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Viagem ao passado
Ney Carvalho

, Viagem ao passado, Capital Aberto

 

A partir de 2003, e ao longo de suas 100 primeiras edições, a CAPITAL ABERTO repercutiu, analisou e aprofundou as discussões sobre os principais fatos do mercado de capitais. Antes disso, muitas outras águas rolaram, mas sobre elas não tivemos o privilégio de escrever. Para celebrar nossa centésima edição, e numa modesta tentativa de registrar os tempos pregressos, editamos o livro 100 Personalidades da História do Mercado de Capitais Brasileiro, que circula neste mês, para assinantes, junto com a revista de dezembro.

A obra começa com D. João VI, responsável pela oferta pública de ações que criou o Banco do Brasil, a primeira do País. Passa, então, a discorrer acerca de empreendedores, banqueiros, investidores, autoridades e outras personalidades que, ao longo dos séculos 19 e 20 e do início do 21, estiveram à frente de iniciativas cujos resultados se tornariam um marco na história do mercado, para o bem ou para o mal. O ex–corretor de valores e pesquisador Ney Carvalho, autor da coluna Memórias da CAPITAL ABERTO e profundo conhecedor da história do mercado de capitais brasileiro, aceitou nosso convite e escreveu sobre as personalidades do século 19 e de boa parte do 20. A seguir, confira uma entrevista com Carvalho a respeito das origens das sociedades de capital aberto e a evolução de suas captações públicas.

CAPITAL ABERTO: Quando começou a história do mercado de capitais no Brasil?

NEY CARVALHO: A subscrição pública para criação do Banco do Brasil, promovida por D. João VI , em 1808, foi a primeira operação de mercado. Ele teve muitos problemas para fazer a capitalização. Depois de nove anos, conseguiu obter apenas duas ou três centenas de acionistas. Diante da dificuldade, começou a outorgar condecorações, acreditando, assim, animar as pessoas a participarem da oferta. Eram 2 mil ações, mas ele só alcançou a subscrição para 120 inicialmente. E quem comprou fez isso apenas para agradar D. João VI. Foi um fracasso.

, Viagem ao passado, Capital AbertoA estratégia de iniciar uma companhia a partir do mercado de ações já era bastante usada em Portugal?

Sim, lá já existia essa tradição e, inclusive, os portugueses já haviam captado recursos no Brasil. Nos anos 1750, foram fundadas, em Lisboa, a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba e a Companhia Geral do Grão–Pará e Maranhão, ambas com o objetivo de monopolizar o comércio e a navegação entre a metrópole portuguesa e suas respectivas capitanias. A Companhia de Pernambuco e Paraíba foi a primeira sociedade anônima de capital aberto a captar recursos em território brasileiro.

Quando começaram as negociações de ações em bolsa de valores?

As operações propriamente ditas começaram por volta de 1835. A Bolsa do Rio havia sido inaugurada em 1819, mas, até então, era uma bolsa de mercadorias, que não negociava ações de empresas. Monte do Socorro, Montepio Geral do Brasil e Cia. de Gôndolas foram algumas das primeiras empresas negociadas na Bolsa do Rio.

Como o senhor escolheu as personalidades mais antigas do livro?

Houve um lançamento de títulos do tesouro em 1828 que me serviu de ponto de partida. Ele foi subscrito por três pessoas, das quais duas eram notórias: o Conde de Itamaraty e o Conde de Bonfim. Depois veio o Visconde de Sepetiba, que era um estadista, mas que também se metia em negócios. Em 1837, ele lançou quatro empresas na bolsa em apenas seis meses. Depois do Sepetiba, não houve mais novidades até os anos 1850, quando o Barão de Mauá começou a atuar como o maior banqueiro de investimentos de sua época.

É possível visualizarmos a personalidade mais importante dessas primeiras décadas?

O Mauá, sem dúvida nenhuma. Todos os negócios dele foram iniciados a partir de um lançamento de ações ao mercado. Ele criou várias empresas durante a década de 1850.

E quem participava das subscrições públicas?

Eram as pessoas abastadas e os comerciantes. Aquele era um mercado de indivíduos, não havia instituições. E os bancos também tomavam alguns papéis.

Existia a figura do intermediador?

Não havia a figura do banqueiro de investimentos como a conhecemos hoje. O Mauá pode ser entendido como o maior banqueiro do século 19, mas sua figura era muito mais a de um empreendedor que a de um banqueiro. Tinha tanto prestígio que o que ele recomendasse o mercado comprava. Mesmo assim, enfrentava dificuldades para capitalizar as companhias.

