Do “contas a receber” para o caixa
Sem impacto no endividamento e acessível às empresas de capital fechado, o FIDC consolida-se como um canal competitivo para captar recursos com investidores

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Eles começaram em 2002 e, já naquele ano, fizeram sucesso. Sujeitos ao crivo das agências de classificação de risco e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) tornaram-se uma competitiva fonte de captação para empresas geradoras de créditos — como as financeiras — e outras interessadas em fazer caixa com o seu “contas a receber”. A primeira fase dos FIDCs no Brasil foi focada nas operações de crédito consignado e de crédito direto ao consumidor. Mas logo os recebíveis mercantis — originados da venda de produtos ou serviços por empresas não-financeiras — também começaram a ser utilizados.

, Do “contas a receber” para o caixa, Capital AbertoPara as empresas mercantis, mais do que um instrumento de captação de recursos, o FIDC pode ser um bom cartão de visita para colocar um pé no mercado de capitais. “A partir desta operação, a empresa passa a ser conhecida entre os grandes investidores, o que abre caminho para planejar novas estratégias de financiamento no mercado de capitais”, afirma Marcelo Xandó, diretor do BC Sul Verax. Diferentemente de ações e debêntures, os FIDCs são mais acessíveis para companhias de médio porte. Aqui, o fundamental é ter uma boa carteira de crédito para recebimento no longo prazo.

Devido à estruturação cuidadosa, ao atestado da agência de rating e à supervisão da CVM, os FIDCs viabilizam um custo atrativo

A captação se dá por meio da securitização. A operação transforma créditos originados de contratos de venda ou prestação de serviço em títulos que serão adquiridos por investidores. No caso, o veículo para essa transformação é o FIDC, que tem suas cotas configuradas como valores mobiliários e distribuídas a investidores qualificados. Para as empresas que se vêem atraídas pela oportunidade de transferir recebíveis para um FIDC, a vantagem está no custo da captação. “Um fundo bem estruturado, com baixo risco, pode ter taxas muito inferiores às de uma operação de crédito bancário”, diz Francisco Turra, sócio-diretor da Integral Trust.

Os fundos de direitos creditórios podem ser usados para reunir créditos que estejam sob contestação judicial. É o chamado FIDC Não-Padronizado

Como funciona um FIDC?
Na essência, o FIDC tem a mesma lógica de um desconto de duplicata. De posse de recebíveis que vão virar caixa no futuro e diante de uma necessidade imediata de recursos, a empresa vende esses créditos para um interessado por determinada taxa de desconto. Em operações tradicionais com bancos ou factorings, esse desconto costuma ser cavalar. No FIDC, devido a uma estruturação muito mais cuidadosa, ao atestado de qualidade cedido pela agência de rating e à supervisão da CVM, o risco de crédito representa um custo muito menor para a empresa. Por isso, em vez de esperar o prazo para receber de seus clientes, a empresa opta por antecipar esses recursos, com um desconto, mediante a cessão de direitos creditórios. Tais direitos vão compor o FIDC, que terá suas cotas distribuídas a investidores e remuneradas pelos devedores dos recebíveis. Dessa remuneração, serão descontadas as taxas correspondentes aos serviços envolvidos. Vale a pena? “Um fundo bem estruturado, com baixo risco, pode ter taxas bem inferiores às de uma operação de crédito bancário”, diz Turra. No entanto, é preciso estar disposto a correr os riscos do mercado.

Além do custo, o FIDC tem alguma outra vantagem para o cedente dos recebíveis?
Sim, o FIDC tem um diferencial importante: o dinheiro captado na operação não tem impacto no endividamento da empresa. Além disso, esse instrumento não é exclusivo para as companhias com as finanças em ordem. Os fundos de direitos creditórios também podem ser usados, por exemplo, para reunir créditos que estejam sob contestação judicial. O chamado FIDC Não-, Do “contas a receber” para o caixa, Capital AbertoPadronizado (FIDC-NP) permite a utilização de recebíveis lastreados nos chamados créditos exóticos, com risco elevado. “Os modelos das operações estão cada vez mais sofisticados. O FIDC se consolidou como uma alternativa de financiamento bastante eficiente”, afirma Michael Altit, sócio do escritório Motta Fernandes Rocha, especializado em operações estruturadas com participação em mais de 30 fundos de direitos creditórios.

