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Eles morreram na praia
Criados em meados dos anos 90, os novos mercados europeus contabilizaram mais de 400 IPOs em cerca de dois anos, mas a euforia durou pouco

, Eles morreram na praia, Capital AbertoA inspiração veio dos Estados Unidos, mais precisamente da Nasdaq que, na metade da década de 90, emergia como grande rival da Bolsa de Nova York. Ações das companhias em estágio de crescimento nela listadas se valorizavam mais que as de empresas grandes, inseridas na economia tradicional. Fascinante de tão bem sucedido, o modelo parecia perfeito aos olhos das empresas européias de pequeno e médio porte que atuavam nos setores de tecnologia, internet e biotecnologia. Elas enfrentavam fortes restrições de crédito e buscavam uma outra fonte de recursos para financiar o seu crescimento. Foi assim que, a partir de 1996, começaram a pipocar pelas bolsas do Velho Continente os segmentos especialmente destinados a companhias de crescimento acelerado. Em sua maioria, eles eram chamados de “novos mercados”.

Acompanhando o movimento internacional, essas iniciativas levaram a recordes nas ofertas iniciais de ações (IPOs), e seus primeiros anos foram marcados por valorizações sem precedentes. Mas a flexibilidade nas regras de listagem concedida a essas companhias e, na maior parte dos casos, a sua tenra idade acabaram por levar os investidores a aplicar grandes descontos sobre os preços dos papéis, muitos dos quais passaram a valer poucos centavos. Desencadeou-se, então, um processo de seleção natural e as poucas sobreviventes acabaram migrando para os segmentos tradicionais — o que acelerou o fim dos tais novos mercados.

Foi assim que esses outros “novos mercados” — homônimos do nosso, mas diferentes na essência, principalmente por conta das regras de listagem mais flexíveis — morreram na praia depois da euforia provocada pelas elevadas projeções de lucro que se fazia para a “nova economia”. Hoje, após mais de meia década, o sucesso de uma outra iniciativa — a do Alternative Investment Market (AIM), da Bolsa de Londres — inspira a criação de novos segmentos diferenciados, agora reformulados como mercados de acesso, nos moldes do nosso projeto de um Bovespa Mais.

O primeiro desses novos mercados foi estabelecido na França, em 1996. Era o Nouveau Marché, com requisitos de entrada mais brandos que os do segmento tradicional da Bolsa de Paris. Naquele mesmo ano, nasceu a Easdaq, sediada em Bruxelas e aberta a empresas de tecnologia de toda a Europa. Em 1997, a novidade foi adotada na Alemanha (Neuer Markt) e na Holanda (Niewe Markt). Em 1998, diversas bolsas menores, como as de Zurique (Suíça), Copenhague (Dinamarca) e Estocolmo (Suécia), formaram uma aliança denominada Euro.nm, que as unia ao Neuer Markt e ao Nouveau Marché, numa primeira tentativa de formar uma bolsa pan-européia. Em 1999, período áureo dos novos mercados, a Itália também criou o seu, e chamou-o de Nuovo Mercato.

De acordo com estudos publicados pelas universidades de Bocconi, na Itália, de Manchester e Sheffield, na Inglaterra, e de Tilburg, na Holanda, entre janeiro de 1998 e março de 2000, foram registrados 430 IPOs nos novos mercados europeus, metade deles no Neuer Markt — onde as regras de governança e transparência, ao contrário do que ocorria nos outros casos, eram mais rígidas. O Nouveau Marché vinha em segundo lugar, em termos de relevância. Essas aberturas de capital levantaram mais de € 23,5 bilhões em recursos e a capitalização de mercado dessas companhias somava € 234 bilhões. Nesse mesmo período, a valorização das ações foi de estrondosos 561%, de acordo com o índice EuroNM All-shares, que acompanhava a evolução das ações listadas nesses mercados. Foi por essa capacidade de atrair novas companhias e ampliar a representatividade dos setores da economia na bolsa de valores que o Neuer Markt foi eleito como referência pela equipe contratada pela Bovespa para reinventar o “produto ação” no Brasil, no início de 1999.

Apesar de apresentar requisitos de listagem menos severos que os do mercado tradicional — como um patamar reduzido de lucratividade nos dois exercícios anteriores ao IPO —, o Neuer Markt compensava essa flexibilidade com regras mais duras em termos de transparência — como a obrigatoriedade de publicação dos balanços de acordo com um dos principais padrões internacionais vigentes (o IFRS ou o US Gaap) —, e de governança — como a exigência de um período mínimo de seis meses em que a negociação das ações detidas por executivos e proprietários ficaria interditada (lock-up). Foi essa a principal fonte do sucesso da iniciativa alemã, que acabou repercutindo também no setor tradicional da bolsa ao estimular novas aberturas de capital (veja tabela).

