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O poder da oratória
Se falar em público já intimida muita gente, pior ainda quando a platéia é formada por investidores. Separamos aqui algumas dicas de como vender o seu peixe sem perder o rebolado ou dizer mais do que deve

ed49_p48-50Quem esteve na filial paulista da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) no início de julho pôde ouvir uma fábula curiosa sobre o poder da oratória durante o curso Apresentações para o Mercado, oferecido pela entidade a seus associados. Em sua primeira aula, Osório Cândido da Silva, professor de comunicação verbal para executivos, contou que, num mosteiro distante, alguns missionários estavam indignados com o fato de apenas um deles ter conseguido permissão para fumar no local. Quando questionado sobre tal regalia, o privilegiado explicou que o consentimento veio depois de ele ter feito um simples pedido ao mestre. Descontente, o grupo argumentou: “Também perguntamos a ele se poderíamos fumar enquanto meditávamos, e a resposta foi negativa”. E ele devolveu: “Pois eu disse que queria meditar enquanto fumava”.

Não há dúvidas. A forma como as coisas são ditas é capaz de mudar substancialmente a reação de qualquer ouvinte. Se o leitor transferir esse raciocínio para o mercado de capitais, enxergará o quanto a apresentação de uma companhia num road show ou numa reunião da Apimec tem o poder de influenciar a platéia de investidores. No mundo dos valores mobiliários, a arte de falar em público já não é mais nem um diferencial. Deixou de ser uma escolha para se transformar em necessidade.

Imagine, por exemplo, o desafio diário de um departamento de RI, cuja missão vai além de vender bem a empresa para um interlocutor qualificado. Num evento público ou mesmo em encontros mais reservados, esses profissionais têm de aprender a controlar sua eloqüência a fim de não deixar escapar uma informação privilegiada, como um guidance diferente do anunciado oficialmente ou algo que destoe da política da companhia.É preciso também discursar com segurança, vigor, precisão e carisma, e ter bom jogo de cintura para responder, na frente de todos, eventuais perguntas capciosas vindas de analistas e investidores.

“Conseguir esse resultado é uma obrigação da nossa área”, afirma o superintendente executivo de RI do Bradesco, Jean Philippe Leroy. “Faz parte do show”, acrescenta. Para ele, fora a responsabilidade de representar a instituição para a qual trabalha, o porta-voz de uma companhia de capital aberto deve ter habilidade para falar com diferentes perfis de espectadores. “Ora você se dirige a investidores pessoas físicas, ora a estrangeiros. Cada circunstância exige uma linguagem diferente para passar o mesmo recado.” Orador habitual, Leroy ensina que uma boa apresentação não é só fruto do conhecimento do assunto, mas também de muito treino. “Não nasci falando como o Silvio Santos”, brinca. Aos colegas, aconselha manter a calma sobre o púlpito e tentar, sempre que possível, conquistar a empatia da platéia.

Mas existem executivos que não seguem esses procedimentos? Sim, e muitos, na opinião de Lucy Sousa, presidente da Apimec-SP. Aliás, a idéia de realizar o curso citado no início desta reportagem veio exatamente depois de observar, nesses seis anos em que trabalha na associação, dezenas de palestras. “É bom lembrar que, quando se trata de uma companhia aberta, uma apresentação ruim pode significar um desconto no preço da ação”, diz a executiva. Entre as empresas que participam de reuniões organizadas pela associação, as estreantes na bolsa são as que mais cometem gafes. “Ao não conseguir responder uma dúvida relevante, o RI de uma companhia recém-aberta pediu que o interlocutor enviasse a pergunta por e-mail para, mais tarde, respondê-lo. Isso é uma forma de privilegiar a informação. O correto seria ele anunciar a seção do site onde o dado estaria disponível.”

ESCOLA DE ORATÓRIA — Geraldo Soares, superintendente de RI do Itaú, conta que o banco se preocupa tanto em desenvolver essa habilidade entre seus profissionais que os obriga a fazer apresentações internas, com o intuito de ensinar os membros de seu departamento a driblar a timidez, preparar um conteúdo alinhado com a conduta da instituição e lidar com o controle do tempo. “Por mais que, hoje, ainda não sejam escalados para falar em Apimecs ou road shows, é importante estarem preparados para quando sua vez chegar”, defende.

