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Empregados garantem uma vaga no conselho de administração das companhias, colecionam conquistas para a sua categoria e ainda facilitam o diálogo com sindicatos

ed48_48-51O sindicalista Gerson Cardoso, 44 anos, acostumou- se a virar noites em claro. Técnico de instrumentação da petroquímica Copesul, ele percorre os corredores da fábrica do município gaúcho de Triunfo para conversar com o maior número possível de funcionários, nos períodos que antecedem e nos que sucedem as reuniões do conselho de administração. Essa maratona, que vai até a madrugada, não visa organizar greves, piquetes ou motins. O objetivo é informar sobre os rumos da companhia e ouvir as demandas dos “companheiros”. Cardoso representa os empregados no conselho da Copesul desde 2004, e é um exemplo de como sindicatos e trabalhadores brasileiros estão se inserindo — e intervindo — no órgão máximo de decisão das companhias. Embora tímida, essa participação já rendeu algumas conquistas à categoria.

Naturalmente, falta muito para que os nossos sindicatos atinjam o grau de sofisticação dos similares norte-americanos. O United Steelworkers (USW), por exemplo, mostra seu poder de fogo na mesa de negociações em concordatas, posicionando-se como credor de salários e benefícios perdidos por trabalhadores da indústria do aço. A CSN sentiu a força do USW no ano passado, quando tentou comprar a siderúrgica Wheeling Pittsburgh.

PONTO FACULTATIVO — Como o sindicato considerou a brasileira pouco favorável a seus interesses, travou a aquisição e levou os conselheiros a optarem por outra compradora, a norte-americana Esmark. “A CSN é uma ótima companhia, mas apenas não quis nos ouvir”, diz Dave MacCall, um dos líderes do sindicato, quem tem assentos no conselho da Wheeling e de várias outras empresas.

No Brasil, é difícil imaginar tamanho ativismo. A alçada dos proletários ao topo da pirâmide corporativa vem sendo sedimentada, basicamente, por acordos tripartites — costurados entre a gestão, o governo e as organizações sindicais. Não há legislação obrigando as companhias a cederem lugar aos empregados no conselho. A última reforma da Lei das S.As, em 2001, deixou facultativo esse ponto. O artigo 140 estabelece que “(…) o estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhido pelo voto destes, em eleição direta (…)”. Na prática, acabam aderindo a essa proposta empresas mais expostas a pressões sindicais, como Acesita, CSN, Celesc, Cemig, Transmissão Paulista e Usiminas. Foi o que ocorreu com grande parte das estatais na onda de privatizações dos anos 90.

Em 1992, o edital de privatização da Copesul previa que um dos assentos do conselho fosse destinado aos trabalhadores. Esse posto está sendo ocupado pela segunda vez por Cardoso, reeleito em abril para um novo mandato de três anos. Ele faz questão de compartilhar com o “chão de fábrica” o conhecimento adquirido na alta direção. Essa comunicação direta poderia se transformar num canal de vazamento de informações? O conselheiro garante que não: “Sempre respeito o sigilo necessário”. Cardoso frisa que seu compromisso ali é com os seus representados, ou seja, os trabalhadores. “O interesse dos empregados pela companhia é maior do que o dos próprios acionistas”, proclama.

Sob essa ótica, o técnico batalha para modificar o programa de participação nos lucros e resultados (PLR) em favor dos colegas. Embora reconheça a dificuldade da empreitada, vê alguns avanços. Para ele, os parâmetros da premiação estão mais realistas do que antes. “São evoluções pequenas, mas que vêm ocorrendo ano a ano”, avalia.

VITÓRIA — Na Embraer, a alteração da PLR também é comemorada por Claudemir Marques de Almeida, controlador de qualidade da matriz de São José dos Campos (SP). Representante dos empregados não-acionistas no conselho da companhia, ele convenceu seus pares a fazer com que, do total dos lucros distribuídos, 70% fosse proporcional ao salário de cada profissional e 30% dividido igualmente entre os funcionários. A proposta inicial do conselho de administração era de que 100% da PLR variasse conforme os salários.

Essa não foi a única vitória dos trabalhadores da Embraer diante do conselho, que conta também com um membro nomeado pelos empregados acionistas, Paulo Cesar de Souza Lucas. Em 2005, os aposentados, que não tinham acesso a nenhum plano de saúde patrocinado pela empresa, ganharam direito a convênio gratuito durante os dois anos seguintes ao desligamento. Após esse período, seriam incluídos num plano da Associação dos Pioneiros e Veteranos da Embraer (APVE). Este ano, foi aprovado um programa por meio do qual o funcionário se aposenta e continua pagando pelo plano de assistência médica valor equivalente ao dos empregados em atividade.

A presença de um empregado na administração da ex-estatal é fundamental em decisões como essas e influencia a articulação do sindicato. “Conseguimos ver onde a empresa está aplicando mais. Assim, podemos prever nossas ações”, diz o secretáriogeral do Sindiaeroespacial, Elias Jorge da Cruz. Por exemplo, antes da inauguração da unidade fabril de Galvão Peixoto, cidade vizinha a Araraquara, no interior de São Paulo, em 2001, a entidade procurou se organizar também naquela região. Encrencas à vista? Não necessariamente. “Quando você está fora, não sabe o que passa na vida da empresa e, qualquer coisa que a direção faça, só vai criticá-la. Mas, quando participa do conselho, vê que há investimento em desenvolvimento, em tecnologia e no social, que gera renda para o País”, observa o conselheiro Almeida.

