Feita para brilhar
Lei trouxe novidades como as ações sem valor nominal e versões mais modernas para debêntures e bônus de subscrição

, Feita para brilhar, Capital AbertoNa comemoração de seu aniversário, a balzaquiana Lei das S.As atrai mais admiradores do que em seus tempos adolescentes. Brilhante, moderna, equilibrada e inovadora são alguns dos adjetivos que a acompanham. Hoje, os grandes nomes do direito societário e comercial se rasgam em elogios à lei que tanto demorou para ser compreendida em sua totalidade. À luz do recente desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, a 6.404 rejuvenesceu, mostrou qualidades insuspeitas para uma lei tão madura e enterrou definitivamente aqueles tempos em que era criticada por seus modos precoces.

“Com a vantagem de poder olhar para trás, é possível dizer que todos os participantes do mercado demoraram para entender a lei”, analisa o advogado Paulo Aragão, sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão. “Muitas críticas foram equivocadas.” Nelson Eizirik concorda com a relevância da 6.404: “A Lei das S.As foi um marco, uma das últimas grandes leis feitas no Brasil. E pegou.”

Se os elogios se repetem, na hora de apontar as maiores inovações da lei as opiniões se dividem. “A debênture foi a grande inovação, porque o Brasil precisava desenvolver o mercado de dívidas”, aponta Roberto Teixeira da Costa, primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O título, que já existia via decretos de lei, foi regulado de forma totalmente original pelo capítulo V. Alguns anos depois, as debêntures chegaram a se igualar, em volume financeiro e quantidade, à negociação de ações.

“A mudança mais importante foi o reconhecimento da figura do controlador e o fato de a lei disciplinar esse controle”, diz Aragão, elegendo os artigos 116 e 117, que tratam de abuso de poder do controle, como um dos mais inovadores. Para Mauro Guizeline, sócio do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, os conceitos contidos nos artigos que tratam das obrigações do controlador — além do 116, ele cita o 115 e o 153 — anteciparam o que hoje são considerados os mais avançados padrões de governança corporativa. “Sou fã da lei”, afirma.

As qualidades técnicas são ressaltadas por advogados e acadêmicos. “A Lei das S.As é infinitamente melhor que a das sociedades limitadas e que o Código Civil”, compara Ary Oswaldo Mattos Filho, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGVSP) e sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga. “A sua grande virtude é ser um sistema”, acrescenta o advogado José Alexandre Tavares Guerreiro. “Se um dispositivo for alterado, existe outro sobre o mesmo assunto. É como se houvesse um antivírus embutido nela.”

DESPERTAR ACADÊMICO — Antes mesmo de o mercado de capitais ter a oportunidade de testar a 6.404 de forma abrangente, o reconhecimento no ambiente jurídico se evidenciava. Profissionais de países estrangeiros passaram a fazer consultas sobre as inovações da lei a seus autores e à recém-instalada CVM. Nas universidades brasileiras, o movimento também se espalhou. “Depois da promulgação, a quantidade de teses sobre a lei nas faculdades de Direito foi impressionante”, conta Eizirik. “Houve um despertar acadêmico, um renascimento do Direito societário brasileiro, que estava morto.”

Entre os agentes do mercado de capitais, no entanto, as reclamações da época da votação do projeto no Congresso Nacional continuavam reverberando. Marcelo Barbosa, sócio do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados, atribui o fato à falta de maturidade do mercado. “A lei foi feita para um mercado que ainda não existia. Só agora estamos chegando ao ponto de maturidade para colocar à prova alguns mecanismos. Na medida em que os acionistas estão mais ativos e a CVM julga mais processos, a lei é testada. Está ficando claro que ela não tem orientação pró-minoritário ou pró-controlador. É equilibrada”.

Mattos Filho lembra que, como a lei nasceu na busca de mecanismos de capitalização, era preciso abrir mão do que eram considerados os direitos dos controladores na época. Por isso, o projeto despertou críticas de todos os lados. Para Paulo Aragão, as polêmicas tinham origem principalmente no fato de a lei ter sido influenciada pelo mercado de capitais dos Estados Unidos: “Não se conhecia os institutos do Direito americano, que hoje são extremamente úteis.”

De fato, os autores Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira analisaram o que havia de mais moderno na legislação americana e européia. “A lei incorporou vários pontos que nunca haviam sido tratados no Direito brasileiro”, diz Nelson Eizirik. Ele enumera: “Estão lá a política de divulgação de informações americana; os padrões contábeis, que eram supermodernos para a época; a questão de lucro e sociedade, que veio do Direito alemão, a questão do “inside information”, também do mercado americano; e o acordo de acionistas.”

