Difícil de engrenar
Filipinas e Azerbaijão criam segmentos inspirados no Novo Mercado, mas companhias resistem a se listar neles

O que é bom não demora a servir de inspiração para alguém. É assim com os programas de TV, a moda, a culinária e, até mesmo, com os níveis de listagem das bolsas de valores. Para quem não se recorda, o Novo Mercado, da BM&FBovespa, não nasceu do zero. A inspiração veio da Europa, mais especificamente do alemão Neuer Markt, criado para abrigar empresas de tecnologia que se comprometessem a seguir regras mais duras em termos de transparência. Hoje, o Neuer Markt nem existe mais. Foi extinto em 2003, após a derrocada nos lucros das companhias de tecnologia e internet na Europa. O Novo Mercado, em compensação, trilhou o caminho oposto. Conta atualmente com 125 companhias listadas, dos mais diversos setores, e uma reputação que extrapola as fronteiras verde–amarelas. Como resultado, tornou–se um exemplo para os países que buscam na implementação de níveis diferenciados de governança um caminho para turbinar seus mercados de capitais. Pena que, até agora, a vida das “cópias” do Novo Mercado não tem sido nada fácil.

As Filipinas que o digam. A despeito de suas regras estarem prontas, o Maharlika Board — nome dado ao mais alto segmento de governança filipino — não saiu do papel. A Bolsa de Valores local (PSE, na sigla em inglês) planejava lançá–lo em setembro do ano passado, mas protelou a estreia para 2012. A razão é que prefere inaugurar o segmento quando houver companhias interessadas em se listar nele, o que, por enquanto, não ocorreu. “O receio das empresas é que o Maharlika Board marginalize as que não aderirem. Há o temor de que elas fiquem com a imagem de não possuir boas práticas de governança”, explica Eugene Spiro, diretor sênior de projetos para a Ásia do International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial. Para desmistificar essa ideia, a PSE vem fazendo um trabalho de educação sobre os benefícios de uma listagem no segmento. Dentre as regras que as companhias do Maharlika Board devem obedecer, está a emissão de, no máximo, 20% de ações preferenciais; adoção de comitê de auditoria composto de, pelo menos, três membros (a maioria independente, incluindo o presidente); free float mínimo de 30%, e conselho de dministração formado de, ao menos, sete membros, dos quais 30% devem ser independentes.

Para Mike Lubrano, sócio da gestora Cartica Capital e ex–diretor de governança corporativa do IFC, a postergação do lançamento do Maharlika Board ilustra a falta de poder da bolsa filipina sobre os emissores. “O mercado acionário local é altamente concentrado em um pequeno número de conglomerados, e isso torna a PSE dependente deles. Ela nunca vai querer desagradá–los, pois uma eventual deslistagem lhe significaria um enorme prejuízo”, analisa. O gestor lembra que esse não foi um problema enfrentado pela Bovespa na época da inauguração do Novo Mercado. “A Bolsa era razoavelmente independente das companhias listadas”, observa.

A crise pela qual o mercado de capitais brasileiro passou no começo do milênio — com as ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) minguando, e as empresas brasileiras preferindo negociar American depositary receipts (ADRs) na líquida Bolsa de Nova York em vez de ações no pregão paulista — também foi essencial para a aceitação do Novo Mercado, acredita Lubrano. A Filipinas, ao contrário, não tem do que reclamar. Seu mercado vai bem, e o ditado “em time que está ganhando não se mexe” parece refletir o sentimento local. No ano de 2011, marcado pela turbulência da crise financeira europeia, a PSE foi uma das quatro bolsas no mundo a apresentar variação positiva na capitalização de mercado e a obter crescimento em volume de negociação, de 27%. Spiro compreende a relutância das companhias e dos investidores, mas espera que o Maharlika Board saia do papel o mais breve possível. “Essa iniciativa é muito benéfica, pois vai ajudar as pequenas e médias empresas filipinas a obter acesso a capital, algo muito difícil naquele país”, ressalta.

O receio das empresas filipinas é que o Maharlika Board marginalize as que não aderirem ao segmento

APEGO À LEI — Outro país que se espelhou no caso brasileiro e vem enfrentando dificuldades é o Azerbaijão. Lançado em novembro de 2009, o Novo Mercado azeri obteve até o momento a adesão de duas companhias — o DemirBank e o Texnikabank. De adoção voluntária, o segmento traz regras mais exigentes para as empresas, como a obrigatoriedade de ter três membros independentes no conselho, adoção do padrão contábil internacional (IFRS, na sigla em inglês) e tag along. O diretor sênior de governança corporativa do IFC Chuck Canfield, que participou da criação do segmento, acredita que ainda é cedo para se avaliar a iniciativa. “O começo do Novo Mercado, no Brasil, também foi marcado por poucas adesões”, lembra. Para ele, iniciativas como o “mini–Novo Mercado” — como ele gosta de chamar o segmento — levam tempo para terem sua importância assimilada pelas empresas.

Dentre os pontos que atravancam o desenvolvimento do Novo Mercado azeri, Canfield cita a resistência das companhias em adotar práticas transcendentes à legislação vigente. “As empresas locais são muito apegadas à lei”, comenta. Além da legislação corporativa, as companhias do Azerbaijão estão sujeitas ao código civil que, em 2011, passou por mudanças, graças a discussões geradas no âmbito da preparação do Novo Mercado azeri. “Na época, membros do governo me procuraram para perguntar sobre o projeto. Expliquei a eles que enxergava muitas deficiências na lei sob a ótica corporativa e, com base nessas críticas, eles iniciaram, ano passado, um processo de reforma”, comemora Canfield.

NÃO DECOLOU — A Índia é o país que menos evoluiu nas conversas para a adoção de um segmento de governança similar ao brasileiro. Em 2009, o então chairman da Securities and Exchange Board of India (Sebi), C.B. Bhave, pediu ao presidente da National Stock Exchange (NSE), uma das duas principais bolsas do país, que estudasse a adoção de um nível de listagem parecido com o Novo Mercado. Até agora, contudo, pouca coisa aconteceu. “O projeto está parado, pois a percepção é a de que a regulação na Índia é bastante completa e não seria necessário um segmento mais exigente”, justifica Lubrano.

O sócio da Cartica Capital vê com bons olhos as iniciativas de outros países de implantar modelos similares ao Novo Mercado. Ele entende, contudo, que, para obterem o mesmo sucesso da BM&FBovespa, teriam de contar com uma mãozinha da economia local. “O estabelecimento das regras foi importante, mas o dinamismo da economia brasileira ajudou muito”, analisa. O importante, considera, é que os mercados inspirados no caso brasileiro tenham capacidade de gerar aberturas de capital. “O Novo Mercado não ganhou fôlego com migrações, e sim com IPOs”, diz.


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