Para Eduardo Fernando Jardim Pinto, ex-conselheiro da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e o primeiro a ser eleito pelos funcionários, em 2005, a passagem pelo conselho teve o mesmo efeito de aprendizado. No princípio, ele conta que ficava alheio às discussões. “As dificuldades que tive foram imensas e, certamente, o companheiro recém-eleito (João Batista Cavaglieri) vai ter, principalmente quando se carrega nas costas a pecha do sindicalismo”, avalia. Aos poucos, porém, ele foi ganhando confiança e aprendendo a lidar com as pressões dos dois lados. “O conselho não é um espaço do movimento sindical. É um espaço do trabalhador da Vale.” Sua maior contribuição foi a de abrir o diálogo entre empregados, salienta. Convém lembrar que Jardim Pinto respondia por 1 voto, entre outros 11. Ou seja, com essa representatividade, dificilmente conseguiria mudar os rumos da companhia. Mas deixava registrado seu ponto de vista.

Para André Carvalhal da Silva, professor de finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead–UFRJ) e especialista em governança corporativa, a participação do trabalhador, apesar de restrita, pode enriquecer o debate no conselho, ampliando a diversidade de perspectivas. Um claro momento de contribuição ocorreu na CPFL, em 2003. Na época, uma das metas da companhia era reduzir o tempo de resposta aos pedidos dos consumidores. Os administradores quebravam a cabeça para encontrar uma solução viável, quando o então representante dos empregados no conselho de administração, Artur Henrique da Silva Santos, atual presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), levou a discussão para dentro do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia). Os eletricistas, envolvidos diariamente no atendimento à população, logo mataram a charada: trocar os veículos da frota de serviço que estavam em más condições. Como muitos eram movidos a álcool, demoravam para “pegar” de manhã, o que intensificava os atrasos. Com esse argumento, Santos sensibilizou o conselho a aprovar um plano de renovação da frota. “São coisas aparentemente simples, mas que podem passar despercebidas pelo conselho de administração”, reflete.

Hoje, a representação de empregados nos conselhos de administração é uma das bandeiras defendidas pela CUT. A ela se unem outras instituições setoriais, como o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. “Essa reivindicação faz parte de nossa pauta em todas as campanhas salariais”, diz o presidente da entidade, Vinícius de Assumpção. “Os trabalhadores acabam gerando resultado para o acionista”, acrescenta Luiz Claudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, para quem o movimento sindical amadureceu o suficiente para entender sobre a condução dos negócios. No caso de cariocas e paulistas, o foco está nos bancos estatais. As companhias controladas pelo Estado, acreditam, têm responsabilidade maior para com a sociedade e, por isso, necessitam ouvir mais os trabalhadores. Pelo visto, apesar das conquistas, para os sindicatos a luta apenas começou.

Empregados no conselho agregam valor?

A diversificação dos conselhos de administração vem sendo muito bem recebida nos últimos anos e se consolida como tendência no rol das boas práticas de governança. Mas até que ponto um representante dos empregados no conselho de administração agrega valor à empresa?

Considerando-se as visões expressadas por acadêmicos mundo afora, conclui-se que não há consenso sobre o tema. Existe uma corrente que prega que uma companhia só deve satisfações a seus proprietários — modelo conhecido como shareholders-oriented, ou orientado a acionistas. Para Alexandre Di Miceli da Silveira, professor de finanças da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e defensor dessa teoria, antes de abrigar empregados, o conselho deve se questionar: qual é o objetivo da empresa ou a quem ela pertence?

De acordo com Silveira, também pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o conselho de administração representa os acionistas, cujos interesses divergem dos objetivos dos funcionários. Portanto, um empregado nesse órgão seria uma “distorção”, argumenta. O professor cita um estudo do norueguês R. Øystein Strøm, da Østfold University College, com dados de 1989 a 2002 obtidos com empresas do país escandinavo. Segundo a pesquisa, no longo prazo, a participação de empregados no órgão máximo de decisão diminui o valor da companhia. Contudo, Strom também observou que a entrada de trabalhadores no conselho aproxima o órgão das melhores práticas de governança.

Pelo modelo orientado às partes interessadas (stakeholders-oriented), a diversificação do conselho, inclusive com a presença de trabalhadores, é incentivada. “Isso passa uma mensagem clara de que a companhia se preocupa com a voz dos empregados, o que pode melhorar sua imagem”, diz André Carvalhal da Silva, professor de finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead–UFRJ).

Na Europa, representantes dos empregados preenchem, em média, 10% das vagas do conselho, segundo relatório de 2007 sobre governança corporativa da consultoria norte-americana Heidrick & Struggles. O percentual é maior na Alemanha, onde preenchem 50% das cadeiras do conselho de supervisão, responsável por monitorar a gestão. Na Áustria, o índice chega a 34% e, na Suécia, a 20%. Estudo do pesquisador britânico Gregory Jackson, do departamento de administração da King’s College London, sobre o grau de representatividade (ver tabela na página 44) de empregados nos conselhos em diferentes jurisdições aponta que países com forte tradição em sindicalismo e acordos coletivos tendem a favorecer essa prática. (D.G.)


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