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Luis Stuhlberger – Adeus ao Velho Oeste
Luis Stuhlberger já viu de tudo. O sócio da corretora Hedging-Griffo acompanha o dia-a-dia das cotações desde 1979 e passou por mudanças de governo, de moeda, planos econômicos, congelamentos, confiscos e tablitas. Hoje, está confiante na maturidade do mercado. “Tudo é mais transparente e funciona melhor.”

, Luis Stuhlberger – Adeus ao Velho Oeste, Capital AbertoC. A: São 28 anos de mercado. Qual a maior mudança? 

L. S: A institucionalização dos mercados, em especial da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). Quando eu comecei a trabalhar, aqui mesmo na corretora, em 1979, a BM&F não existia e a Bovespa ficava muito distante dos bancos. Hoje, essas duas bolsas são o coração do sistema financeiro. Entidades como o Banco Central (BC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Tesouro Nacional acompanham de perto o que ocorre no mercado. Quando eu comecei, não era assim.

Como era?
No início dos anos 80, as bolsas eram pequenas, sem transparência e dominadas por um punhado de especuladores. A antiga Bolsa de Mercadorias de São Paulo (absorvida pela BM&F em 1991) era dominada por dez, 15 pessoas físicas que manipulavam os preços do ouro, do café e das outras commodities. Basta pensar em como funcionava a arbitragem no mercado de ouro. Era um mercado importante, pois consistia em uma das poucas alternativas para o investidor brasileiro fazer algum hedge contra flutuações de preço internacional. Mesmo assim, seu funcionamento era precário.

De que forma os negócios ocorriam na prática?
Se o ouro estava barato no Brasil em relação ao mercado internacional, por exemplo, os cambistas compravam ouro fisicamente, retiravam as barras e contratavam pessoas que amarravam o metal em volta da cintura, por baixo da camisa. Aí, todo mundo ia de carro para o Sul, cruzava a fronteira e ia vender o ouro em Montevidéu. Um dos primeiros a modernizar o mercado de ouro foi Najun Turner (doleiro que ficaria famoso em 1991, por ter sido acusado de intermediar um empréstimo no Uruguai para o então presidente Fernando Collor de Mello). Ele comprou um jatinho e passou a levar o ouro de avião, antecipando a liquidação (risos). Mas esses eram os aspectos mais folclóricos. Mesmo em mercados mais normais, tudo era artesanal. As transações eram feitas por telefone. As corretoras não ficavam no centro de São Paulo por acaso. No fim do dia, os mensageiros tinham de levar muitos maços de papel, que eram os mapas de negociação, para a bolsa. Não havia nada parecido com um sistema on-line. A liquidação e os controles eram simplistas.

Até quando isso durou?
Até o início dos anos 90. Naquele momento o governo deu alguns passos importantes, como a criação do dólar flutuante e o início do processo de criminalização do dólar paralelo e dos fundos ao portador. Até então, o mercado era parecido com o Velho Oeste, uma terra sem lei. Cada vez que havia algum problema em Brasília, a solução era cancelar ou liquidar contratos. Houve distorções impressionantes.

Poderia citar alguma como exemplo…
Eu me lembro que, em 1987, quando o Plano Cruzado acabou, os contratos a termo de soja foram “tablitados” (termo cunhado na Argentina, que significa a liquidação forçada dos contratos por preços estipulados pelo governo, seguindo uma tabela, em espanhol “tablita”), o que deixou enlouquecidas as empresas que haviam comprado esses contratos para hedge. O caso de uma multinacional ficou famoso. Ela havia comprado o grão a termo e feito hedge nos mercados futuros. Quando o congelamento do Cruzado acabou, os agricultores não entregaram o grão e os contratos foram “tablitados”. A empresa perdeu nas duas pontas. Os executivos daqui mandaram vários telex para a matriz, mas lá ninguém entendia bem o que estava acontecendo. Não houve jeito, as pessoas daqui tiveram de ir para lá explicar tudo. Na volta, a empresa mandou uma mensagem com três palavras: “call the cops” (chamem a polícia). Felizmente, hoje isso é algo impensável. O mercado é muito mais transparente e funciona bem. A possibilidade de uma interferência externa é praticamente nula.

O que motivou a mudança?
Uma conjunção de fatores. Em primeiro lugar, a abertura do mercado permitiu a vinda de investidores internacionais, o que aumentou a liquidez e melhorou a formação de preços. Depois, a atitude dos bancos mudou. Antes, eles ignoravam as bolsas e preferiam fazer negócios no mercado de balcão, que era mais lucrativo. Isso mudou drasticamente com a criação dos contratos de DI futuro, em 1990. As tesourarias e os gestores de fundos passaram a buscar hedge na BM&F, o que também ajudou o mercado a amadurecer. Finalmente, a transição para o real foi bem organizada e ocorreu sem traumas.

Foi quando o senhor começou a gerir fundos?
Sim. Eu comecei em 1991, pois percebi que haveria uma mudança profunda. Quando comecei, ser corretor era uma profissão glamourosa. Você fazia diferença como ser humano, você era o ser que garantia liquidez. Aos poucos, essa função migrou para os administradores de fundos.

E por que hedge funds?
Os primeiros hedge funds surgiram em 1985, 1986. Foi quando despontaram nomes hoje famosos como George Soros (gestor do Quantum Fund, que ficou famoso por forçar a saída do Banco da Inglaterra do Sistema Monetário Europeu, em 1992) e Julian Robertson (gestor do Tiger Fund, que fechou no ano 2000). Na prática, eu já trabalhava para cerca de dez clientes pessoa física da corretora. Eu tinha um mandato discricionário para operar em vários mercados futuros, aproveitando minha experiência de operador. O problema é que essa estrutura não é escalável, não é possível reproduzi-la sem a estrutura de um fundo. Já havíamos criado a empresa de gestão, mas o maior impulso ocorreu em 1992, quando o governo criou os fundos de commodities. Havia um forte incentivo para esses fundos: a partir do trigésimo dia, eles ganhavam liquidez diária, algo que não ocorria com os fundos de renda fixa. Isso atraiu os investidores.

O mercado vai iniciar um processo de internacionalização. Como o senhor avalia este momento?
Acho que o investidor só tem a ganhar. Afinal, hoje é difícil para o gestor brasileiro explorar distorções de preço no mercado da Coréia ou oportunidades de ganho com ações em Wall Street. Por exemplo, quem comprar ações da Petrobras poderá fazer um hedge contra a queda do petróleo no mercado internacional, só para ficarmos em um exemplo simples. Além disso, reduz a possibilidade de o gestor tornar-se vítima de seu próprio sucesso. Como o mercado brasileiro é limitado, um fundo muito bem-sucedido fica grande demais e o gestor tem de fechá-lo a captações. Com a internacionalização, é menos provável que isso ocorra.


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