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Research estratégico
Depois de anos fora do jogo, áreas de pesquisa se tornam um diferencial para as corretoras — ou melhor, para os bancos de investimento

Uma das grandes vítimas das estações de estiagem do mercado de capitais brasileiro, senão a maior, foram os analistas do sell side, integrantes das equipes de venda das corretoras de valores mobiliários. Durante as crises que se sucederam desde a década de 90, esses profissionais eram os primeiros a serem colocados no olho da rua. Hoje, a história é bem diferente. A sobra de vagas nas corretoras não é o único fato a ser comemorado. De figuras abandonadas, eles se tornaram peça estratégica no posicionamento de bancos de investimento. Na disputa por mandatos para a coordenação das ofertas iniciais de ações (IPOs), uma equipe qualificada de analistas para garantir a exposição da empresa a investidores representa valiosos (e até definitivos) pontos a favor.

Não é à toa que os bancos vêm ampliando suas áreas de pesquisa. A corretora do Banco Fator espera faturar 37% a mais este ano, saindo dos R$ 89 milhões obtidos em 2006 para R$ 122 milhões, segundo o diretor Antonio Milano. Com o caixa cheio, pretende acrescentar sete profissionais à equipe composta hoje por 13 analistas. Não faltará trabalho a essa turma, pois 50 novas companhias passarão a ser cobertas ao lado das atuais 97. É claro que a multiplicação de empresas listadas em bolsa é uma ótima razão para as contratações. Mas não é a mais estratégica. Com o incremento do departamento técnico, o Fator espera construir sua vitrine para atrair contratos de coordenação de ofertas públicas.

“As empresas procuram instituições que tenham uma boa equipe de análise, boa reputação e grande capacidade de atingir clientes”, diz Milano. A participação do Fator nesse segmento ainda é pequena. O banco atuou como coordenador contratado em quatro operações em 2006 e em dez até outubro. Os resultados gerados representam meros 2% da receita da corretora como um todo, mas isso parece não preocupar. “O importante para nós é construirmos uma expertise como a dos coordenadores-líderes”, explica o diretor.

APOSTA ANTIGA — Curiosamente, os principais competidores do mercado de emissões de ações são aqueles que mantiveram ativas suas casas de pesquisa no mais recente período tenebroso, entre 2000 e 2002. “Credit Suisse, UBS Pactual e Itaú BBA perceberam uma possibilidade de recuperação no período de vacas magras”, diz Reginaldo Alexandre, vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais de São Paulo (Apimec SP). “O fato é que, de lá para cá, tomaram a dianteira.”

Alexandre se recorda do tempo em que montou a primeira equipe de análise da Itaú Corretora, em 2000. A casa era uma discount broker até então — corretora que, no jargão do mercado, é focada em execução e não oferece pesquisas, o oposto das research brokers. Como a época era desfavorável, essa área do Itaú permaneceu às moscas, mesmo com a nova configuração. A virada veio com a aquisição do BBA, que trouxe mais analistas e deu origem ao banco de investimento do grupo. Grande parte do sucesso do Itaú BBA nos lançamentos de títulos se deve ao trabalho do sell side do banco. “Você não consegue um IPO se for uma discount broker”, afirma o presidente da Itaú Corretora, Roberto Nishikawa.

Como se sabe, a maior parcela dos participantes dos IPOs brasileiros é composta por estrangeiros. Para não ficarem em desvantagem com os internacionais UBS Pactual e Credit Suisse, os bancos também precisam colocar sua força de vendas lá fora. A Itaú Corretora abriu a unidade de Nova York em 2002. No ano seguinte, foi a vez de Londres e, em 2006, de Hong Kong. O mesmo fenômeno de internacionalização se observa na Bradesco Corretora, que já mantém um escritório na Big Apple, anunciou a inauguração de outro na capital britânica e mira a Ásia.

O crescimento do público-alvo das análises é uma questão de necessidade. O desenvolvimento das áreas de pesquisa acarreta custos e torna urgente o aumento de escala. No Bradesco, essa situação é nítida. Antes da constituição do Bradesco Banco de Investimento (BBI), em fevereiro de 2006, a palavra research passava longe do maior banco privado do País. Mas, para o BBI engatar, foi preciso investir em pesquisa. O departamento de research recebeu atenção especial a partir deste ano, quando o número de analistas subiu de 9 para 25. Os relatórios passaram a ser produzidos em português e inglês. “A qualidade da pesquisa foi inteiramente remodelada para que pudéssemos competir com os bancos de primeira linha”, diz Luiz Galvão, diretor de renda variável do BBI, a quem se reporta a equipe de análise.

