Idéias para uma tributação coerente
Dividendo isento e ganho de capital sobretaxado fazem a dobradinha inimiga do mercado de capitais

, Idéias para uma tributação coerente, Capital Aberto

Alexandre Póvoa*/ Ilustração: Julia Padula

Terá chegado finalmente a chance real para o mercado de capitais no Brasil? Nossa economia sempre alternou problemas de diferentes tipos. Antes do Plano Real (1979/93), uma economia internamente muito de sorganizada, sem nenhuma disciplina fiscal e com índices de inflação (média de 10,5% mensais) que motivavam somente busca por proteção. Porém, no lado externo, tínhamos a situação sob controle, com o saldo médio anual da balança comercial naquele período de US$ 6,4 bilhões.

Já no intervalo 1994/2002, a origem dos problemas se inverteu: a questão interna ficou relativa mente mais estabilizada, às custas de um enorme juro real médio de 15,6% ao ano e uma necessidade de financiamento externo que atingiu R$ 80 bilhões em 1998. Qualquer espirro da economia internacional representava uma pneumonia nacional.

Para completar, no grande quadro, um pífio e volátil crescimento médio de 3,5% anuais (com alta volatilidade) desde o final dos anos 70. Enfim, o clima para que surgisse algum projeto de mercado de capitais no Brasil sempre foi muito desfavorável.

Pela primeira vez nos últimos vinte e cinco anos, temos a chance de desfrutar de um equilíbrio simultâneo interno (após o domínio da inflação em um semestre de juros altos) e externo (motivado pelo “solavanco” do fechamento do crédito ao Brasil no segundo semestre de 2002). O processo de relaxamento da política monetária pode ser agora
mais profundo e seguro com a contribuição da enorme onda de liquidez internacional corrente.

Saudáveis avanços já conquistados como a Lei das S.As, o Novo Mercado, os Fundos de Recebíveis, a Resolução 2829 da Secretaria de Previdência Complementar – que orienta os investimentos dos fundos de pensão para empresas de melhor governança corporativa – e a nova Instrução 202 da CVM darão mais impulso à potencial decolagem. É necessário retomar imediatamente o projeto do uso do FGTS para a compra de ações, descartando a proposta tímida de exclusividade ao mercado primário. Que sejam permitidas também compras no mercado secundário através de fundos especiais (compostos apenas por papéis do Nível II e Novo Mercado), com pelo menos 10% das contribuições mensais de cada trabalhador.

Muitos analistas acreditam que a mudança de cultura do investidor brasileiro, “treinado” pelas circunstâncias a se tornar um investidor de renda fixa de risco-Governo, irá demorar “gerações”. Uma medida que prova o atraso da penetração de nosso mercado de capitais brasileiro pode ser atestada na baixa relação valor de mercado de empresas abertas / PIB ao redor de 30% contra números bem mais relevantes, tanto em países desenvolvidos (90% nos EUA, 110% no Reino Unido, 45% no combalido Japão, 60% na França e 55% na Alemanha) quanto em nações emergentes (55% nos Tigres Asiáticos e 65% no Chile, precursor do ajuste da Previdência na América Latina). Eis a má notícia. Porém, a boa nova é que países como Portugal e Espanha, que há duas décadas tinham indicadores muito próximos aos do Brasil de hoje, depois dos ajustes macroeconômicos para aderir ao Euro evoluíram estes índices para os patamares atuais de, respectivamente, 55% e 75%.

A “mudança sociológica” na prática não ousa ultrapassar a “psicologia do bolso”. Basta os investidores voltarem a acreditar na estabilidade econômica (que inclui baixa inflação e horizonte de crescimento), que tanto o nível de consumo quanto de investimento voltarão progressivamente, como reflexo da queda de juros reais. Mais duas propostas podem ajudar na formação de poupança interna de melhor qualidade como incentivo ao mercado de capitais.