Que tipos de recebíveis podem ser utilizados para compor um FIDC?
“Os mais diversos. Em resumo, pode ser utilizado qualquer título que represente um crédito que a empresa tenha para receber no futuro”, explica Altit. Ou seja, faturas comerciais, duplicatas, contratos de crédito e de venda futura podem ser securitizados.

Quais as principais diferenças entre FIDC e FIDC-NP?
Os primeiros podem ser compostos por direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços e contratos de compra e venda para entrega ou prestação futura. “Há uma crescente diversificação na utilização desses ativos”, diz Altit. A Instrução 444/06 da CVM, que criou o FIDC-NP, permite o uso de recebíveis considerados de alto risco, exóticos ou podres. São exemplos desse tipo de ativo os créditos decorrentes de ações judiciais, precatórios ou títulos já vencidos. No ano passado, o escritório Motta Fernandes Rocha participou da estruturação do Pólo Precatório, com papéis de dívida da União, provando que os investidores têm disposição para correr esse tipo de risco, em troca da possibilidade de aumentar os ganhos.

Em geral, o FIDC é recomendado para operações acima de R$ 50 milhões. Mas já há versões no mercado que permitem volumes menores

Como saber se meus recebíveis estariam aptos para compor um FIDC?
É necessário ter um histórico do índice de inadimplência desses recebíveis. Assim, pode-se descobrir se os riscos dos papéis estão dentro de um patamar aceitável para os investidores. Há dois tipos básicos de recebíveis: os performados e os não-performados. No primeiro grupo, a empresa já entregou a mercadoria ou serviço e aguarda a data para receber o pagamento. No segundo, a empresa apenas assinou o contrato de prestação de serviço ou venda de produtos, mas o cliente ainda não foi atendido. “Nesse caso, é preciso traçar um histórico da capacidade da empresa para entregar os produtos ou serviços comercializados”, explica Marcelo Xandó. É o chamado risco de performance. “Os papéis com a classificação da nota de risco triplo B para cima são os mais indicados”, diz João Carlos Gonçalves da Silva, diretor de mercado de capitais do Banco ABC Brasil.

O que são cotas seniores e subordinadas?
O fundo de direito creditório pode ser estruturado com essas duas classes de cotas. A do tipo sênior é a que vai para o mercado e garante preferência no recebimento do pagamento e da remuneração. As cotas subordinadas, em geral, ficam com a empresa que originou o recebível. Além de auferir os ganhos só depois das seniores, as subordinadas são também as primeiras a absorver os prejuízos em caso de inadimplência. Os fundos, em geral, distribuem 90% das cotas para o mercado e a companhia fica com o restante.

Como em toda operação, quanto maior o risco, maior o prêmio. “O cupom de juros começa a ser definido no bookbuilding”

Há um volume mínimo indicado para uma captação com FIDC?
Em geral, o FIDC é recomendado para operações acima de R$ 50 milhões. Começam, porém, a surgir novos modelos do produto no mercado, que possibilitam volumes individuais menores. “É possível juntar várias empresas dentro de um único FIDC”, afirma Xandó. Para isso, são utilizados os FIDCs multicedentes, com créditos de companhias distintas. Esses fundos têm mais complexidade na estrutura e na venda, principalmente porque os riscos de crédito costumam ser diferentes. Por isso, ainda não decolaram. “Esse instrumento tende a ganhar espaço no mercado porque é muito eficiente para empresas que participam de uma mesma cadeia produtiva”, afirma Altit, do Motta Fernandes Rocha. O escritório está preparando um fundo inovador desse tipo para financiar um pool de companhias. Entre as novidades, ele não terá cotas subordinadas.

