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De porta em porta
Diante da escassez de analistas, RIs das novatas fazem maratona de visitas às casas de research

As empresas que ingressaram mais recentemente na bolsa de valores estão travando uma verdadeira batalha para conseguir analistas dispostos a cobrir suas ações. Diretores e gerentes de Relações com Investidores (RI) estão literalmente batendo à porta das principais casas de research, tanto no Brasil quanto no exterior, com o objetivo de estreitar relacionamento e oferecer informações sobre suas companhias. Para se ter uma idéia do atual nível de concorrência, basta fazer as contas. De 2004 até o fim de julho deste ano, 87 empresas realizaram IPOs. Além delas, outras 12 tinham suas ofertas iniciais sob análise da CVM até o fechamento desta edição. São, portanto, 99 companhias. Se cada uma traçar como meta a captação de cinco analistas comprometidos em emitir relatórios periódicos sobre seu negócio — um número considerado modesto —, serão necessárias praticamente 500 análises. Tudo isso além dos papéis tradicionais e com elevada liquidez, obrigatoriamente acompanhados pelo mercado.

A pouca oferta de analistas para dar conta do trabalho extra foi uma das razões para a minuta colocada em audiência pública, em agosto, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A proposta visa alterar a Instrução 388, que disciplina a atividade de analista de valores mobiliários (veja também reportagem na página 66). O objetivo é permitir o ingresso de um maior número de profissionais, mesmo os que ainda não possuem a certificação da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais (Apimec), que é exigida pela regulamentação. As provas demandam preparação prévia do candidato e a periodicidade com que são realizadas retarda o ingresso de novos analistas. “Essa demora não poderia ter sido antevista como um problema à época da edição da Instrução 388 em 2003 (…), mas é hoje um obstáculo ao bom funcionamento do mercado de capitais”, diz a autarquia na minuta.

Para sanar o problema, a CVM propõe a criação de três níveis de analista: sênior, para os aprovados nas duas etapas do processo de certificação; pleno, para os aprovados na parte relativa à regulação do mercado de capitais brasileiro; e júnior, para os que ainda não têm o exame de certificação. Neste último caso, a autarquia sugere a concessão de um registro provisório. A validade é de dois anos, sem direito à renovação, mas esse prazo pode ser alterado de acordo com as sugestões apresentadas pelo mercado na audiência pública. Em complementação, a proposta da autarquia condiciona a atuação dos analistas pleno e júnior à supervisão de um profissional sênior, que é o único autorizado a assinar relatórios e análises.

Entre as companhias que ingressaram na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) este ano, a São Martinho se destaca no quesito cobertura de analistas. Abocanhou oito casas de research em apenas seis meses de negociação: Bear Stearns, Bradesco, Citigroup, Coinvalores, Credit Suisse, Itaú e Link Corretora, além do UBS, coordenador líder de seu IPO. O caso, porém, é uma exceção. De janeiro a abril ingressaram 20 empresas na bolsa. Juntas, elas contam com 56 análises, o que significa que cada uma dispõe, em média, de menos de três analistas cobrindo suas ações. A São Martinho também chama a atenção porque sua ampla cobertura não resulta de um esforço maior ou mais eficaz de seus profissionais de RI. Simplesmente reflete o interesse do mercado pelo setor. “O biocombustível está em efervescência e os principais analistas nos procuraram, alguns antes mesmo da estréia”, conta João Carvalho do Val, diretor financeiro e de RI.

Nos demais casos, porém, a evolução é muito mais lenta. “A chegada de um número elevado de empresas deixou o mercado muito concorrido. Isso exige de nós uma postura mais proativa que poderá ser, no médio prazo, um diferencial importante”, comenta Michel Wurman, vice-presidente da PDG Realty, negociada na bolsa desde janeiro. A empresa conta hoje com três analistas, mas acredita que, até o fim do ano, pode chegar a cinco. “Eles dizem que estão interessados, mas pedem um tempo para iniciar a cobertura.”

Outra que investe na expansão de sua cobertura é a Rodobens Negócios Imobiliários. Na Bovespa há nove meses, ela conta com o acompanhamento de JP Morgan, Citigroup e Ágora. Os dois primeiros participaram do IPO (como coordenadores líder e contratado, respectivamente). “Desde março, visitei pessoalmente 13 instituições”, conta o diretor de RI, Orlando Viscardi.

A concorrência entre as empresas pela atenção dos analistas é tanta que exige estratégias paralelas às visitas às equipes de research. Atualmente, o profissional de RI investe também na ponta final da cadeia, ou seja, tenta despertar o interesse dos grandes investidores, o chamado buy side, por suas ações. Afinal, é o buy side que consome as análises do sell side. Outra dica de quem está nessa briga é estreitar relações com todas as casas de research, mesmo as que não pretendem divulgar relatórios. A Rodobens adotou a prática e colhe resultados. “Nos aproximamos de um banco que, embora não produza relatório, já intermediou duas reuniões com importantes grupos de investidores, entre eles fundos de pensão”, diz Viscardi.

