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Fraquezas à mostra
Ao cumprir a seção 404 da Lei Sarbanes-Oxley, Sabesp, Telemar e Copel revelam fragilidades nos controles de seus balanços

Cinco anos se passaram desde a promulgação do Sarbanes-Oxley Act pelo presidente norte-americano, George W. Bush, em 30 de julho de 2002. A lei, conhecida como SOX, foi criada para revolucionar o ambiente corporativo dos Estados Unidos, no calor dos escândalos Enron, WorldCom e Tyco. Afinal, era preciso resgatar a confiança dos investidores na idoneidade do mercado acionário. Com esse objetivo, os autores da legislação foram rigorosos. Definiram níveis mais elevados de transparência, aumentaram as responsabilidades de administradores e auditores independentes e, claro, estabeleceram penas mais pesadas em casos de fraude.

As falhas despertam a desconfiança, principalmente, do investidor estrangeiro, que está aplicando num país já exposto a riscos

Neste ano, até 30 de junho, as companhias estrangeiras registradas na Securities and Exchange Commission (SEC) tiveram de apresentar, pela primeira vez, os resultados alcançados no cumprimento da seção 404, uma das mais árduas etapas da SOX. Pela norma, os administradores da empresa se comprometem a estabelecer e a manter controles internos sobre a divulgação de demonstrações financeiras, a testar a eficácia desses procedimentos e a informar eventuais deficiências — as chamadas material weaknesses, em inglês. Os parâmetros utilizados são aqueles definidos pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (Coso, entidade norte-americana que reúne profissionais das áreas financeira e contábil). Aos auditores independentes, cabe conferir passo a passo o trabalho da certificação conduzida pelos executivos e emitir um parecer sobre os controles no relatório anual.

Abrir para o mercado ineficiências nos controles continua sendo uma decisão sofrida e demorada

Entre as 32 brasileiras com papéis negociados na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) — com exceção da Gafisa, que se listou este ano —, mais a Net, na Nasdaq, três — Sabesp, Copel e Telemar — apresentaram fraquezas relevantes no “confessionário” da 404. As informações constam dos formulários 20-F — os relatórios anuais submetidos à SEC por emissores não-americanos. A holding do setor de telecomunicações foi a que revelou o menor número de deficiências. O único problema detectado se refere ao monitoramento de depósitos judiciais.

Já a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) concluiu que seus controles eram ineficientes sob dois aspectos. Os administradores admitiram imprecisões na conta de “arrecadações a discriminar”. Isso significou um ajuste de R$ 93,7 mil nas demonstrações financeiras padronizadas (DFP) de 2006 da estatal, que tiveram de ser reapresentadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A outra fraqueza apontada pela Sabesp refere-se à identificação no balanço do valor de obras em andamento. O superintendente de Relações com Investidores (RI), Mario Sampaio, suaviza a relevância dessas fragilidades. Para ele, a descoberta das falhas foi uma conseqüência do aprimoramento dos controles internos. “O fundamental é levar isso ao mercado.”

Enquanto na Sabesp e na Telemar assumir os pontos fracos publicamente pode ser visto como uma novidade, na Companhia Paranaense de Energia (Copel), a sensação é de déjà vu. Antecipandose ao prazo estipulado pela SOX 404, a empresa revelou, já no 20-F relativo a 2005, dificuldades em lidar com os princípios contábeis geralmente aceitos dos Estados Unidos (US Gaap) e “controles de acesso insuficientes” nos sistemas de tecnologia da informação. Um ano depois, os problemas com o US Gaap permaneceram e se somaram a mais quatro fragilidades — detectadas, por exemplo, nos processos de litígio ambiental e nos registros de bens e serviços recebidos.

RELEVÂNCIA CONTESTADA — O investidor poderia se perguntar, neste momento, até que ponto essas fraquezas seriam mesmo relevantes. A Copel, por exemplo, não sofreu impacto no preço de suas ações por conta da inabilidade com o US Gaap posta a público em 2006. Some-se a isso o fato de que a maioria das companhias brasileiras aumentou a minúcia na certificação dos controles internos somente no ano passado, pois o prazo dado para a entrega dos resultados à SEC era 30 de junho de 2007. Portanto, era previsível que mais falhas fossem encontradas à medida que aumentasse o rigor da revisão dos controles e processos. Resta esperar a reação do mercado a essas informações, praticamente inéditas no cenário brasileiro.

