Confiar é preciso, viver não é preciso
As angústias do investidor e do fundador geram tensão na escolha de cada palavra dos contratos

, Confiar é preciso, viver não é preciso, Capital Aberto

 

Um advogado costuma ser lembrado como aquele sujeito formal, às vezes sisudo, de fala difícil e texto quase indecifrável às pessoas não habituadas ao nosso convívio. Essa é a caricatura do advogado clássico, quase fora de moda. Para nós, advogados de negócios (de compra e venda de empresas), o modelo clássico é ainda mais raro. Quando falamos em private equity, então, é inadmissível.

O advogado dessa área não tem opção em matéria de comportamento. Precisa ser prático, criativo e permeável para acomodar os problemas, falar a língua do investidor e do fundador, e não ser vaidoso.

O investimento de private equity começa com a fase preparatória de due diligence seguida da negociação dos contratos. Depois vem o monitoramento (que às vezes inclui aquisições e ganho de musculatura), e, por fim, o momento do desinvestimento. Esse é o ciclo completo e temos enorme satisfação em participar como advogados do começo ao fim. Ficamos frustrados, porém, quando tempos depois de fechado o negócio os sócios deixam de se entender, trocam hostilidades e tiram os contratos da gaveta para brigar.

O papel do advogado nesse tipo de transação é bem definido. Assessoramos investidores financeiros e os donos do negócio, de um lado ou de outro da mesa, conforme o caso. Advogamos para investidores que fazem investimento minoritário e precisam, portanto, ter seus direitos políticos e de fiscalização da gestão e os mecanismos de saída bem definidos e estruturados no acordo de acionistas. Advogamos para investidores que só compram se for uma participação de controle — tudo ou quase tudo. Advogamos para os donos do negócio, tanto para aqueles que continuam controladores após a entrada do investidor minoritário como para aqueles que deixam de mandar e ficam minoritários e, exatamente porque ficam na empresa, precisam ter preservados os seus incentivos de motivação atrelados a desempenho.

Logo no início de cada projeto, quando estamos do lado do dono do negócio, existe o desconforto de compartilhar informações e segredos da empresa com o potencial investidor. E, para que se possa iniciar um relacionamento, ainda que seja só namoro, tudo começa com a assinatura de um compromisso de confidencialidade, para se guardar sigilo no tocante ao conteúdo dos documentos, das informações e ainda quanto à própria existência da potencial transação.

Ambos os lados querem confiar que não haverá vazamento da operação. Fato é que, com mais frequência do que seria aceitável, a informação escapa fora de hora para a imprensa. Às vezes, é só boato. Outras, a mais pura verdade. Gera constrangimento. Ninguém é responsável. Todos ficam incomodados.

Diferenças

De um lado, o investidor faz due diligence. De outro, o fundador conta tudo, abre os livros e o coração. Fala dos sucessos e dos fracassos, expõe as vulnerabilidades da empresa. Além disso, confere a reputação do possível sócio investidor. Os dois, a essa altura, conhecem bastante coisa um do outro.

Diante das minutas dos contratos, o fundador fica aflito. Quer saber: 1) se a convivência entre sócios será harmônica e as diferenças serão resolvidas com respeito mútuo; 2) se seus interesses patrimoniais serão preservados em futuras capitalizações; 3) se haverá alinhamento entre os sócios em relação à estratégia e à perenidade da empresa; 4) se ele não será obrigado a vender a empresa quando o investidor quiser sem que essa seja sua vontade; 5) se será fácil desfazer o negócio caso a relação entre sócios deteriore.

Igualmente, por sua vez, passa pela cabeça do investidor a dúvida se o fundador: 1) falou a verdade a respeito dos parâmetros de resultado operacional que serviram de base para a construção da tese de investimento e do modelo de avaliação; 2) cumprirá as regras contratadas em matéria de direitos políticos, de fiscalização e mecanismos de saída e liquidez; 3) honrará a obrigação de indenizar por prejuízos decorrentes de atos anteriores ao ingresso do investidor; 4) concordará em ter a opinião do investidor em assuntos relevantes e estratégicos da empresa; 5) terá amor incondicional à empresa a ponto de impedir uma venda a terceiros no futuro.

As angústias de um e de outro geram tensão na escolha de cada palavra a respeito desses assuntos nos contratos. A relação entre sócios tem início na capacidade que cada um demonstra de ceder uma palavra preferida em favor da palavra desejada pelo outro. Todo o esforço das partes é justificado na busca pelo consenso. Obviamente, sempre que isso se mostrar possível e aceitável no contexto da negociação e para permitir que uma transação ocorra.

Em nossa prática profissional, temos cada vez mais que nos descolar do perfil do advogado antigo e deixar as pessoas à vontade com o nosso trabalho. E isso tem que acontecer, como em toda e qualquer relação de confiança, com naturalidade.

Os contratos somente são assinados quando um confia no outro. A credibilidade dos assessores e interlocutores das partes ajuda muito na dinâmica desse processo de conquista da confiança mútua.

Por essas e outras é que em private equity existe uma pergunta-chave que define o sucesso ou o fracasso de uma transação: em quem o nosso cliente pode confiar?

A questão da confiança sempre fica buzinando, sem solução, e a dúvida cutuca forte especialmente na hora da negociação dos contratos definitivos — o acordo de investimento e o acordo de acionistas — e continua por todo o ciclo do investimento.

Para julgar se a pessoa é confiável, o máximo que alguém pode dar é uma opinião. Puro palpite. Não tem ciência. A pergunta não é técnica. Envolve percepção, intuição, leitura de sinais, olhos no olhos, atributos subjetivos em relação ao comportamento e aos valores éticos das pessoas. Até os mais experientes às vezes erram feio nesse julgamento.Nem sempre um cliente nos pede opinião fora do que seja matéria de natureza jurídica, mas não é raro que nos peça para palpitar sobre questões humanas que envolvem a relação de confiança entre sócios.

É muito gratificante quando um cliente nos pergunta se dá para confiar no futuro sócio antes de assinar os contratos definitivos. Quando isso acontece, temos que estar preparados e sensíveis para perceber a extensão dessa dúvida e o nível de conforto que o nosso cliente espera. Sinal de confiança no advogado. Prova de que o advogado que atua com private equity também tem os seus dias de vidente.


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