Nos FIDCs consigo custos melhores de captação do que em operações que tenham a intermediação bancária?
“Com um FIDC bem estruturado é possível conseguir taxas bem vantajosas”, afirma Turra, da Integral Trust. Em 2007, as taxas de remuneração dos FIDCs variaram de 110% a 112% do CDI ao ano para carteiras com boa classificação de risco (rating AA e AAA). Já para notas inferiores, o valor chegou a 120% do CDI ao ano. Como em toda operação, quanto maior o risco, maior o prêmio pago aos investidores. “O cupom de juros começa a ser definido no bookbuilding”, explica Silva, do ABC Brasil. Para medir o apetite dos investidores, cerca de dez dias antes, o banco coordenador faz um road show nas principais praças financeiras, apresentando o fundo. “É preciso ter uma operação bem estruturada, para evitar decepções. A taxa é definida de acordo com a demanda do mercado.” O FIDC, no entanto, não precisa ser encarado como um concorrente do crédito bancário. “É mais um instrumento de captação, que pode ser combinado com outros, variando de acordo com as necessidades da empresa”, completa Silva. É uma opção, por exemplo, para não estourar o limite de empréstimo nos bancos. Para constatar se o FIDC é realmente vantajoso para a empresa, é preciso considerar também os aspectos tributários. Nessas operações, não incidem Contribuição Social, PIS e Cofins.

Ao ceder recebíveis, qual será o impacto sobre o balanço da minha empresa?
“Diferentemente dos financiamentos, uma operação com FIDC não é indicada como dívida no balanço da empresa. O valor do recebível passa do bloco de contas a receber e vai para o caixa. Esse é um diferencial”, afirma Turra. Trata-se de uma operação off-balance. Thiago Giantomassi Medeiros, sócio do escritório Demarest & Almeida, ressalta que é preciso incluir notas explicativas no balanço sobre a geração de caixa para a companhia.

Em caso de inadimplência dos fornecedores, quais os riscos de prejuízo para a empresa que originou os recebíveis?
No processo de estruturação de um FIDC, é feito o contrato de cessão de crédito, documento que transfere todos os direitos e responsabilidades para o fundo. Assim, nas operações de securitização destinadas à formação de FIDCs, a empresa que cede os recebíveis não responde caso os mesmos não sejam pagos futuramente. “A companhia realiza uma cessão perfeita e acabada dos créditos ao fundo”, explica Medeiros. Os contratos de cessão de crédito são enviados para o custodiante, que faz o registro do documento, e os títulos são encaminhados ao processo normal de cobrança bancária. A empresa, porém, divide os riscos com o fundo por meio da aquisição de cotas subordinadas.

Que tipo de informações uma agência de rating exigirá para atribuir uma classificação aos recebíveis da minha empresa?
O principal foco do trabalho da agência de classificação de risco é avaliar a qualidade da carteira de crédito que será securitizada. Em geral, o trabalho é feito com base no relatório da auditoria sobre os ativos e nas características jurídicas do regulamento. Essas são as principais informações utilizadas para emitir a nota de risco para o FIDC. A agência fará o monitoramento e a revisão do rating trimestralmente.

Ceder recebíveis pode comprometer a relação com os meus clientes, caso eles atrasem o pagamento?

“Este é um receio comum das empresas. Elas temem que um importante cliente tenha o título protestado pelo fundo em função de um pequeno atraso no pagamento”, diz Medeiros. Porém, esse não é um motivo para descartar a possibilidade de captar via FIDC. “É possível incluir no regulamento mecanismos para a troca dos recebíveis”, explica. Neste caso, a empresa pode substituir o ativo em atraso por outro da sua carteira de crédito. Uma opção é, na fase de estruturação do fundo, eleger um volume de recebíveis superior ao necessário. Caso haja algum imprevisto, é só lançar mão desses títulos para fazer a troca.