Nos Estados Unidos, mais experientes com a 404, há tentativas de mensurar o impacto das fraquezas relevantes. A consultoria Lord & Benoit, especializada em SOX, trouxe algumas respostas à pergunta do estudo Do the benefits of 404 exceed the cost? (Os benefícios da 404 excedem os custos?), divulgado em maio de 2006. Foram coletados dados de 2.481 companhias, divididas em três categorias: as que mantiveram bons controles internos em 2005 e 2006; as que apresentaram deficiências no primeiro ano, mas corrigiram no segundo; e aquelas com ressalvas por dois exercícios seguidos. A constatação foi de que, entre 2004 e 2006, as empresas do primeiro grupo assistiram a uma elevação de 27,67% no preço de suas ações, as do segundo tiveram alta de 25,74%, e as do último, queda de 5,75%. Robert Benoit, autor da pesquisa, deixa claro no levantamento que a relação de causa e efeito não é tão simples. No entanto, sugere que investidores sentem a necessidade de confiar que a “informação divulgada é acurada, completa e oportuna”.

No caso das companhias brasileiras, as falhas despertam a desconfiança, principalmente, do investidor estrangeiro, que está aplicando num país já exposto a riscos, avalia Sidney Ito, sócio da consultoria KPMG. Além da baixa na precificação dos papéis, Ito vê outras duas possíveis conseqüências provocadas por fraquezas relevantes: a diminuição do rating pelas agências de avaliação de riscos, como Fitch, Moody’s e Standard & Poor´s, e a elevação dos custos dos seguros de responsabilidade civil de administradores (D&O). “O custo de capital aumenta”, resume.

Empresas como Sadia, Brasil Telecom e Unibanco compartilham a satisfação de conquistar mais segurança na divulgação de informações financeiras

Isso não significa que toda inconsistência sinalize uma empresa descontrolada. Há até quem considere meros detalhes os deslizes confessados pelas brasileiras. Mesmo no caso da Copel, que passa pela experiência negativa pela segunda vez. “Acredito nos fundamentos da companhia”, diz o gerente de análise da Prosper Corretora, André Segadilha. Ele descarta a possibilidade de queda no valor de mercado das empresas que apontaram deficiências. Para o analista, os gestores estão empenhados em fortalecer os controles internos. Taiki Hirashima, diretor da consultoria Hirashima & Associados, também minimiza a importância das fragilidades de Telemar, Sabesp e Copel. “Não são graves, até porque os auditores fizeram esforços adicionais para evitar que as fraquezas tivessem efeitos relevantes nas demonstrações financeiras”, avalia. Consultadas, Telemar e Copel não atenderam ao pedido de entrevista.

A ficha ainda não caiu na forma de benefícios mensuráveis, mas a vida pós-SOX das companhias também tem seu lado positivo

Por mais reles que sejam as fragilidades, ninguém gosta de admiti-las em público. Abrir para o mercado ineficiências nos controles continua sendo uma decisão sofrida e demorada. “Envolve muito estresse e conversa entre a auditoria e administradores”, descreve Ivan Clark, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC). Ainda mais quando milhares de horas de trabalho e alguns milhões de reais foram investidos na certificação exigida pela SOX, justamente com o intuito de liquidar as eventuais deficiências. A Braskem, uma das quatro emissoras brasileiras a atender à seção 404 antecipadamente em 2006 — as outras são Copel, Gol e Itaú —, por exemplo, gastou R$ 10 milhões nos últimos dois anos com a criação de uma área de auditoria interna, melhoria de processos, treinamentos e contratação de consultores. O investimento se converteu num 20-F sem menções a fraquezas por dois exercícios seguidos.

SEM RESSALVAS — A ficha ainda não caiu na forma de benefícios mensuráveis, mas a vida pós-SOX das companhias também tem seu lado positivo. É consenso que a 404 trouxe mais confiança nas demonstrações financeiras e nos controles internos, atesta Bruce Mescher, sócio-líder da Deloitte. “O trabalho envolve muita energia e dinheiro, mas produz resultados”, confirma Isac Zagury, diretor financeiro da Aracruz. A boa notícia é que a parte mais árdua da 404 vem perdendo peso. As recentes recomendações da SEC para companhias menores vieram facilitar o atendimento à seção, assim como a aprovação de novos padrões de auditoria pelo Public Accounting Oversight Board (veja o quadro na página seguinte). No fator custo, há boas perspectivas. Uma pesquisa da Financial Executives International (FEI), associação norte-americana de executivos de finanças, aponta uma redução de cerca 35% nos gastos com a 404, entre os anos fiscais de 2004 e 2006. A queda é atribuída ao ganho de eficiência das companhias no cumprimento da norma.