PURA IGNORÂNCIA — Luiz Antônio de Sampaio Campos, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, lembra que muitos dispositivos considerados na época “soluções alienígenas, impregnadas do mercado americano” foram criticados por puro desconhecimento dos conceitos que embutiam. “É o caso da ação sem valor nominal, que era novidade, e do bônus de subscrição, que foi aperfeiçoado”. A possibilidade de emissão de ações sem valor nominal, introduzida pelo artigo 11, ofereceria maior flexibilidade nos aumentos de capital, enquanto os bônus, que passaram a ser regulados como valores mobiliários independentes das debêntures no capítulo VI, tornaram-se mais um instrumento para as companhias na mobilização de recursos.

Mais conhecidos no mercado, os dividendos foram alvo de uma grande discussão, ao tornarem-se obrigatórios pelo artigo 202. O ex-presidente da CVM Luiz Leonardo Cantidiano lembra que o tema suscitou um dos debates mais acalorados.

“Foi bobagem gastar tempo com algumas discussões”, avalia hoje. “Diziam que os dividendos iriam descapitalizar as empresas, mas a lei criava mecanismos de reservas de lucro.” Ao final, o pagamento de dividendos, junto com as regras mais claras sobre demonstrações financeiras, se mostrou extremamente positivo para o desenvolvimento do mercado, evitando que controladores se apropriassem do lucro dos demais acionistas. “Os temores não se confirmaram”, conclui Cantidiano.

Apesar de todas as confusões dessa época, Tavares Guerreiro sentiu no ar um clima de alívio depois que a lei foi aprovada, junto com a criação da CVM: “Ela imediatamente começou a ordenar o mercado de capitais e as companhias abertas. Os corretores foram organizados, surgiu uma cultura de mercado. Foi uma revolução. A definição de abuso do poder de controle, por exemplo, logo melhorou o perfil institucional das companhias.”

O sucesso da 6.404 pode ser atribuído, em parte, às suas origens. Fernando Albino, sócio do escritório Albino Advogados Associados, lembra que, no Brasil, as leis costumam nascer aos pedaços, a partir de um posicionamento do Executivo ou de um projeto do legislativo. “A Lei das S.As teve a característica pouco comum de ser um projeto com início, meio e fim.” Eduardo Lucano, superintendente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), concorda que a forma de aprovação do projeto foi responsável por sua qualidade: “Foi um processo legislativo clássico, com todos os lobbies agindo e bons parlamentares presentes. Houve um trabalho de refinamento, que ajudou os mecanismos do mercado a funcionar.”

Aos trinta anos, a Lei das S.As pode estar revelando agora o segredo de sua juventude: nasceu em um ambiente propício para brilhar. Afinal, havia sido desejada, planejada e gestada, com todas as atenções, pela sociedade brasileira.

Prevendo o futuro

Alguns artigos da Lei das S.As levaram 30 anos para serem finalmente aplicados. O que faz supor que outros, virgens no processo legislativo, ainda possam ser “descobertos”. O caso mais notório acaba de ganhar as páginas dos jornais: o artigo 257 já previa que o mercado brasileiro poderia assistir a uma oferta pública de controle feita a uma companhia de capital pulverizado — o que só veio a acontecer em julho, com a “oferta hostil” da Sadia para comprar o controle da Perdigão. “A lei previu essa situação”, diz a advogada Norma Parente, exdiretora da CVM. “Este é um bom exemplo de como era inovadora na época”.

Apesar de muitos advogados acreditarem que a nova realidade de companhias de capital pulverizado demandará uma avaliação mais profunda sobre a adequação da lei, que ainda será testada em vários aspectos, é unânime que a 6.404 já previa as chamadas “corporations”. “A lei não proíbe empresa sem controle definido”, diz Ary Oswaldo Mattos Filho, contestando a tese de que a figura do controlador permeia toda a lei. “Ao contrário, ela criou mecanismos para punir o administrador irresponsável.”

Desde 1976, os administradores ganharam deveres como o de lealdade à companhia e a obrigação de prestar informações ao mercado, por exemplo. Se a tendência de surgimento de companhias sem controle definido se confirmar, as questões relacionadas a esses deveres e responsabilidades tendem a ganhar evidência, acredita Luiz Antônio Sampaio Campos.

A importância que os conselhos de administração, previstos pela primeira vez em lei, ganharia mais tarde também parecia ter sido antevista pelos autores do projeto. “O conselho foi claramente inspirado nos boards americanos”, diz Fernando Albino, que acabara de chegar dos Estados Unidos na época e teve que explicar o seu funcionamento para os clientes. “Havia muitas dúvidas sobre o que era atribuição do conselho e da diretoria.”

Os bônus de subscrição também são citados como instrumentos inovadores que seriam necessários às empresas no futuro. E que novo artigo, escondido entre as seções e os capítulos da Lei das S.As, ainda virá a ser descoberto pelo mercado? Norma Parente dá a sua sugestão: “Poucos grupos de sociedades (artigos 265 e 266) foram constituídos até hoje. Eles são bem interessantes e dão direito de recesso.”


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