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Questão de ética
De carona nas idéias de Higgs, propomos uma reflexão: seria a hora de os conselheiros de administração adotarem padrões para inibir os conflitos de interesse que emergem do cargo?

Há não muito tempo, quando se pensava em conselheiros de administração, um dos tópicos mais freqüentes era o que se referia à sua independência. Considerados essenciais para garantir os interesses dos acionistas e prevenir os chamados conflitos de agência, os profissionais não ligados aos administradores ou aos controladores entraram na pauta de reivindicações de investidores de todo o mundo. Agora, posto que este capítulo parece consolidado, as agendas de governança corporativa já começam a sinalizar os próximos desafios. Um deles são os potenciais conflitos de interesse que emergem da atuação dos conselheiros. 

O debate ganha força lá fora, e as propostas de soluções também. Na Inglaterra, onde o modelo de governança é do tipo “comply or explain” (segundo o qual uma companhia que não adotar uma determinada prática recomendada deve justificar a razão), já se começa a aventar o estabelecimento de um período de quarentena aos conselheiros de administração, semelhante à restrição imposta a funcionários de bancos centrais ou órgãos do governo. A sugestão foi apresentada num encontro para conselheiros organizado em junho pela Associação Britânica de Seguradoras. Quem lançou a idéia foi ninguém menos do que Derek Higgs, uma das maiores autoridades em governança corporativa do Reino Unido e autor do Higgs Report, cujas recomendações para a formação dos conselhos e a atuação de conselheiros independentes foram adotadas em 2003 pelo código de boas práticas britânico, o Combined Code. 

A quarentena seria uma forma de driblar um tipo de situação cada vez mais comum naquele mercado: a contratação de antigos conselheiros de administração como consultores seniores de grandes bancos de investimento. Os profissionais mais assediados costumam ser ex-conselheiros de companhias clientes desses bancos e, em alguns casos, de concorrentes de clientes. Higgs enxerga nessa tendência um tremendo catalisador de conflitos de interesses. A seleção das instituições financeiras que as companhias contratam para coordenar suas operações de mercado passa necessariamente pela aprovação final do conselho. A garantia de um posto como consultor no fim do mandato poderia influenciar a decisão do conselheiro e funcionar como uma espécie de passe livre para bancos fecharem contratos lucrativos junto àquela companhia. 

Além da quarentena, Higgs, hoje presidente do conselho do banco Alliance & Leicester, propôs políticas rígidas para a contratação de bancos de investimento. E apontou como exemplo de conflito potencial o ingresso no UBS dos antigos presidentes dos conselhos da Vodafone e da Degussa, respectivamente Julian Horn-Smith e Uwe-Ernst Bufe, em abril deste ano. As duas empresas eram clientes de longa data da instituição financeira suíça, que coordenou várias de suas operações na época em que Smith e Bufe estavam à frente dos conselhos. 

PRIVILEGIANDO A ÉTICA — Seria hora de criar um novo código, dirigido somente para conselheiros? Higgs descartou essa possibilidade. O professor e consultor de empresas Lélio Lauretti também dispensa a necessidade de criação de manuais de conduta específicos para um determinado nível hierárquico, pois eles contrariariam o princípio da eqüidade. “Se houver hierarquia, morre a ética”, afirma Lauretti, ressaltando que os códigos de conduta devem valer para todos, “do chairman ao porteiro na guarita da fábrica”. Isso porque o seu propósito primordial é o de melhorar o relacionamento entre as pessoas que trabalham na empresa, estabelecendo obrigações recíprocas. “A ética só está presente quando o poder concedido a um determinado indivíduo se reveste de responsabilidade”, completa o professor, para quem a dinâmica empresarial é naturalmente permeada de conflitos. 

