Melhor não descuidar
As conquistas alcançadas em governança não eliminam os riscos de retrocesso

ed51_p50-51Novembro começou em clima de festa no âmbito da governança corporativa. O mais bem-sucedido IPO da história do País, protagonizado pela Bovespa Holding no fim de agosto, conferiu o tom para que entrássemos no mês em que se comemoram os 12 anos de ativismo em governança corporativa em plena celebração.Os históricos defensores da boa governança não conseguiam conter o sentimento de realização na festa que marcou o início da comercialização das ações da Bolsa. Não é para menos. Quem poderia imaginar, poucos anos atrás, que uma oferta inicial de ações acontecesse nessas proporções? Mais ainda, que este fosse o 56º IPO em um mesmo ano e representasse a 148ª empresa a listar ações entre os segmentos diferenciados de governança da própria Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a 86ª no Novo Mercado — o mais exigente deles?

Sem dúvida, os que comemoravam não deixaram de considerar os ventos muito favoráveis trazidos pela liquidez internacional, indispensável para o alcance dos contínuos recordes no mercado de capitais brasileiro. Ainda assim, isso não tirava da festa da Bovespa um visível sentimento de conquista, de dever cumprido. Nada mais apropriado. Afinal, os progressos alcançados no País são dignos dos festejos.

Um conjunto de fatores positivos e sinérgicos permitiu que vivêssemos um ciclo virtuoso na governança corporativa praticada no País até aqui. Na maior parte das iniciativas que contribuíram para o quadro atual, pessoas determinadas, persistentes e até mesmo teimosas fizeram a roda mudar de sentido e seguir para uma nova atitude empresarial, capaz de criar valor a partir dos princípios da boa governança.

O começo foi difícil, a ponto de conferir uma aura de pregadores aos ativistas pioneiros. Os cânones da boa governança eram vistos como totalmente improváveis para aquele ambiente de negócios. E os que buscavam convencer os distintos agentes de mercado eram tratados com certa ironia e vistos como um punhado de inocentes sonhadores querendo mudar o mundo com suas práticas de puro bom-mocismo. Na festa da Bovespa, esses mesmos pioneiros se lembravam do descrédito inicial de que os segmentos diferenciados pudessem vingar. Foi preciso muita resistência e convicção para insistir que a direção era correta e o prêmio estaria a caminho.

Do desconhecimento completo sobre o assunto, passamos a um processo de desenvolvimento e conscientização. Os resultados são palpáveis e, cada vez menos, questionáveis pelos céticos e resistentes de primeira hora.

Na história da introdução da boa governança, atribuo papel de protagonistas a algumas iniciativas em particular, como a criação, há 12 anos, de uma organização como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Simultaneamente aos seus congêneres do Hemisfério Norte, o instituto se transformou em um caso de sucesso cantado em verso e prosa aqui e no exterior. O primeiro Código de Boas Práticas de Governança da América Latina, o treinamento em governança que deverá alcançar a marca de 3 mil pessoas em breve, a capacidade de agregar mais de mil membros e o conjunto de documentos de governança produzidos são alguns dos elementos que retratam um caso de sucesso. Fez-se, assim, o instituto que ofereceria ao mercado a segurança de uma referência independente e reconhecida. Sua capacidade aglutinadora de esforços favoráveis à boa governança e seu papel de trazer a atenção para o tema foram fundamentais.

O mercado está atribuindo um prêmio à boa governança. Temos de vigiarpara que esse benefício seja efetivamente entregue a quem pagou por ele

Outra das iniciativas é a criação dos segmentos de listagem diferenciados pela Bovespa. Entre eles, o Novo Mercado, lançado em 2000, é o mais avançado modelo auto-regulatório da região e uma referência internacional. O samba e o futebol passaram a ter concorrência nas conversas sobre destaques brasileiros, ao menos nas rodas do mercado de capitais e de especialistas em governança corporativa. O mecanismo de adoção voluntária às boas práticas oferece regularmente uma medida do prêmio que se paga às empresas que a elas aderem. Desde que começou a ser contabilizado, em junho de 2001, o Índice Governança Corporativa (IGC) registrou rentabilidade acumulada 89% superior à do Ibovespa.

O terceiro grupo de iniciativas diz respeito à estrutura legal e sua capacidade de aplicação (enforcement). A reforma da Lei das S.As, em 2001, ficou longe do desejado, mas, ainda assim, representou avanços na proteção aos minoritários. Uma Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mais ativa, com marcação acirrada, tem demonstrado o efeito de um órgão regulador com mais autonomia e independência. Essa atuação vem conduzindo a disciplina interna de nosso mercado e resulta em credibilidade externa. Os desfechos de casos como Telemar e Arcelor-Mittal são indícios para os investidores internacionais de que, ao contrário do passado, as coisas realmente começam a mudar no Brasil.

Enquanto brindamos nossas conquistas, proponho uma reflexão: a despeito dos avanços, nossas exigências em relação aos padrões de governança de hoje e à forma como eles são aplicados vão assegurar a perpetuação dos bons resultados obtidos até aqui? Acredito que não. Os progressos conquistados não nos protegem de riscos resultantes de eventual inconsistência das práticas de governança adotadas.

Já se começa a notar alguma inquietação em relação à velocidade e ao volume de empresas que se anunciam prontas para compromissos como os exigidos pelo Novo Mercado. Claro que muitas delas o fazem depois de um maduro e longo processo de avanços na gestão que aprimorou sua governança. Assim, quando pensam no Novo Mercado, elas estão aptas a realizar os ajustes mais rapidamente. O que assusta é outro tipo de empresa, mais afoita e encantada com o canto da sereia das tais janelas de oportunidade. Equivocadas, essas não têm a dimensão exata do risco que correm e, principalmente, do risco que impõem a outros ao tentarem parecer prontas.

Essas empresas precisam ser advertidas e orientadas para que percebam que a implementação da boa governança requer amadurecimento das idéias, alinhamento de interesses, pré-requisitos de melhorias de gestão e, acima de tudo, atitude e compromisso verdadeiros com as novas práticas. Não se trata de riscar itens numa lista de tarefas e fazê-lo no menor tempo possível, apenas para criar valor no curto prazo.

O mercado está pagando um prêmio pela boa governança. Temos de estar vigilantes para que esse benefício seja efetivamente entregue a quem pagou por ele e a toda a rede de stakeholders (partes interessadas) que empenhou esforços e recursos, estimulada pelas práticas anunciadas. Todos nós precisamos ficar mais atentos e exigentes: reguladores, bolsa, bancos coordenadores de ofertas, investidores (em particular os institucionais), auditores, entidades, acionistas, conselheiros, executivos, consultores, advogados.

Nosso desafio é criar soluções de mercado, suportadas a seu tempo por incentivos e penalidades institucionais, para garantir que essas empresas entreguem a governança anunciada e que ela seja de qualidade e continuamente aperfeiçoada. Aos teimosos sonhadores de outrora se apresenta a tarefa de, uma vez mais, sair à frente para argumentar. Desta vez, não pelos elementos básicos da governança corporativa, mas por sua aplicação efetiva. Os tempos demandam rigor quanto à qualidade dessas práticas.


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