Quantas vezes vimos empresas gastando rios de dinheiro em seus relatórios anuais? Elas fazem questão de exibir publicações bem ilustradas e com acabamento gráfico diferenciado, mesmo sabendo que inúmeros exemplares sequer serão retirados do plástico quando chegarem às mãos de seus destinatários. Auto-elogiosas, algumas dessas encadernações, supostamente dedicadas a prestar contas aos públicos de interesse, não passam de uma ferramenta de marketing ou de um portfólio para o CEO e a diretoria mostrarem seus feitos.

Por sorte, a cobrança por boas práticas de governança corporativa tem ajudado a tornar menos freqüentes os relatórios anuais que apresentam apenas a versão positiva dos fatos. Investidores, consumidores, fornecedores, ONGs e parceiros pressionam as empresas por informações relevantes, verdadeiras, claras, comparáveis e passíveis de verificação. Nesse sentido, há bons exemplos a serem seguidos. A Natura, líder no mercado brasileiro de cosméticos, é um deles.

Em outubro de 2007, a empresa reuniu 60 representantes dos seus diferentes públicos de relacionamento para uma ação inédita: ouvir, de forma estruturada, a opinião crítica dos stakeholders sobre o seu relatório anual de 2006 e identificar oportunidades de melhoria para a publicação. O encontro, chamado de Painel de Engajamento de Stakeholders, foi mediado por uma consultoria externa e permitiu não só aprimoramentos na edição de 2007, publicada em março deste ano, como também maior aproximação com os públicos relacionados. O resultado se deu na forma de mudanças implementadas neste ano, como as versões especiais elaboradas para consultoras e colaboradores.

A Natura publica o seu relatório anual há oito anos, bem antes da abertura de capital, realizada em 2004. Desde aquela época, quando o tema sustentabilidade ainda não fazia parte do vocabulário das organizações brasileiras, já demonstrava sua preocupação com o tema. Foi a primeira companhia brasileira a seguir as diretrizes do Global Reporting Iniciative (GRI), instituição que colabora para o desenvolvimento de normas globais de elaboração de relatórios de sustentabilidade. Com seu padrão único para divulgação de desempenho econômico, social e ambiental, o GRI é considerado um dos modelos mundiais mais avançados para esse tipo de comunicação. Hoje, é adotado por cerca de 50 empresas no País.

Atualmente, adepta da versão G3, a mais moderna do GRI, a Natura trouxe outra novidade na edição de 2007: a verificação externa de todos os dados socioambientais do relatório. Comum em organizações na Europa e nos Estados Unidos, a auditoria independente, neste caso realizada pela norueguesa Det Norske Veritas (DNV), confere maior transparência e credibilidade às informações relatadas. “Sempre buscamos seguir um modelo que seja o mais universal possível”, diz Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos e relações governamentais da Natura.

Basta folhear algumas páginas, para perceber o tom da comunicação. Além das conquistas e das metas superadas, são reconhecidas as dificuldades e os objetivos não atingidos. Um exemplo está na frase retirada da mensagem da presidência: “O crescimento projetou nosso desempenho financeiro, protagonismo, reconhecimento e nossa escala, mas também gerou desafios. Atingimos um patamar em que a nossa expansão exige mais eficiência operacional”. A transparência nas informações, o visual leve e moderno e o texto de leitura fácil ajudaram a eleger o relatório da Natura como um dos melhores do mundo segundo o GRI Readers — Choice Awards, prêmio promovido pelo GRI a partir da opinião de leitores.

Para chegar a esse produto final, a operação é bem articulada. Movimenta toda a empresa e começa cerca de seis meses antes da publicação. Aproximadamente 50 pessoas são envolvidas diretamente no processo, desde os executivos principais até os responsáveis pela fase final, que compreende editoração, gráfica e distribuição. O primeiro passo do cronograma é a entrevista com o diretor-presidente, Alessandro Carlucci, que dá as diretrizes do conteúdo. Depois, esse material é validado com os sócios-controladores Antonio Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos. As entrevistas são realizadas por um jornalista contratado, sempre acompanhado pela equipe interna de comunicação corporativa.

A Natura publica seu relatório anual de duas formas: uma versão impressa, com total de seis mil exemplares em três idiomas (português, inglês e espanhol), e outra na internet, bem mais detalhada. O relatório de 2007, por exemplo, tem 80 páginas, 30% a menos que o do ano anterior, e remete para informações adicionais contidas no site. O balanço anual é divulgado nos jornais em fevereiro, e a versão impressa do relatório é distribuída no mês de março, junto com a divulgação da versão on-line. O investimento total gira em torno de R$ 800 mil.

O trabalho bem planejado e organizado, sem dúvida, é de grande valia. Mas não é suficiente para garantir o interesse dos leitores. Para atingir esse objetivo, o único jeito é ter boas histórias para contar e comunicar-se bem, com transparência. Por mais caprichado que seja o visual do relatório anual, ele não pode — e nem deve — fazer mais do que traduzir a realidade.