Outrora amargo, o remédio começou a mostrar sua serventia. Empresas como Sadia, Brasil Telecom e Unibanco compartilham a satisfação de conquistar mais segurança na divulgação de informações financeiras. Em 2005, o banco montou uma equipe de 70 profissionais, capitaneada pelo diretor de compliance e controles internos, Cai Igel, para coordenar a revisão de processos. Metade desse grupo se focou na SOX, identificando 1.600 controles- chave. Com esse mapeamento, a descrição das atividades dos responsáveis por cada um dos processos ficou mais clara. “O senso de prioridade aumentou e as pessoas aprenderam a levantar a mão para pedir ajuda”, observa Igel. Na Brasil Telecom, o engajamento em torno da SOX também propiciou uma maior percepção dos riscos inerentes ao negócio, inclusive os não mencionados pela lei. “A Sarbanes foi a catalisadora do nosso gerenciamento de riscos”, diz o diretor-adjunto de governança corporativa, Artur Neves.

O efeito foi semelhante na TAM. Para Euzébio Angelotti Neto, gerente de auditoria, os ganhos proporcionados pela SOX começam a ser medidos a partir da melhora da governança. Só está cumprindo regras “estúpidas”, diz ele, quem interpretou a lei de maneira errada. Nada como o tempo para acomodar os fatos e mostrar os caminhos para tirar proveito deles.

SEC aprova padrão de auditoria mais flexível

Os diretores da Securities and Exchange Commission (SEC) aprovaram por unanimidade, no último 25 de julho, a proposta de um novo padrão de auditoria, o “Auditing Standard Nº 5”, apresentada pelo órgão não-governamental que supervisiona o trabalho realizado pelos auditores das companhias abertas, o Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB). Criado pela Lei Sarbanes-Oxley, o PCAOB já vinha apresentando recomendações de flexibilização, considerando especialmente as dificuldades de escalonamento das regras para as companhias de pequeno e médio porte — para as quais os custos de compliance pesavam mais.Informalmente chamado de AS-5, o novo padrão irá substituir o AS-2, que define os parâmetros a serem observados no processo de auditoria dos controles internos, conforme a Seção 404 da SOX. A principal diferença em relação ao padrão antigo é justamente a de permitir aos profissionais maior flexibilidade, reduzindo o número de testes obrigatórios. Dessa maneira, cabe ao auditor determinar os pontos realmente críticos em cada companhia, eliminando procedimentos desnecessários. “Ao aprovar o Auditing Standard Nº 5, a Comissão está reforçando a proteção aos investidores, à medida que ajusta o foco dos recursos das companhias nos pontos que realmente influenciam a integridade dos relatórios financeiros”, afirmou o presidente do conselho da SEC, Christopher Cox, no final da reunião em que a proposta foi aprovada.

O regulador norte-americano também emitiu um relatório de orientação para a implementação do AS-5, aguardado com grande expectativa pelo mercado. Ao longo de todo o texto do novo padrão são apresentadas indicações de como aplicar os princípios na auditoria de companhias menores ou nas quais o fluxo de resultados é menos complexo. A partir de agora, não será mais preciso moldar os controles internos de acordo com o padrão de auditoria, visto que ele é baseado em princípios, e não em regras.

Ao contrário do AS-2, o AS-5 estabelece os objetivos que cada sistema de controle deve alcançar, independentemente de seu formato ou de como as decisões são documentadas. O novo padrão deixa claro que o trabalho do auditor não deve se prestar a identificar deficiências que não impliquem fraquezas relevantes, as chamadas “material weaknesses”. A ênfase passa a ser o controle de riscos e de fraudes nas demonstrações. “

O AS-2 não deixava claro como deveria ser o trabalho de auditoria independente. Assim, os auditores acabavam fazendo mais do que o necessário com receio de serem acusados de omissões”, diz Frank Edelblut, presidente da norte-americana Control Solutions International, provedora de soluções de auditoria interna, compliance e gerenciamento de riscos. O AS-5 também isenta a auditoria da tarefa de verificar o processo de avaliação realizado pela administração da companhia. O centro de todo o trabalho deve ser o teste da eficiência dos controles internos. John Zembron, sócio da área de auditoria da PricewaterhouseCoopers dos Estados Unidos, elogia o fato de o AS-5 ser baseado em princípios, e não em regras, como o AS-2: “Tanto os auditores quanto os clientes gostam da liberdade de exercer seus julgamentos”.


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