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O joio, o trigo e o precedente
Caso Weg/Trafo exige uma orientação do órgão regulador

ed48_70-71_1No método científico, um modelo é uma representação da realidade em tamanho menor. Através dele, o cientista busca reproduzir condições do mundo real em ambiente reduzido, controlado e simplificado. A beleza dessa ferramenta é permitir a observação de algumas relações de causa e efeito que possam ser isoladas de “ruídos” encontrados normalmente na natureza.

É mais ou menos com essa postura que especialistas em direito societário, investidores ativistas e, por que não dizer, jornalistas têm se debruçado sobre uma operação que, embora relativamente pequena no nosso mercado de capitais, vem causando repercussão muito maior do que seus atores esperavam: a aquisição da Trafo pela Weg.

Aquilo que, na essência, é uma operação de fusão como outra qualquer acabou se transformando num “leading case”, ou seja, uma oportunidade para que os “cientistas” isolem determinadas práticas e mensurem conclusões aplicáveis em outras situações. É a criação do “precedente”. A forma como determinada operação é estruturada pode ter conseqüências que extrapolam completamente a dita operação e os seus atores.

A dúvida — que foi, inclusive, retratada em recente artigo nesta revista — diz respeito à possibilidade de redução do valor da oferta pública obrigatória aos minoritários ordinaristas por meio de uma superavaliação das ações preferenciais detidas pelo controlador. Vamos ao caso.

Ao adquirir a Trafo, a Weg decidiu comprar tanto as ações detidas pelos controladores como aquelas em mãos de minoritários (ou seja, 100% da companhia). Após negociar o valor global das ações dos controladores, decidiu considerar que tanto as ordinárias quanto as preferenciais deles teriam o mesmo valor.

Até aí tudo bem. A prática até mostraria, a princípio, eqüidade no tratamento das duas classes de ações. E, de fato, isso ocorreria caso a medida fosse estendida para os acionistas minoritários. Ocorre que a ofertante resolveu dar a eles um tratamento distinto. As ordinárias detidas pelos minoritários teriam direito ao tag along legal de 80%, enquanto as preferenciais seriam adquiridas de acordo com laudo de avaliação. É esta diferença de tratamento que causou toda a polêmica, como veremos abaixo.

Teoricamente, ações de classes distintas deveriam ter valores muito parecidos. Divergências de avaliações se justificariam somente caso os direitos econômicos de cada classe — ou seja, seu fluxo de dividendos — fossem diferentes. Afinal, o dividendo é o único benefício pecuniário ao qual o acionista tem direito, enquanto acionista. Assim, ações com dividendos cumulativos, preferenciais ou mínimos, entre outros, levariam a avaliações distintas. Na ausência de diferença significativa de fluxos de dividendos, ações deveriam ter o mesmo valor, sejam elas de controle ou minoritárias, como já defendiam os co-autores do projeto que resultou na Lei 6.404/76, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira.

O famigerado “prêmio de controle”, através do qual pedaços significativos do valor econômico das empresas foram apropriados por acionistas controladores, só se justificaria, na visão daqueles juristas, por causa de benefícios privados de controle que possam ser extraídos da companhia. Daí surgiu toda a movimentação de mercado em favor do direito de tag along, ou seja, de vender os papéis em igualdade de condições com o controlador. O conceito foi abraçado pela reforma na Lei das S.As em 2001, ainda que restrito às ações com direito a voto.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já deu indicações de que qualquer sobrepreço aplicado ao lote de ações detido pelo controlador deve ser inteiramente alocado às ordinárias. Afinal, estas é que detêm o direito de voto, que é a base para a existência do prêmio de controle. Pode-se argumentar que as ordinárias detidas pelo controlador são diferentes das dos demais acionistas. Tal raciocínio não pode ser aplicado às preferenciais.

Por não contarem com o direito de voto, as preferenciais dos controladores e dos minoritários são absolutamente idênticas. Qualquer diferenciação entre elas seria arbitrária e poderia levar à presunção de que seja motivada por um objetivo de reduzir o valor da OPA obrigatória aos minoritários ordinaristas.

E é aqui que a oferta da Weg pela Trafo, infelizmente, gerou a controvérsia. Aparentemente, os consultores da operação recomendaram à ofertante uma estrutura que não levava em conta a realidade descrita acima. A adoção de pesos e medidas diferentes para definir os preços de cada classe de ação (e cada classe de acionista) gerou apreensão sobre os limites dessa prática em outros casos.

Primeiramente, é importante mostrar que, no caso Weg/Trafo, não houve tentativa de prejudicar os minoritários. O edital submetido à CVM mostra que a quantidade de ações ordinárias em circulação (e, portanto, objeto da oferta pública obrigatória — o tag along) era irrisória. Ao preço da oferta, equivale a R$ 5 milhões. Se a ofertante tivesse alocado às preferenciais do controlador a mesma avaliação que fora feita para as ações dessa classe detidas pelos minoritários, o preço da OPA obrigatória pelas ordinárias seria maior em cerca de 7%. Ou seja, um impacto de R$ 350 mil, que representam 0,4% do valor de mercado da Trafo e 0,003% do valor de mercado da Weg. Dá para imaginar que a Weg tenha tentado prejudicar alguém?

Mesmo assim, a operação merece ser analisada cuidadosamente pelo mercado e pelo órgão regulador. Mesmo que, neste caso, a matemática comprove a boa fé da ofertante, o mesmo não pode ser dito para situações distintas.

Imaginemos a compra do controle de uma empresa nas seguintes condições. As preferenciais representam dois terços do capital e o controlador tem 50% das ordinárias, ou cerca de 17% do capital total. O preço por ação de controle é, por exemplo, 2,6 vezes o preço de mercado das preferenciais. A OPA pelas ordinárias em mercado seria, portanto, 80% desse valor, ou seja, equivalente a 2,08 vezes o preço das ações preferenciais em bolsa. Nesta hipótese, o efeito é o mesmo: o comprador precificou a companhia como um todo (ordinárias preferenciais) a cerca de 1,45 vez o valor das ações PN listadas, e este prêmio foi para os controladores e, em menor parte, para os minoritários ordinaristas.

Agora, vamos assumir um cenário no qual o controlador tenha também 50% das preferenciais e o comprador esteja disposto a pagar o mesmo valor pela empresa — isto é, 1,45 vez o preço das PNs listadas. Vamos supor também que, como no caso da Trafo, ele alega comprar as ordinárias e preferenciais do controlador pelo mesmo preço. Feitos os mesmos cálculos com base nas novas premissas, pode-se afirmar que ele pagaria 1,75 vez o valor de mercado das preferenciais por ação detida pelo controlador e 80% disso (1,40 vez) pelas ordinárias dos minoritários no tag along (veja quadro).

Conclui-se, portanto, que a diferença para os minoritários ordinaristas é enorme. Ao adotar a metodologia do caso Trafo, eles recebem, aproximadamente, um terço a menos (1,40 vez contra 2,08 vezes) do que ganhariam caso o prêmio de controle fosse inteiramente alocado às ações ordinárias. Para algumas grandes empresas do nosso mercado, esta diferença pode facilmente representar alguns bilhões de reais.

A aprovação da operação da Trafo em seus moldes atuais resultaria em precedente que sancionaria a manobra descrita acima. É importante que o órgão regulador enxergue além das fronteiras do caso específico e sinalize ao mercado o tratamento que deve ser dado em operações desse tipo. Em outras palavras, é preciso criar um antecedente que se aplique em todas as situações futuras. Para isso, basta se ater aos princípios.


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