Enquanto a cobertura não cresce, resta um cenário pouco desejável para o investidor: das raras análises disponíveis, a maioria é dos bancos que coordenaram a oferta

FORA DO RADAR — A retomada dos IPOs trouxe para o mercado não apenas uma enxurrada de empresas novatas, mas também setores sem representatividade na Bovespa e, conseqüentemente, sem especialistas para analisá-los. Nesses casos, o trabalho para ampliar a cobertura costuma ser dobrado.

O setor imobiliário, embora bastante presente atualmente na bolsa, enfrentou esse problema no início dos IPOs. A Gafisa é um exemplo. Quando estreou, em fevereiro de 2006, suas poucas concorrentes listadas tinham baixa liquidez e despertavam pouco interesse dos investidores. Por isso, havia raros profissionais habituados às particularidades da área de construção e incorporação, como as diferenças contábeis oriundas da venda antecipada de imóveis, cujos lucros são apropriados conforme a margem de lucro é confirmada. Até hoje a empresa promove workshops para educar o mercado. “Entendemos que o analista é um difusor de informações. Com uma opinião favorável ou não à companhia, o importante é que ele conte a história correta”, afirma o gerente de RI, Carlos Gross. Hoje, estimulada pelo boom do setor imobiliário, a Gafisa conta com a “fartura” de 15 analistas cobrindo o seu papel.

Mais recente na bolsa, a Bematech, especializada em automação comercial, também investe na educação dos analistas. Uma das bases do trabalho é conscientizar o mercado de que sua atuação em três nichos — hardware, software e prestação de serviços — a faz diferente de outros pares do setor, que, na maioria das vezes, atuam em apenas um ou dois desses segmentos. “Promovemos encontros com quatro importantes casas de research para que todos entendam como funciona nosso negócio”, diz Fernando Mearim, diretor de RI. Hoje, a Bematech conta com a cobertura da Itaú Corretora, da Merrill Lynch (ambas líderes de seu IPO) e da Ativa, mas a perspectiva é dobrar esse número até o fim do ano.

Apesar da intensa disputa por analistas, há boas notícias. Carlos Firetti, chefe da área de research do Bradesco, conta que a meta da instituição é passar de cerca de 60 empresas cobertas atualmente para mais de 100 até o fim de 2008. O especialista lembra que fatores como o interesse pelo setor e a liquidez da ação serão preponderantes na escolha das companhias, mas garante que o trabalho proativo e a oferta de informações que atendam ao modelo de análise de cada profissional também constituem um diferencial.

CONFLITOS DE INTERESSES — Enquanto não conseguem expandir a cobertura, as companhias sabem que podem contar ao menos com os analistas das instituições que coordenaram seus IPOs. Os números evidenciam esse cenário. Das 56 coberturas dirigidas às estreantes de janeiro a abril, 34 provêm da instituição que liderou a oferta inicial da companhia ou dos coordenadores contratados. O trabalho de análise, inclusive, costuma fazer parte do “pacote” de serviços oferecido pelo banco intermediador e se torna um atrativo de peso aos olhos das companhias no momento de escolher os líderes da operação. A prática, além de corriqueira, é permitida pela regulamentação. Mas até que ponto garante ao investidor uma opinião totalmente isenta e com a devida credibilidade?

No Brasil, o caso UOL é sempre lembrado quando se discute a segregação desejada para as atividades de research e de banco de investimento. Logo após a estréia do portal na bolsa, em 2005, o departamento de pesquisa da Merrill Lynch divulgou um relatório recomendando a venda das ações por considerar que os R$ 18 obtidos no IPO superavam suas expectativas, em comparação à sua projeção, de R$ 16. Seria uma situação comum, não fosse o fato de o coordenador da oferta ser a própria Merrill Lynch — responsável pela definição do preço inicial dos papéis. Na época, o que era para ser uma clara demonstração de que os departamentos atuam de maneira independente, preservando o chamado chinese wall, pareceu, para alguns, uma irresponsabilidade do banco de investimento, que teria vendido um papel a sua clientela de investidores com preço muito superior ao que achava justo.

O episódio deixou claro o quanto esse conflito é delicado e de difícil solução. Uma das formas mais pragmáticas de mitigá-lo seria a cobertura extensa das ações, realizada por diversas instituições, sendo a maioria delas não participante da coordenação da oferta. Pelo jeito, ainda temos chão para chegar lá.


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