No caso do Banco Espírito Santo (BES), a transformação do departamento técnico em uma research house, no fim de 2006, foi um alinhamento com as práticas da instituição financeira de origem portuguesa na Europa. Gilberto Souza, diretor responsável pela área de pesquisa da BES Securities, nega que a mudança tenha sido uma estratégia do banco de investimento para ganhar espaço no mercado de IPOs. No entanto, sem essa guinada, o BES fatalmente perderia espaço para a concorrência.

O envolvimento do sell side com o banco de investimento potencializa um sério conflito de interesses. Como assegurar a independência do research?

RELAÇÃO DELICADA — Apresentar a equipe de análise como um diferencial às empresas que desejam abrir o capital tornou-se, assim, uma tática comum entre os bancos candidatos a coordenadores. Porém, a sintonia fina entre as áreas de pesquisa e de banco de investimento também desperta preocupações. Não se pode esquecer que esse envolvimento do sell side com as operações de bancos de investimento potencializa um sério conflito de interesses. Como assegurar a independência do produto research quando o analista avalia uma oferta conduzida por um banco ao qual sua corretora pertence? Pode-se questionar também a autonomia da avaliação após a operação: estaria o analista numa posição confortável para alterar uma recomendação feita antes da oferta?

“O conflito sempre existe”, diz Carlos Alberto Rebello, superintendente de Registro da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Se constatado algum favorecimento ao banco de investimento, a análise pode virar objeto de investigação da autarquia. Contudo, Rebello acredita que a conduta do analista nessas circunstâncias deve ser pautada por sua própria consciência. Há quem defenda uma postura linha-dura da CVM nesse tipo de episódio. Para Lucy Sousa, presidente da Apimec SP, deveria haver instrumentos regulatórios que separassem totalmente os bancos de investimento e as equipes de análise. “O analista não pode atender a vários fins”, diz.

As corretoras, por sua vez, alegam cultivar a independência na análise. Seu principal argumento é de que dependem da credibilidade para sobreviver no mercado. “Se eu mentir para o meu cliente e mandá-lo comprar algo que não deveria, posso perdê-lo no dia seguinte”, diz Gilberto Souza. Antonio Milano, da Fator Corretora, segue o mesmo raciocínio. “Se o investidor se sentir enganado, ele nunca mais voltará para a corretora”, afirma. Outra forma de garantir a isenção do analista são as políticas de remuneração. Na Fator, os bônus não estão vinculados aos resultados das ofertas. As variáveis para esse tipo de premiação são números de acertos em recomendações, quantidade de empresas acompanhadas e qualidade na análise.

A aproximação entre analistas e bancos de investimento não enseja apenas conflitos de interesse. A quebra de algumas normas da CVM é corriqueira. Um exemplo clássico são os encontros de analistas com investidores antes da oferta de determinada empresa, nos chamados road shows. Pela Instrução 400, qualquer material exposto ao investidor nessas reuniões deve ser submetido ao regulador. Mas nem sempre isso acontece. Uma fonte ligada a uma grande corretora afirmou à CAPITAL ABERTO que costuma elaborar apresentações com os pontos negativos e positivos de uma oferta somente para os investidores institucionais presentes nos encontros. A informação não passa antes pela CVM. “Todos os bancos fazem isso”, justifica a fonte.

A dificuldade em provar irregularidades como essa contribui para a aparente tolerância no Brasil quanto a eventuais desvios de comportamento das equipes de análise. Afinal, gostem ou não, os investidores dependem delas para obter avaliações de empresas. Uma possível saída seria recorrer a casas de research não ligadas aos grandes bancos. Mas esse modelo de negócios é limitado por aqui. Em primeiro lugar, seria preciso torná-lo viável economicamente. “O mercado ainda é muito pequeno”, diz Gilberto Biojone, diretor-superintendente da Associação Nacional das Corretoras de Valores, Câmbio e Mercadorias. “A quantidade de informações que se pode conseguir hoje gratuitamente é tanta que as casas teriam de se diferenciar com produtos sofisticados”, comenta Reginaldo Alexandre, da Apimec.

Cabe lembrar que, nos Estados Unidos, as casas de pesquisa realmente independentes, desvinculadas de outras instituições, foram impulsionadas devido a escândalos corporativos. A Securities and Exchange Commission (SEC) e as entidades de auto-regulação aplicaram pesadas multas a dez bancos de investimento quando descobriram suas relações promíscuas com equipes de análise. Em 2003, os bancos condenados foram obrigados a destinar US$ 432,5 milhões à compra de research de empresas independentes durante cinco anos, como forma de estimular esse segmento. Às vezes, é mesmo preciso escancarar os problemas para ver surgir as soluções.


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