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O regresso
A luta dos sócios do BTG Pactual para resgatar a confiança dos clientes e fazer o banco sobreviver
Ilustração: Marco Mancini/Grau 180

Ilustração: Marco Mancini/Grau 180

A relação entre risco e retorno é um dos princípios básicos de investimento. Quanto mais audaciosa a aposta, maior a chance de se obter um resultado acima da curva. Nos últimos anos, nenhuma outra instituição do setor bancário brasileiro ousou tanto quanto o BTG Pactual, fundado em outubro de 2008 por André Esteves. Um dos empresários mais badalados da última década, alçou o BTG às alturas. Quando ele abriu o capital do banco, em abril de 2012, a instituição chegou a valer R$ 27 bilhões na bolsa. Em setembro de 2014, esse número atingiu aproximadamente R$ 35 bilhões. O reinado de Esteves, entretanto, começou a sucumbir em 25 de novembro de 2015, quando o banqueiro foi preso pela Polícia Federal sob a acusação de que planejava obstruir as investigações da Operação Lava Jato, dedicada a apurar desvios de recursos em contratos da Petrobras. A reviravolta golpeou a vida pessoal de Esteves e o BTG Pactual. Os negócios estremeceram junto com a credibilidade de seu impetuoso fundador.

Na bolsa, o descrédito ficou evidente. Logo após o anúncio da detenção, as ações fecharam em queda de 21%, cotadas a R$ 23,56. A retração se acentuou em 7 de dezembro, quando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou denúncia contra o banqueiro. Três dias depois, o preço dos papéis recuava ao piso de R$ 11,68. Desde então, o BTG mergulhou em uma profunda reestruturação. Vendedores do talento de recuperar empresas e ganhar dinheiro com isso, os sócios do banco tiveram de provar saber como se salvar. E rápido.

Com o afastamento forçado de Esteves do cargo de CEO, Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central e um dos fundadores do BTG, foi nomeado chairman em 29 de novembro. Marcelo Kalim e Roberto Sallouti (respectivamente, diretor financeiro e chefe da divisão de gestão de ativos do banco) viraram coCEOs. Ativando uma cláusula societária concebida para o caso de indisponibilidade do acionista, os sócios tiraram Esteves do posto de controlador. Em 2 de dezembro, com base no dispositivo, as ações ordinárias do banqueiro foram transferidas para os chamados “top seven partners” — grupo que reúne os sete principais executivos do banco. Eles tomaram para si o leme do BTG.

Os novos controladores exibiram surpreendente agilidade. Em 4 de dezembro, apenas nove dias depois do anúncio da prisão de Esteves, já tinham fechado um acordo com o Fundo Garantidor de Crédito para a disponibilização imediata de uma linha de assistência financeira de até R$ 6 bilhões. O dinheiro visava proteger a instituição contra uma perda de liquidez no curto prazo. Eles também empreenderam um plano de captação de recursos por meio da venda de ativos. De dezembro até o início de abril, os desinvestimentos haviam gerado cerca de R$ 9,6 bilhões (veja infográfico). “Nossa posição de liquidez ao final de 2015 era mais confortável do que no dia 24 de novembro de 2015 [um dia antes do anúncio da detenção de Esteves]”, afirmou Kalim no material de divulgação do resultado do banco referente ao quarto trimestre do ano passado.

Outra decisão foi a diminuição da estrutura: a instituição enxugou custos e demitiu 305 dos 1.653 funcionários no Brasil. O BTG encerrou 2015 com R$ 266,1 bilhões em ativos, um crescimento de 22% sobre o montante registrado em 2014 (R$ 218,3 bilhões), mas 12% abaixo do contabilizado no fim de setembro de 2015, último balanço entregue com Esteves no comando. As medidas colocadas em prática pela nova gestão acalmaram os ânimos dos clientes.

Alívio

Quando divulgada a prisão de Esteves, o pânico foi grande. Para se ter uma ideia, nos cinco primeiros dias, as gestoras de recursos do grupo BTG perderam R$ 10,9 bilhões em patrimônio líquido. Os resgates contribuíram para que, em 8 de abril deste ano, o valor dos ativos sob gestão atingisse R$ 41,3 bilhões, metade dos R$ 82,5 bilhões geridos em 24 de novembro de 2015, segundo dados da provedora de informações financeiras Quantum. A rapidez com que os resgates foram feitos surpreendeu inclusive os principais concorrentes do BTG, que não tiveram nem tempo de se preparar para aproveitar o movimento. Passados quase cinco meses desde a debandada de recursos, a situação parece estabilizada. O patrimônio líquido dos fundos do BTG se mantém na faixa de R$ 40 bilhões a R$ 42 bilhões desde a segunda quinzena de março.

