobre o preço de mercado, no intuito de dificultar a aquisição de controle. Há empresas que, no entanto, apenas estabelecem o percentual limite de participação sem fixar condições para a formação do preço. José Setti Diaz, sócio do Demarest e Almeida, diz que um dos aspectos mais importantes na definição das poison pills de cada estatuto é a permanência ou não do controlador após o IPO. Ele observa também que esses dispositivos são adotados, em grande parte, como um mecanismo de redução da vulnerabilidade, que contribuem para a segurança do principal acionista nos primeiros anos de relacionamento com o mercado. “Este é um processo educativo, pelo qual os controladores precisam passar”, afirma Diaz. Os regulamentos do Novo Mercado e do Nível 2 também exigem a realização da OPA pela totalidade das ações em circulação sempre que houver transferência do poder de controle de uma companhia.

É aconselhável que companhias com controle definido também tenham poison pills?
Depende, em grande parte, da dose de veneno que será colocada pelos estatutos. É consenso entre os investidores que uma das principais possibilidades de retorno que se tem com uma ação é o chamado “prêmio de controle”, ou seja, a possibilidade de, no caso de transferência do controle da empresa, ter direito de receber pela ação o mesmo valor pago pelo adquirente ao controlador (também conhecido como tag-along). Quando uma poison pill determina o pagamento de um prêmio muito elevado, ela acaba praticamente eliminando as chances de que uma aquisição venha a ocorrer, reduzindo a quase zero a probabilidade de os acionistas colocarem as mãos no tal prêmio de controle. Essa situação levaria o mercado a praticar um desconto sobre o preço do papel, cuja atratividade ficaria reduzida justamente pelas limitações colocadas pela poison pill. Os defensores das boas práticas de governança corporativa não vêem com bons olhos a utilização desses dispositivos. Uma das principais razões é que a proteção que elas oferecem pode incentivar a manutenção de uma administração pouco eficiente à frente da companhia, visto que esta se sentiria protegida pela quase impossibilidade de aquisição via bolsa. Quando as cláusulas de proteção não estabelecem parâmetros de preço superiores ao valor de mercado, elas tendem a ser encaradas apenas como um mecanismo de preservação da dispersão do capital apresentada ao mercado na ocasião da oferta. Assim, se algum investidor tiver a intenção de mexer na formatação original da companhia, os acionistas que tomaram sua decisão de investimento com base em premissas que serão alteradas passam a contar com um mecanismo de saída a preço justo — que seria a OPA determinada pela poison pill, a preço de mercado.


Em que momento a reforma dos estatutos sociais deve acontecer?
Mauro Guizeline, sócio do TozziniFreire Advogados, afirma que o processo de alteração dos estatutos deve ocorrer em paralelo com o preparo da primeira versão do prospecto, quando o processo de reestruturação estiver concluído. Alguns aspectos do documento que regula as relações societárias de cada companhia passam por uma avaliação dos bancos coordenadores, que costumam fazer recomendações, baseados no conhecimento que têm de como os investidores encaram determinados dispositivos. Entre eles estão as poison pills; o tamanho do conselho de administração e o número de cadeiras destinadas aos membros independentes; os acordos de acionistas e também as cláusulas que regulamentam o exercício do direito de voto. De um ano para cá, alguns episódios que marcaram o mercado de capitais brasileiro, como a tentativa de aquisição da Perdigão pela Sadia e a fusão da Mital Steel com a Arcelor, contribuíram para um movimento de sofisticação dos estatutos das companhias brasileiras. As questões relacionadas às reconfigurações no controle passaram a vir mais detalhadas, prevendo medidas específicas para as mais diferentes situações e apresentando definições de conceitos — como o de controle difuso, por exemplo — para evitar embates que possam prejudicar a imagem da companhia no mercado e afetar o preço das ações. Há também estatutos que apresentam regras adicionais para a indicação de conselheiros de administração por minoritários, procurando assegurar que os outros acionistas tenham tempo para avaliar o nome proposto e se manifestar.

Com relação à formação de preço, é preciso deixar dinheiro na mesa? Quanto exatamente?
Para José Olympio Pereira, do Credit Suisse, é difícil precisar um valor único, considerando que este varia muito a cada caso. Ele afirma que há um consenso de mercado quanto à expectativa de valorização no curto prazo, que é entre 10% e 15% do preço de estréia. Alberto Kiraly, do Banco Espírito Santo, aponta esse mesmo intervalo de desconto como sendo o que o mercado geralmente espera. “Toda empresa que realiza a sua oferta inicial deve trabalhar com um certo desconto, pois os investidores esperam obter um ganho já no médio prazo.” Mas Kiraly reconhece que, em alguns casos, a demanda pelo papel é tão forte que o chamado “desconto de IPO” acaba nem sendo praticado. “O ideal é sempre deixar um espaço para que o investidor tenha um ganho, mas o tamanho do desconto depende diretamente da demanda pelo papel.” Quem determina esse montante é sempre o banco que lidera a operação, com a anuência do ofertante. É o banco que tem o pulso do mercado e que vai, com base no retorno dos investidores, ajustar a faixa de preços para cima ou para baixo. O ideal é que o banco sempre procure antecipar esse apetite do investidor, trabalhando com uma sensibilidade em relação ao que pode ser o preço final, para evitar situações em que é preciso aceitar um valor abaixo do limite inferior da faixa com que se vinha trabalhando durante o bookbuilding. Bruno Padilha, do Unibanco, lembra que é necessário discutir com calma o modelo de atribuição de valor que será adotado pelo banco. “Deve-se sempre questionar as premissas dos planos de negócios e trabalhar com cenários alternativos, para evitar as tais surpresas desagradáveis.”


O que é o contrato de estabilização?
É um contrato assinado com o coordenador da oferta prevendo que o banco atue como uma espécie de formador de mercado, que compra e vende papéis para amenizar os efeitos de uma pressão vendedora, que levaria a uma baixa significativa nos preços, por um período de 30 dias. Jean-Marc Etlin, do Itaú BBA, diz que o conceito por trás desse contrato é o de que, ao ser lançada, uma ação pode, eventualmente, apresentar volatilidade alta. “Ele funciona como uma rede de proteção: durante um mês, se houver movimento brusco de queda no preço do papel, o trabalho de estabilização do coordenador líder pode amenizar esse tipo de situação.” Esse controle é, justamente, uma das aplicações do lote adicional (green shoe). Arrematado pelo banco, ele dá munição para que este possa exercer essa função de comprador, facilitando o equilíbrio do mercado, caso seja identificada uma tendência de volatilidade atípica.


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