O FIDC é uma ótima porta de entrada para empresas médias no mercado de capitais. Elas se tornam conhecidas entre grandes investidores

O FIDC pode ser uma boa alternativa de captação para as empresas fechadas?
Sim. “O FIDC é uma ótima porta de entrada para empresas médias no mercado de capitais”, afirma Xandó, do BC Sul Verax. Sua empresa passará a ser conhecida pelos grandes investidores. Também terá de implantar práticas de governança corporativa para se relacionar com o fundo. E mais: haverá avanços na transparência, com a prestação de contas necessária para abastecer de informações as agências de rating e as auditorias. Dessa forma, ficará mais fácil lançar, no futuro, uma debênture ou até mesmo ações. Turra, cita outro ponto positivo: os custos operacionais para os fundos de direito creditório não são elevados. Os gastos totais com advogado, custodiante, administrador e agência de rating representam, em média, 0,5% ao ano do valor total da operação.

O ano passado não foi tão bom para os FIDCs. Por quê?
Em 2007, o volume total das emissões de cotas de FIDCs teve redução de 22% em comparação com 2006. A queda foi justificada pela concorrência com a bolsa de valores, que proveu recursos abundantes para as companhias por meio das ofertas de ações, e pelo excesso de liquidez no mercado, que encheu os cofres dos bancos de recursos e ampliou consideravelmente o volume de empréstimos. Com esses dois segmentos menos convidativos este ano, a expectativa é de que as emissões de FIDCs voltem a crescer.

“Passamos a contar com o FIDC”Ao preparar sua estréia em uma emissão de FIDC, no ano passado, o principal desafio da Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) foi selecionar os ativos que seriam cedidos ao fundo como direitos creditórios. “Sabíamos que os ativos definiriam o risco da operação e, como consequência, o seu custo”, conta o diretor financeiro da Celesc, Arnaldo Venício de Souza. “As contas futuras de energia dos nossos clientes têm bom potencial, porque são bem pulverizadas, o que diminui o risco .Além disso, os consumidores são cativos, característica que garante o pagamento. Mas ainda era preciso um diferencial”, lembra.

Com o auxílio dos assessores da operação — o BB Investimentos, em parceria com o banco ABC Brasil e com a consultoria da KPMG —, a Celesc encontrou o critério que faltava para lançar o produto. Do universo de 2 milhões de usuários de energia da companhia, o grupo selecionou 50 mil que não tinham registrado atraso no pagamento das contas nos últimos três anos. “Percebi que é importante escolher assessores que tenham experiência na operação e, de preferência, que já tenham também um relacionamento de confiança com a companhia. Foi um longo trabalho de equipe”, afirma.

Definido o ativo, a Celesc e seus parceiros partiram para montar a operação em setembro e o fundo seguiu para obtenção do registro junto à CVM. “A partir daí é fundamental o empenho dos executivos da empresa, que vão dedicar horas e mais horas da sua rotina só para esta atividade”, afirma Souza. Para a venda, foi realizado o tradicional road show — com participação dos assessores e dos representantes da empresa — nas principais praças financeiras, e também uma série de visitas individuais. O spread foi definido no bookbuilding, em juros acumulados do CDI mais 0,95%.

No dia 29 de dezembro, quando o FIDC foi efetivamente ao mercado, o diretor de finanças da Celesc se surpreendeu. “Tivemos uma demanda para o dobro”, conta. A classificação de risco do fundo, com nota AA da agência Fitch Ratings, foi fundamental para a boa aceitação dos investidores. A companhia captou R$ 200 milhões para custear seus investimentos neste ano. Os fundos de investimento ficaram com a maior parte das cotas, num total R$ 179 milhões. Os fundos de pensão levaram R$ 11 milhões e uma instituição financeira, o restante. “Foi uma ótima experiência. A partir de então, passamos a contar com o FIDC como uma forma de captação. Para o futuro, já cogitamos mais um lançamento”, afirma Souza.


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