Acionistas da fabricante gaúcha de carrocerias Marcopolo, os fundos de previdência dos funcionários do Banco Central (Centrus) e do Banco do Brasil (Previ) tinham um acordo de minoritários. Com posições acionárias consideráveis — o primeiro em ordinárias; e o segundo, em preferenciais —, os investidores indicavam conjuntamente um membro para o conselho de administração e outro para o conselho fiscal. A composição deste último contava com mais dois membros indicados pela família Bellini, que controla a companhia. Até aí, nada de especial. Tudo caminhava dentro do padrão de mercado, em que a legislação assegura ao majoritário o direito de indicar a maioria do órgão incumbido de fiscalizar os balanços da companhia.
A situação mudou de figura na assembléia geral ordinária de 2004. O acordo entre os fundos de pensão azedou e cada um deles resolveu indicar um representante no grupo de fiscalização. Pela Previ, assumiu Franz Breitschast; e a Centrus reencaminhou Egon Handel, integrante do conselho fiscal desde 2001. A família controladora da Marcopolo poderia indicar, portanto, mais três integrantes para o grupo e, assim, conquistar a maioria que a lei lhe assegura. Se fizesse isso estaria a salvo de possíveis críticas, pois adotaria prática recorrente entre as companhias brasileiras e contaria com o amparo da própria legislação.
Mas o fato de a companhia estar presente nesta edição especial de casos de governança indica que a Marcopolo resolveu fazer diferente. Com o código das melhores práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) debaixo do braço, o controlador abriu mão de indicar a maioria no conselho fiscal. Apontou apenas um representante para o grupo, o conselheiro Francisco Sergio da Rosa.
O código do IBGC propõe que minoritários e controladores discutam sobre a composição do órgão antes da eleição. “Debatemos com o controlador e chegamos à atual formação do grupo”, explica o professor de contabilidade Egon Handel. Conselheiro indicado pelo minoritário, o contabilista explica que a decisão do controlador foi um dos frutos da política de governança corporativa da Marcopolo. A companhia gaúcha se gaba de ter sido a primeira representante do setor industrial a lançar papéis no Nível 2 da Bovespa. A estréia no segmento de listagem ocorreu em setembro de 2002, quase 25 anos após a oferta pública inicial da Marcopolo, no longínquo ano de 1978.
“Mesmo quando era minoria, nunca enfrentei qualquer tipo de empecilho ao meu trabalho por parte da administração”, afirma Handel. A próxima reunião, dia 11 de novembro, será mais uma oportunidade de colocar a liberdade dos conselheiros à prova. O trio vai avaliar os balancetes do terceiro trimestre, que apresentaram um rombo. A Marcopolo foi uma das empresas brasileiras afetadas pela alta do dólar. O dado positivo é que ela detalhou a perda ao público, algo como R$ 115 milhões. O montante é equivalente a contratos de hedge, no valor de R$ 118 milhões, e não tem nenhuma pitada de especulação com o câmbio, garante a companhia.
Atuação do conselheiro é individualO professor Egon Handel fez carreira como conselheiro de empresas. Chegou a participar, junto com seu sócio, de mais de 40 conselhos. Docente do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Handel já viu muitos tipos e formas de composição de um conselho, cada qual com suas qualidades. Mas, quando o tema é conselho fiscal, o professor não consegue entender a razão que leva controladores a buscarem maioria.Ele explica que a atuação de conselheiro fiscal é individual. Ou seja, qualquer um deles pode questionar os administradores e pedir explicação sobre um determinado assunto. Logo, encher o conselho traria como resultado exclusivo o aumento dos gastos, que não se resumem somente aos salários.
Como a sede da Marcopolo é em Caxias do Sul, no interior do Rio Grande do Sul, é lá que o grupo se reúne, com freqüência quase que mensal. Gastos com transporte, hospedagem e alimentação poderiam ser multiplicados caso a família Bellini resolvesse exercer seu direito de indicar a maioria do grupo. “Na reunião, analisamos atas do conselho de administração, pareceres de auditoria e informações das diferentes áreas da empresa e de suas controladas.” A possibilidade de o conselho fiscal ser formado, em sua maioria, por indicados do controlador é um dos pontos polêmicos da Lei das S.As. Isso porque, em muitas companhias, o acionista controlador está também na gestão. Nesse caso, o conselho fiscal estaria supervisionando o seu próprio trabalho. Com maioria de minoritários, há menos chances de o conselho fiscal estar vinculado à gestão. A maioria de minoritários também é uma boa alternativa para diferenciar o conselho fiscal perante o comitê de auditoria — o organismo que, valorizado nos Estados Unidos, entrou no País como um concorrente do conselho fiscal. Ainda que seja formado, em sua maioria, por membros independentes, o comitê é composto de conselheiros e, portanto, não está desconectado da administração. Ao ser formado por minoritários em sua maioria, o conselho fiscal tem o atributo de estar totalmente desvinculado dos administradores. |
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