“Precisamos evoluir da atual obsessão por leis para uma nova obsessão, a do respeito pelas leis e pelo interesse comum”

Lauretti não se opõe à criação de políticas de contratação de fornecedores para gerenciar questões como as vivenciadas no mercado britânico, pois reconhece que é preciso disciplinar conflitos inevitáveis e que possam comprometer o trabalho do conselho. “Os códigos tendem a melhorar a confiabilidade depositada numa determinada instituição ou órgão, mas o ideal seria não precisar de um conjunto de regras escritas para fazer prevalecer o interesse coletivo.” Para o consultor, “precisamos evoluir da atual obsessão por leis para uma nova obsessão, a do respeito pelas leis e pelo interesse comum”. 

Para o escocês Stewart Hamilton, professor de contabilidade e finanças do IMD — instituto internacional de desenvolvimento gerencial sediado em Lausanne, na Suíça — e estudioso da falência de grandes corporações, “a ética é o valor mais importante num ambiente com numerosas histórias de indivíduos que trocaram suas responsabilidades por dinheiro”. Ele defende que a melhor maneira de garantir a perenidade e o sucesso de uma companhia é a partir de um conselho de administração forte e independente. Cético quanto ao poder efetivo de códigos e regulamentações, Hamilton afirma que a independência não pode ser regulamentada ou legislada. “Ela é resultado de um posicionamento individual, da disposição em fazer perguntas duras e de até mesmo de deixar o cargo se não obtiver respostas satisfatórias.” 

Embora sustente que não é possível regulamentar a conduta do conselheiro de administração, o professor do IMD enumera algumas iniciativas simples que podem ajudar as companhias a disciplinar o funcionamento dos conselhos de administração. A primeira delas é ampliar o pool de aspirantes aos cargos e o envolvimento dos acionistas no processo de eleição dos conselheiros. “Se os acionistas não têm a possibilidade de votar efetivamente nos conselheiros, é mais difícil promover a diversificação e o aumento no número de potenciais candidatos”, diz Hamilton. A partir do momento em que os investidores passam a influenciar o processo de decisão e a ter o direito de apontar profissionais que consideram qualificados para a tarefa, a história muda. Esse aspecto é relevante para mercados como o norte-americano e está bem equacionado em outros países como o Reino Unido e o Brasil. 

A PROTEÇÃO DA LEI — Por aqui, a própria legislação pode dar conta de casos como os ocorridos na Vodafone e na Degussa, caso haja evidência de conflitos de interesse. Segundo Joaquim Muniz, sócio do escritório Trench Rossi e Watanabe Advogados, os dispositivos da Lei das S.As que tratam dos deveres de diligência e de lealdade permitiriam a acionistas reivindicar o ressarcimento de eventuais prejuízos advindos da contratação de fornecedores em condições muito diferentes das de mercado. O advogado também lembra que o artigo 156 da lei prevê, inclusive, a anulação de contratos firmados com aprovação de um conselheiro que tiver interesses conflitantes com os da companhia. “É prática corrente nas companhias brasileiras que conselheiros abram mão de votar questões em que são parte interessada, registrando em ata os motivos de sua abstenção”, diz Muniz. Essas situações são comuns em casos que envolvem a aquisição de uma empresa com a qual o conselheiro está vinculado (seja como acionista, executivo ou mesmo fornecedor) e nas aprovações de planos de remuneração variável quando o conselheiro também é executivo da empresa. 

Para o professor Stewart Hamilton, a prioridade dos conselhos em países como o Brasil, onde boa parte das companhias abertas conta com a figura do controlador, é assegurar a efetividade dos conselheiros independentes. Ele aponta o acesso às informações corporativas como o ponto principal: “Os dados necessários ao questionamento da estratégia devem ser enviados com a devida antecedência e em profundidade adequada”. A disponibilização de um funcionário que possa atender conselheiros não-executivos em busca de informações adicionais é outra prática recomendada. E, voltando à importância de ampliar o número de profissionais habilitados a assumir cargos em conselhos, Hamilton recomenda limitar tanto o número de conselhos em que se pode atuar simultaneamente quanto o número de mandatos consecutivos numa só empresa. Por fim, o professor chama os investidores à sua responsabilidade, dizendo que a eles cabe supervisionar todo o processo e, se necessário, punir as companhias onde ocorrerem desvios com a venda de suas ações.


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