Os títulos de dívida da instituição também foram impactados. Os bonds com vencimento em 2022 e cupom de 5,75%, em dólares, por exemplo, chegaram a ser negociados, após a prisão de Esteves, a 45% de seu valor de face, com retorno (yield) de 22% ao ano. Como comparação, no melhor momento dos últimos 12 meses, o mesmo título era negociado a 94% do valor de face e uma taxa de 6,46%. “Os bonds do BTG ainda apresentam desconto superior ao de títulos emitidos por outras companhias brasileiras, mas o mercado está aceitando bem as novas condições do banco”, avalia o coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV, William Eid. Tanto isso é verdade que, em 11 de abril, o valor de face do título havia se recuperado, atingindo 78%. O yield, entretanto, ainda estava acima de dois dígitos, em 10,3%. “A princípio, parece que o pior já passou. O afastamento de Esteves ocorreu de forma adequada, inteligente e rápida”, elogia Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating. “Ninguém pode ser insubstituível”, reforça. Se havia alguma dúvida, a cúpula do BTG comprovou ter plena condição de tocar o banco sem Esteves.

Volta às origens

Isso não quer dizer, todavia, que os negócios tenham voltado à normalidade. Segundo uma fonte que atua no segmento de dívida, o banco foi praticamente excluído do grupo de instituições coordenadoras de emissões de debêntures. Além disso, os clientes têm se mostrado resistentes em contratar o banco como mandatário na assessoria de fusões e aquisições (M&A). Dados da Cetip mostram que o BTG atuou como coordenador em apenas uma oferta de debêntures neste ano (até 14 de abril), enquanto Bradesco BBI e Itaú BBA participaram de quatro emissões e Santander e Banco do Brasil de três. “Diversas operações do BTG que estavam no pipeline foram suspensas. O momento é de colocar a casa em ordem e conviver com uma estrutura bem menor do que a anterior”, comenta outra fonte.

A gestão conservadora adotada após a prisão do fundador faz lembrar as origens do BTG, quando atuava exclusivamente como banco de investimento. Foi somente após 2010 que a instituição ganhou musculatura para diversificar os negócios. Naquele ano, o banco recebeu aporte de US$ 1,8 bilhão de fundos de investimento estrangeiros; já em 2012, abocanhou US$ 3,2 bilhões na oferta pública inicial de ações (IPO) realizada na BM&FBovespa.

Com o caixa forrado, Esteves teve a oportunidade de engajar o BTG na atividade que mais lhe renderia dores de cabeça: a compra de participações em empresas, diretamente ou por meio de fundos. A estratégia envolveu o banco em negócios problemáticos e também o aproximou do governo federal. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em março de 2013, Esteves explicou o porquê de investir em private equity. “Nosso papel é ser o óleo da engrenagem da economia brasileira. No fundo, o fato de sermos um BNDES eficiente e privado é muito útil para a economia brasileira. Quando a economia americana passou pelo mesmo estágio, há 50 anos, os Morgan e os Rothschild exerceram esse papel. Nós nos desacostumamos no Brasil a ter um banco de investimento que investe”, disse na ocasião.

A iniciativa levou o BTG a se meter em enrascadas, algumas delas na companhia do governo federal. Em 2011, por exemplo, o banco ingressou na recém-criada Sete Brasil, empresa responsável por fabricar e gerir as sondas destinadas à exploração do pré-sal pela Petrobras. O BTG chegou a ser o maior acionista da empresa em 2013, quando detinha cerca de 27% do fundo de investimento em participação (FIP) Sondas, que controla a companhia. O veículo também tem como cotistas Petrobras, Funcef, Petros, Previ, Valia, Santander, Bradesco e FI-FGTS. Atualmente, imersa em dívidas e com obras estagnadas por causa de corrupção descoberta pela Lava Jato, a Sete Brasil busca alternativas para evitar uma situação de recuperação judicial. Em maio do ano passado, o BTG anunciou uma baixa contábil de aproximadamente 25% (o equivalente R$ 280 milhões) do total investido na empresa (R$ 1,118 bilhão).