Seria muito fácil e “simpático” propormos neste artigo uma queda na alíquota de ganhos de capital (hoje em 20%) que, combinada com a manutenção da isenção de imposto sobre o pagamento de dividendos, resultaria em uma perda fiscal para o Governo, pelo menos no curto prazo. Discurso bonito, mas inútil na prática, pois sabemos que a Receita Federal não vai abrir mão de seus impostos neste momento. Portanto, qualquer sugestão viável deve dinamizar o sistema, mas sempre com o pré-requisito de neutralidade de arrecadação.

1 – Imposto sobre ganhos de capital – Como defender que, no Brasil que precisa tanto incentivar a poupança de longo prazo, possam existir alíquotas de I.R sobre ganhos de capital uniformes para renda fixa e variável (20%), tanto em magnitude como em tempo de aplicação? Por exemplo, por que não beneficiar os investidores de longo prazo em renda variável com as seguintes alíquotas punitivas, de acordo com o período de investimento: abaixo de um mês – 40%; entre um e seis meses – 30%; entre seis meses e um ano – 20%; acima de um ano – 10%. Para ganhos com renda fixa, poderíamos adicionar 5% em cada alíquota para diferenciar o patamar em relação à renda variável.

2 – A lei brasileira induz claramente a preferência por dividendos. Por que? Em um país que precisa de poupança interna e reinvestimento de lucros, como admitir que a lei fiscal privilegie os dividendos em relação aos ganhos de capital? O que se tem hoje é a obrigatoriedade de pagamento de 25% do lucro como dividendos mínimos combinada a uma isenção de impostos para dividendos, contra 20% de alíquota de I.R sobre ganhos de capital.

A distorção deixa evidente que não faz o menor sentido econômico a obrigatoriedade do pagamento de dividendos. Empresas como a Microsoft nos EUA nunca o fizeram (sempre reinvestindo os lucros) e não se tem notícia de que algum investidor esteja reclamando do ganho de capital anual médio de 40 % nos últimos 17 anos, mesmo depois do estouro da bolha da Internet em 2000. Se o dividendo pode ser mais bem reinvestido nas mãos do empresário, por que a míope obrigação legal de distribuí-lo? Se, por acaso, o controlador tomar a decisão errada em termos de distribuição de dividendos ou o acionista não gostar de
como o lucro for reinvestido, o mercado é democrático, com vários papéis disponíveis para compra.

Por que “premiar” com isenção tributária aquele investidor que retira parte do lucro da empresa em relação a um outro que, durante um bom tempo, continuou com o seu capital total (incluindo dividendos) aplicado na ação?

Uma teoria mundialmente aceita (e defensável) é a bitributação, ou seja, não faz sentido tributar as pessoas ou corporações que recebem dividendos, já que os lucros das companhias já foram taxados.

Porém, no caso de ganho de capital, por que não falarmos também em bitributação? Apesar de não ser advogado, o bom senso econômico indica o seguinte caminho: dos lucros retidos e já tributados, há o reinvestimento na empresa. Desta parcela e de novas dívidas virá o capital que gerará o potencial fluxo caixa futuro e a conseqüente valorização da ação. Estes lucros serão tributados novamente. E a Receita cobra outro imposto quando a ação é vendida com lucro? Por que, então, a defesa de bitributação é tão mais enfática no caso de dividendos do que no de ganhos de capital?

Deixemos claro que, por princípio, não defendo a idéia de tributar dividendos. Mas dada a hipótese intransponível de neutralidade tributária, recomendo que haja tratamento mais equânime entre dividendos e ganhos de capital. Para um país de baixa poupança interna e demandante de investimentos, é inadmissível que o payout (dividendo lucro) médio seja de 45,5%. Uma introdução, por exemplo, de uma alíquota de 10% para o recebimento de dividendos permitiria uma redução ainda maior da taxação de ganhos de capital em renda variável, “premiando” mais o investidor que aceita integralmente os riscos de longo prazo do mercado de capitais.


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