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José Roberto Mendonça de Barros – O caminho viável
Cinco anos após a listagem da primeira companhia, o economista que liderou a equipe contratada para desenhar o segmento avalia os resultados

, José Roberto Mendonça de Barros – O caminho viável, Capital AbertoC.A.: Mais de meia década depois da concepção do Novo Mercado, que fatores macroeconômicos mais contribuíram para o sucesso do projeto? 

JRMB.: O primeiro deles foi a alteração definitiva das condições que reforçavam no Brasil o predomínio de uma estratégia de financiamento calcado mais na utilização de instrumentos de dívida (marcadamente de crédito bancário) do que de expansão da base de capital próprio. Com a inflação alta, as empresas tinham acesso a crédito subsidiado, extremamente barato, e que acabou por moldar a própria Lei das S.As. É desse acesso facilitado ao capital que deriva a estrutura composta por até 2/3 de ações sem direito a voto. As possibilidades de alavancagem que ela oferece eram um estímulo para atrair o interesse de quem não enfrentava restrições de crédito. Não fazia o menor sentido, do ponto de vista das empresas, levantar capital na bolsa. Quem fazia era a exceção da exceção.

E essa estratégia era também a mais eficaz?
Não. Principalmente porque essas empresas passaram boa parte de sua existência num mercado fechado. Nessas condições e sem a cobrança de acionistas, a facilidade de obter capital barato tinha como efeito colateral certo estímulo à ineficiência. Muitos empresários simplesmente pegavam esses créditos e se mantinham pouco competitivos. A situação começou a mudar quando, em 1982, o Estado, que era o grande provedor desse dinheiro, quebrou. Dali para frente ele foi tirando lentamente o acesso a esses créditos subsidiados, empurrado por obrigações fiscais. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social já não tinha mais o teto dos juros estabelecido pela correção monetária e o crédito agrícola subsidiado (que movia o agronegócio) foi sendo reduzido, assim como todas as outras formas de repasse direto.

Que outra mudança acelerou a reconfiguração dessas condições de financiamento?
O cenário atual, moldado pelas condições já mencionadas, foi francamente estimulado pelo processo de abertura econômica ao mercado externo. A abertura e o câmbio relativamente valorizado trouxeram um novo nível de competição para o mercado interno com o qual as empresas não estavam acostumadas. Muitas começaram a realmente ter dificuldades. E, finalmente, houve também a redução da inflação, que fez com que o dinheiro barato de empréstimos acabasse, devido à pressão fiscal. Some-se a isso a existência de taxas de juros de dois dígitos. Em pouco tempo, fomos de um extremo ao outro: do dinheiro emprestado quase de graça às taxas reais mais altas do mundo, num ambiente de competição mais efetiva. Foi a partir dessa dinâmica que se desenhou a hipótese que orientou a criação do Novo Mercado.

E que hipótese era essa?
A de que não havia chance de retomar o crescimento do O caminho País e das empresas brasileiras dentro da estratégia antiga. O mercado de capitais era a única rota de crescimento viável para a empresa nacional num cenário de país aberto, globalizado, de concorrência mais acirrada e taxa real de juros a 15%. Não existia outra alternativa, seria impossível crescer e competir internacionalmente sem passar por uma abertura de capital. Em sua essência, a idéia era muito simples. A grande revolução do sistema financeiro internacional tinha vindo com a saída do crédito bancário, que migrou para os instrumentos de securitização e, posteriormente, para o mercado de capitais.

A essência da proposta que foi apresentada pelo sr. e sua equipe tinha nas práticas de governança a alavanca para reverter o custo de capital que as companhias conseguiam obter na bolsa. Que argumentos foram apresentados em defesa desta idéia?
Quando deixaram de depender de crédito bancário, aqueles que buscavam capital passaram a depender das decisões de investimento dos grandes investidores institucionais, como os fundos de pensão e de investimento. Essas decisões passam inevitavelmente por uma análise das estruturas de governança das potenciais investidas, uma medida que já vinha sendo adotada antes dos grandes escândalos norte-americanos como forma de garantir maior segurança. Mas, embora a idéia fosse bastante simples, o difícil mesmo era pô-la em pé. E este é o aspecto da criação do Novo Mercado que eu considero o de maior sucesso: a capacidade que a equipe teve de converter as linhas mestras da proposta em regulamento. Essa parte do trabalho consumiu mais tempo que a própria fase de construção do modelo — que durou cerca de sete meses — e só foi possível graças à experiência de Luiz Leonardo Cantidiano na parte legal, à de José Alexandre Scheinkman na área internacional e à da MB associados com o conhecimento de todos esses anos prestando consultorias em mercado de capitais.