Mais um negócio envolvendo a Petrobras foi a compra de metade dos ativos de exploração e produção da petroleira na África (PetroAfrica), em junho de 2013, por US$ 1,5 bilhão. O valor foi bastante inferior ao que a estatal havia anunciado que poderia arrecadar com a venda antes da negociação com o banco — a estimativa era de levantar cerca de US$ 5 bilhões. Tamanha diferença gerou boatos sobre possíveis negociações escusas entre o BTG e o governo. Agora o banco cogita se desfazer desses ativos para angariar recursos.

Sem surpresa

Apesar das desconfianças, Esteves nunca demonstrou pudor em dizer que mantinha uma ligação próxima com a cúpula de Brasília. Provavelmente por isso a aparição do nome do banqueiro na
20ª fase da Lava Jato não soou como surpresa para alguns. Esteves foi preso junto com o senador Delcídio do Amaral, então líder do governo petista no Senado. O político também é acusado de tentar obstruir as investigações.

A base para a prisão foi uma gravação feita por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da área internacional da petroleira Nestor Cerveró, detido em janeiro de 2015 por ter supostamente recebido propina para fechar contratos da Petrobras. Nos diálogos gravados sem que Delcídio percebesse, o senador oferece uma rota de fuga para o exterior e uma mesada de R$ 50 mil à família de Cerveró — financiados por Esteves — em troca da garantia de que o ex-diretor da Petrobras não citaria o seu nome e o do banqueiro em acordo de delação premiada. Além disso, Esteves teria visto os termos da delação premiada que o ex-executivo da estatal pretendia aprovar.

Diante das acusações, o BTG, mais uma vez, agiu rápido. Ainda em dezembro, encomendou uma auditoria interna, cujos resultados foram divulgados no início de abril. As investigações foram conduzidas pelos escritórios de advocacia Quinn Emanuel, dos Estados Unidos, e pelo brasileiro Veirano Advogados. Também participaram KPMG e Berkeley Research Group (BRG). O grupo examinou cerca de 430 mil documentos e entrevistou executivos e funcionários do banco.

Capa - Tabela

O trabalho concluiu que “não existem indícios que apontem que Esteves, BTG Pactual ou quaisquer de seus funcionários participaram em atos ilícitos ou de corrupção”. Particularmente em relação à aquisição da PetroAfrica, o documento afirma que a compra se “deu por meio de um leilão realizado em plenas condições de mercado” e que o banco apresentou “a proposta mais atraente”. Sobre a Sete Brasil, o relatório diz não haver indícios de que o “BTG tinha ciência ou foi conivente com a prática de atos de corrupção”. O resultado da auditoria rechaça ainda a suspeita de que o banco tenha feito pagamentos irregulares a políticos para se beneficiar.

Diamante rachado

O resultado da investigação interna abre a perspectiva de que Esteves possa ser inocentado e, com isso, retorne ao banco. As chances de o empresário voltar às suas atividades no BTG aumentaram desde o dia 25 de abril, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki atendeu pedido liminar feito pelos advogados de Esteves e revogou medidas cautelares de restrição de liberdade impostas ao banqueiro, além de tê-lo dispensado da obrigação de se apresentar quinzenalmente à Justiça. A 2ª Turma do STF ainda vai avaliar o mérito da decisão, mas não há previsão de quando isso ocorrerá.

Desde que saiu do presídio de Bangu, no Rio de Janeiro, em 18 de dezembro, Esteves permanecia em recolhimento domiciliar integral, cumprindo determinação de Zavascki. Pelas regras do recolhimento, o empresário não estava autorizado a ingressar no BTG ou em estabelecimentos que mantivessem relações com o banco. Procurado pela reportagem, Esteves preferiu “manter-se em silêncio em respeito ao STF”.

Embora não seja mais controlador da instituição, Esteves ainda é seu maior acionista individual. Na permuta em que suas ações ordinárias foram transferidas, ele recebeu ações sem direito a voto correspondentes a 28% do capital social. Caso seja considerado inocente pela Justiça, ele terá as portas abertas para voltar ao BTG Pactual, um banco sobrevivente, mas menos valioso do que aquele que deixou a caminho de Bangu — em 14 de abril, as ações eram negociadas a R$ 18,95, valor 36,47% abaixo do registrado no dia anterior à prisão. A pergunta ainda sem resposta é se o BTG voltará a ter o tamanho e o prestígio de antes. O consenso é de que, seja qual for o futuro, o banco nunca mais será o mesmo.


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