Perguntado se já passou por alguma saia-justa depois de visitar tantos palcos pelo mundo nesses oito anos de trabalho no Itaú, Soares confessa: “Certa vez, falei tão rápido que nem eu mesmo entendi”. Sem perder a pose, recuperou-se do escorregão de um modo descontraído, dizendo, para si mesmo, em voz alta: “Calma, Geraldo”. A platéia o retribuiu com um sorriso, e o incidente passou quase despercebido. Aliás, ninguém poderia esperar um desfecho diferente vindo de um profissional que costuma fazer, por mês, quase duas dúzias de apresentações no Brasil e no exterior.

Para os estreantes, porém, encarar um público de investidores não é tarefa fácil. “Quem disser que o grau de dificuldade numa apresentação é o mesmo antes da ida da companhia ao mercado e depois do IPO está mentindo”, avalia Ricardo Simões, diretor de RI da Copasa, que chegou à bolsa em fevereiro de 2006. Para esse tímido assumido — que já ensaiou a fala na frente do espelho e até hoje sente aquele frio na barriga diante de grandes platéias —, a cobrança vinda de analistas e investidores é maior. Se, antes, Simões falava com especialistas em saneamento, expondo assuntos mais técnicos sobre o uso do cloro, por exemplo, agora tem de adaptar seu discurso trazendo dados sobre o setor e uma dose extra de didatismo ao comentar a performance da empresa e os resultados financeiros. “O mercado não gosta de floreios”, adverte.

Na vez do estreante Rogério Furtado, diretor de RI da CR2 — que abriu o capital há cinco meses —, a diferença no tipo de discurso adotado antes e depois da ida à bolsa foi sentida nos cuidados para evitar a divulgação de dados inéditos. Apesar de já ter no currículo várias experiências em comunicação com o mercado, do tempo em que atuava como gestor de fundos, Furtado valoriza os conselhos dos bancos e dos advogados que coordenam a oferta. “Quem não adota essa precaução corre o risco de se empolgar ao falar da empresa, anunciando projeções sobre o futuro”, diz. “Eles nos ajudam a conter o ímpeto dos empreendedores mais exaltados.” Seu recado para quem ainda terá de passar por essa fase? “Vá direto ao assunto, pois terá 20, no máximo, 30 minutos para falar de seu negócio.

PALAVRA DE PROFESSOR — Mesmo com tantos relatos e dicas sobre as estratégias dos executivos para enfrentar os investidores, é possível que ainda existam profissionais sofrendo de insônia à medida que a data da primeira reunião da Apimec ou da agenda dos road shows se aproxima. Para os angustiados, o professor responsável pelo curso realizado na Apimec, Cândido da Silva, garante: a arte da oratória pode ser aprendida por qualquer um. Especialista em comunicação verbal nos programas de MBA da Business School São Paulo e da Fundação Instituto de Administração (FIA), ele tem conselhos valiosos (veja o quadro).

O principal deles é: se não estiver preparado, não fale. “Alguns executivos supõem que, por dominar o assunto, não precisam treinar o discurso planejado. Isso é um grande equívoco. Só o ensaio consegue revelar aspectos fundamentais para uma boa apresentação. É ali que o porta-voz vai identificar detalhes como os trechos que merecem ser enfatizados em tom de voz mais impostado ou quanto tempo merece uma determinada tela.” O especialista também ensina regras básicas para disfarçar a timidez no púlpito. Afinal, medo de falar em público, todo mundo pode ter, desde que consiga escondê-lo.

Quem não sabe o que fazer com as mãos, por exemplo, pode despistar essa inabilidade segurando uma caneta ou uma ficha enquanto fala. Age errado aquele palestrante que, para se sentir mais à vontade durante o discurso, fixa o olhar num investidor ou analista conhecido. Ora, o restante da platéia pode se sentir preterida com essa atitude. Silva recomenda ainda que os RIs procurem conhecer previamente todas as informações possíveis sobre o público para o qual vão se dirigir. “Muitas vezes, um detalhe, como nacionalidade ou faixa etária, pode fazer diferença na preparação da palestra.”

Outro cuidado recai sobre o modo de terminar a explanação. “Se o encerramento não for bem-feito, isto é, planejado, estudado e decorado, o pronunciamento corre o risco de ficar solto, o que causa a impressão de que faltou dizer alguma coisa, ou, pior, de que o palestrante está escondendo uma informação”, explica. Por fim, condena, sobretudo, o uso de expressões como “graças a Deus” ou “com sorte”. Afinal, o investidor não quer ser refém de qualquer ajuda sobrenatural para ter êxito nos negócios. Ao contrário, quer saber muito bem o risco a que está exposto. Portanto, das forças sobrenaturais, lembre-se apenas na hora de fazer aquele pensamento positivo, minutos antes de entrar no palco, sempre bem-vindo.


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