Qual era a inspiração de Mauá?

Era a Inglaterra. Ele possuía formação britânica e conhecia muito bem aquele país. Assim como ele, todos os outros empresários que se capitalizavam no mercado inspiravam–se no modelo inglês de subscrição pública.

As empresas que eles formavam tinham acionista controlador?

Não, pelo contrário. Eram todas de capital pulverizado. Na época, não predominava a figura do empresário, que se vê como dono, mas sim a do empreendedor. O que eles queriam era alavancar negócios e fazer dinheiro com eles. Ninguém pensava em ser dono, e todas as ações tinham direito a voto. Naquele tempo, já existiam algumas das poison pills que vemos atualmente. Nos estatutos sociais, havia limitações ao direito de voto para evitar a formação de maiorias. As diretorias eram eleitas pelo voto direto dos acionistas, em assembleias gerais concorridas. Muitas vezes, o empreendedor que dava origem ao negócio nem participava da administração.

Depois de feita a primeira oferta, esses empreendedores voltavam ao mercado para novas distribuições de ações?

Não era muito comum. As empresas costumavam voltar, sim, mas emitindo debêntures. O mercado de dívida, aliás, era mais importante que o de ações. No geral, o mercado de capitais foi muito pujante até a 1ª Guerra Mundial. Era um mercado imenso.

Em que momento o mercado de capitais entrou em declínio?

Foi a partir da Primeira Guerra Mundial. Os investidores se retraíram e as fontes de financiamento secaram. Abriu–se espaço para visões nazistas e fascistas de poder, que eram o oposto da filosofia de democracia societária existente até então.

Aí é que a visão do empreendedor foi substituída pela do acionista que quer ter o controle?

Sim, essa visão começou a se disseminar a partir dos anos 1920. O espírito do capital pulverizado, que era bem característico da Revolução Industrial, começou a dar lugar a uma visão mais patrimonialista, estimulada pelas dificuldades econômicas e pelas ditaduras políticas. Getúlio Vargas, em 1932, logo após a implantação da sua ditadura, assinou o Decreto 21.536, que criava a figura jurídica das ações sem voto no direito brasileiro. A medida atendia a um pleito de empresários que queriam controlar as empresas com o mínimo de investimento possível. Era a transposição para o mundo empresarial da visão fascista que imperava na época.

A ação preferencial foi, então, fundamental nessa mudança de cultura?

Sem dúvida. Até a década de 1920 tudo era bem diferente. Basta verificar dois exemplos daquela época que resistiram até pouco tempo atrás na Bolsa: a White Martins e a Cia. de Tecidos Nova América. Ambas não tinham ações preferenciais. A ação sem voto foi essencial para criar o acionista controlador. Se não houvesse essa opção, certamente as empresas continuariam a surgir nos moldes que vigoravam desde meados do século 19.

Por que os investidores institucionais demoraram tanto a aparecer?

Esse movimento poderia ter começado bem antes, mas foi atrasado pelo governo de Getúlio Vargas. Ele criou as primeiras poupanças públicas obrigatórias no Brasil — como o atual INSS, por exemplo —, mas os gestores dessas poupanças só podiam aplicar em imóveis, empréstimos aos segurados e títulos do governo federal. Getúlio proibiu o investimento desse dinheiro no mercado de ações. Na verdade, abriu apenas uma exceção, durante a subscrição da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Getúlio não entendia o mercado de ações. Além de uns poucos fundos de investimento abertos, o Brasil só conseguiu ter investidores institucionais graças ao corporativismo dos funcionários das estatais, que criaram os fundos de pensão.

Quais os principais atrasos da história do mercado?

O período de Getúlio, ao meu ver, foi o maior dos atrasos. Além disso, o crescimento do Estado sobre a economia durante o período militar também deteriorou muito as coisas. E nas privatizações perdemos uma oportunidade importante de pulverizar as ações das companhias. Achavam que não, mas a verdade é que o mercado teria dado conta de absorver os papéis.

E os principais acertos?

O mercado de capitais brasileiro só começou a dar certo depois do Novo Mercado. O hiato do século 20 foi muito grande. As reformas de 1965 não adiantaram nada. A criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Lei das S.As. foi importante, mas, na prática, elas não revitalizaram o mercado. O mercado só começou a deslanchar quando a Bovespa estabeleceu o Novo Mercado. Foi pelas mãos da iniciativa privada, e não pela lei, que o mercado voltou a existir.

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