Qual a primeira grande dificuldade encontrada por vocês?
O esforço de traduzir aquele conceito inicial em regras operacionais factíveis e ir adaptando o contrato do Novo Mercado foi difícil — devido, principalmente, ao fato de a regulamentação do mercado ser complicada —, mas extremamente bem sucedido. A recepção inicial no conselho e na gestão da bolsa foi ótima, eles perceberam no ato que ali estava a única via de expansão para um mercado que, quando não minguava, crescia a taxas vegetativas. Era praticamente a única alternativa que se tinha para sair de um nó, o de um número cada vez maior de fechamentos de capital. A percepção geral era a de que ou se traria sangue novo, novas companhias, para a bolsa, ou não se teria futuro. Era preciso estimular a vinda de gente nova e esse processo de atração era a forma mais eficiente de implementar o projeto. Foi daí que a equipe de Maria Helena Santana colocou em curso um esforço de marketing, de prospecção para vender o projeto a empresas que tivessem o perfil adequado.

“Como em todo novo empreendimento, foi preciso ter um pouco de percepção, um pouco de projeto, timing adequado e um bocado de sorte”

Quais eram os desafios à prospecção de candidatas?
Sabíamos que o modelo proposto requeria uma mudança cultural muito profunda, especialmente no que diz respeito à proibição de ações sem direito a voto. Abrir mão do controle era uma barreira significativa que reconhecidamente precisava ser superada. O novo modelo era mais viável em algumas companhias, com postura mais progressista. Mas, em outros casos, especialmente os de empresas maiores e com mais tempo de mercado, era preciso esperar que o herdeiro do fundador assumisse a empresa — o que levaria um tempo que não se podia esperar. Foi aí que veio uma segunda etapa de desenvolvimento dos segmentos diferenciados, motivada por uma percepção de que, para conferir consistência e credibilidade ao empreendimento, também seria preciso estimular a migração de companhias já listadas e com reputação forte junto à comunidade de investidores. Com a criação dos níveis 1 e 2, consolidou-se a percepção da bolsa de que o Novo Mercado seria mesmo um caminho para a atração de novas companhias, em estágio de acelerado crescimento e que contribuiriam para ampliar a representatividade dos setores da economia tradicional na bolsa, como o que havia acontecido com a Nasdaq, por exemplo.

Que elementos foram fundamentais para a decolagem do modelo?
Se eu tivesse que resumir as razões para o sucesso que o Novo Mercado vive hoje, certamente entrariam na lista o processo de abertura da economia e a reconfiguração das políticas de juros. Mas, como em todo novo empreendimento, foi preciso ter um pouco de percepção, um pouco de projeto, um timing adequado e um bocado de sorte. Teve muito vento a favor para conseguir levar a esse resultado que, nem mesmo eu, que sempre fui um grande otimista, imaginava tão extraordinário.

E que cuidados o senhor acha que se deve tomar para evitar que o Novo Mercado embarque numa trajetória semelhante à da iniciativa que o inspirou, o Neuer Markt alemão?
Não há como evitar completamente um desastre, se este for proveniente de uma inversão na economia mundial. Agora, o que minimiza um pouco o potencial de dano é o fato de nossos múltiplos não serem particularmente altos. Eles são múltiplos bastante razoáveis, de modo que não temos o ingrediente fundamental para a formação do que se chama de bolha, como a que se tinha com a internet no fim da década de 90. Naquele caso, os investidores apostaram num modelo de negócios que naufragou. Mas é claro que existem defesas e uma das nossas é exatamente a participação significativa de investidores estrangeiros, em que o horizonte de aplicação é muito mais amplo. Outro aspecto importante e que ainda está em processo de implementação é a reconfiguração na demanda nacional. A percepção da classe média sobre investimentos de longo prazo vem se alterando significativamente, mas que ainda está muito no começo. É sabido que o modelo do INSS naufragou e que será necessário fazer o seu próprio plano de previdência ou participar de um fundo de pensão. Mas, ainda que essa mudança de cultura ainda esteja em sua fase preliminar, ela já estimula o crescimento de segmentos diferenciados de governança pois desemboca numa procura por ativos de qualidade, que garantam rentabilidade e segurança para financiar essas aposentadorias. O que pode reforçar essas defesas é uma menor dependência de um único setor ou de um único papel, ou de um tipo de investidor — e tudo isso está cada vez crescendo mais no Brasil.

Com a consolidação da bolsa e o aprofundamento dessas condições, qual será o próximo passo?

Do ponto de vista econômico, a grande mudança do ano passado foi a consolidação da idéia de que o mundo caminha para o aquecimento global e que a estrutura do abastecimento de energia tem de ser repensada para contemplar fontes de energia limpa e renovável. É uma rota da qual ninguém pode ficar de fora e na qual o Brasil tem potencialidades e vantagens extraordinárias já conhecidas hoje, como o etanol de cana. Ele é a única fonte de energia renovável que simultaneamente é competitivo sem subsídios e que contribui positivamente para o efeito estufa. Eu acho que, portanto, teremos aí uma segunda rodada de atração de novatas para a bolsa, turbinada especialmente pelas oportunidades de consolidação e estruturação de um setor que ainda é muito heterogêneo. Além de cana, todos os produtos ligados a madeira e biodiesel, não apenas proveniente de soja mas de outras matérias primas, como o pinhão, por exemplo. Ainda temos setores inteiros que vão chegar mais perto da bolsa com projetos maiores. De longe, o setor de energia limpa é o de maior potencial, mas o de serviços mais sofisticados, como os de tecnologia e de turismo podem crescer mais por esse lado.


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