Mas, a partir da metade do ano 2000, quando as facilidades de financiamento via emissão de ações e as histórias de jovens empreendedores que amanheciam bilionários começaram a estimular o surgimento de empresas com planos de negócios menos sólidos que os das pioneiras, os investidores deram um passo para trás e passaram a julgar de maneira mais dura toda e qualquer iniciativa da chamada nova economia. A partir daí, a queda no preço das ações chegou a mais de 80%. Muitas companhias viram seus papéis caírem a menos de € 1 e op taram por fechar o capital. Quando a esse movimento se somaram escândalos envolvendo o mau uso de informações privilegiadas (insider trading) e também a falência de algumas empresas, a imagem dos novos mercados estava arranhada para sempre. De “galinhas dos ovos de ouro” passaram a “penny bazaars” — a expressão em língua inglesa para denominar o equivalente às nossas lojas de R$ 1,99.

MAIS CONSISTENTES — A heterogeneidade no desempenho pós-abertura de capital das companhias listadas nos novos mercados europeus teve papel fundamental nessa virada de expectativas, em que as desvalorizações foram puxadas por um ceticismo cada vez maior quanto à sua capacidade de geração de valor futuro. A pesquisa de Laura Botazzi e Marco Da Rin, da Universidade de Bocconi, na Itália, revela que as companhias listadas no Neuer Markt também foram as que mais corresponderam às expectativas dos investidores. Elas apresentaram incrementos nas vendas, nos ativos e no número de empregados duas vezes maiores do que aquelas listadas no Nouveau Marché — graças, especialmente, ao fato de os descontos sobre os preços das ações no momento da abertura de capital aplicados no Neuer Markt terem sido consideravelmente menores que os de seus concorrentes.

Essa diferença de desempenho se deu não apenas porque as companhias do novo mercado alemão captaram mais recursos no IPO — e, portanto, puderam investir mais em seu crescimento —, mas também porque a exigência de publicação de demonstrativos financeiros, de acordo com os padrões internacionais, as forçou a adotar estruturas mais sólidas de relacionamento com investidores e também a melhorar a qualidade dos controles internos e, consequentemente, de suas informações financeiras, aumentando o preparo para lidar com a volatilidade dos mercados. Ivan Clark, sócio da consultoria PricewaterhouseCoopers, ressalta que esse investimento na sofisticação dos controles e no aprofundamento das relações com o mercado é a chave para sobreviver aos testes que ele coloca às companhias abertas de tempos em tempos. “As companhias que aportam no mercado durante os ciclos de crescimento, como o que o Brasil vive nos últimos três anos, têm de se preparar para os períodos de vacas magras, que cedo ou tarde virão. E este preparo consiste em melhorar a qualidade das informações financeiras, perseguir os mais altos padrões de governança e contar com um sólido planejamento financeiro, que contemple mecanismos de proteção em situações adversas — coisa que boa parte das empresas listadas nos novos mercados europeus deixou de fazer.”

Embora homônimos do nosso Novo Mercado, elespartiam de um conceito diferente: tinham regras de listagem mais flexíveis

Na opinião do professor Antonio Gledson, que sugeriu o modelo do Neuer Markt como referência para a criação do Novo Mercado brasileiro, dois aspectos contribuíram significativamente para a sua derrocada: a regra que proibia a migração de companhias já listadas em outros segmentos da bolsa e a restrição a empresas que não fossem consideradas “de crescimento”, naquele tempo altamente concentradas no setor de Tecnologia da Informação e de internet. “Quando, em meados de 2002, a bolsa alemã tentou endurecer ainda mais as regras, o estrago já estava feito. A única solução foi igualar os requisitos aos do mercado tradicional e salvar as companhias que realmente sobreviveram à turbulência, transferindo-as para a bolsa regular.”

De todos os empreendimentos daquela época, o único sobrevivente é o Alternative Investments Market (AIM), da Bolsa de Londres, criado em 1995. Seu grande diferencial foi, justamente, não ter considerado que as companhias de crescimento estavam restritas aos setores de tecnologia, internet e biotecnologia. Além de incluir um grande número de companhias de mineração e fontes alternativas de energia, o AIM oferece incentivos fiscais significativos aos investidores pessoa física e, embora tenha regras de listagem muito flexíveis, pega pesado nos requisitos de governança. Até dezembro de 2006, o segmento reunia cerca de 1.580 companhias e já havia inspirado a criação de similares na Austrália (Australia Pacific Exchange) e na Irlanda (Irish Enterprise Exchange).


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