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Regulador em ação
Estudo aponta aumento substancial de punições da CVM nos últimos anos

A efetiva proteção dos investidores é fundamental para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do mercado de capitais brasileiro. Além da existência de um conjunto de regras adequadas para disciplinar o mercado, é essencial que ocorra o efetivo cumprimento (enforcement) das leis e da regulamentação de direito societário e de mercado de capitais, tanto no âmbito administrativo quanto no Poder Judiciário. Na esfera administrativa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é o órgão regulador e fiscalizador do mercado, com poder para punir as práticas prejudiciais aos investidores.

A função punitiva da CVM é realizada mediante a instauração de processos administrativos. Conhecer seus padrões de julgamento, portanto, é muito importante para observarmos como a autarquia utiliza o aparato legal e regulamentar para punir. Essa foi a convicção que norteou a pesquisa empírica realizada por FEA/USP, Direito GV e Interlink Consultoria nos processos administrativos da CVM, a partir de dados disponíveis em seu site. Dos resultados obtidos, apresentados a seguir, procurou-se extrair no presente artigo, se e quando possível, alguma orientação para o aperfeiçoamento dessa imprescindível função.

O trabalho investigou os padrões de julgamento da CVM em matérias de direito societário no período de janeiro de 2000 a junho de 2006. Os dados foram analisados e sistematizados de forma a obter informações sobre os seguintes temas: evolução do número de inquéritos/processos julgados; perfil dos acusados; assuntos dos inquéritos/processos julgados; tempo médio de duração dos processos até a decisão; resultados dos julgamentos; razões de eventual absolvição; e punições aplicadas e valores das multas.

Em relação à evolução do número de processos julgados pela CVM, foi verificado aumento significativo nos últimos dois anos, indicando o maior nível de atividade do órgão. Em matéria societária, encontramos 101 decisões, sendo 5 processos julgados em 2000, 13 em 2001, 14 em 2002, 6 em 2003, 12 em 2004, 29 em 2005 e 22 até junho de 2006, data final do período analisado. Esses dados mostram, portanto, uma média de cerca de 36 casos em 2005 e 2006, contra uma média de 10 casos de 2000 a 2004. A continuidade dessa tendência é fundamental para eliminar o estoque de processos pendentes de julgamento e reforçar a atividade punitiva da CVM.

Quanto ao perfil dos acusados nas decisões analisadas, observou-se inicialmente a presença de vários agentes das companhias abertas simultaneamente em um mesmo processo, como acionistas controladores, membros do conselho de administração, diretores e integrantes do conselho fiscal. Os diretores aparecem como acusados em 80 processos (em um mesmo processo, mais de um diretor constava como acusado), enquanto os membros do conselho de administração aparecem em 66 casos, os acionistas controladores em 40, os auditores em 11 e membros de alguma outra categoria (tais como acionistas não controladores, agentes fiduciários, coordenadores, instituições intermediárias) aparecem em 27. O resultado é compatível com o recorte societário dado à pesquisa.

Em relação à matéria, os assuntos foram agrupados em cinco grandes categorias, de forma a possibilitar a leitura estatística dos quase 40 temas diferentes tratados e visualizar de maneira clara os principais objetos de análise nos processos da CVM: transparência e dever de informar; estrutura de propriedade (controle societário) e suas modificações; irregularidades no exercício da atividade, isto é, em relação ao poder de decisão dos acionistas controladores e à atuação dos administradores; direitos individuais dos acionistas minoritários; e insider trading, quando envolvidos acionistas, conselheiros ou diretores.

Infrações relativas à transparência e ao dever de informar apareceram como a matéria mais freqüente, sendo objeto de 73 decisões analisadas. As irregularidades no exercício do poder de controle e na atividade da administração apareceram em 66 casos. Questões relacionadas com direitos individuais dos minoritários somaram 29 ocorrências, enquanto a estrutura de capital e sua modificação apareceram em 7 casos. O grande número de questões sobre transparência pode ser explicado por se tratar de uma obrigação periódica das companhias abertas perante a CVM, o que torna a fiscalização mais facilmente verificável. O investimento em sistemas de controles para acompanhamento da prestação de informações traz à CVM grande retorno quanto à objetividade e à rapidez na detecção das faltas.

Durante o trabalho de análise da jurisprudência administrativa da CVM, buscou-se ainda conhecer o tempo da decisão do órgão em seus processos. Esta informação é relevante porque, além do resultado dos julgamentos, o tempo de análise e decisão é considerado um indicador importante do grau de enforcement e, portanto, do nível de proteção aos investidores no mercado de valores mobiliários. Como principal resultado, constatou- se que o tempo decorrido entre a ocorrência da infração e a data de julgamento do processo administrativo teve duração média aproximada de seis anos, sem redução significativa observada nos últimos três anos. O tempo médio após a ciência da CVM, todavia, é de quatro anos e meio. O estoque de antigos processos ainda pendentes de julgamento dificulta a melhora substantiva desse indicador, não obstante os esforços empreendidos para acelerar o ritmo de julgamentos.

Foram analisados ainda os resultados dos julgamentos, isto é, se houve punição ou absolvição dos interessados. Em 2005, os casos nos quais houve punição de todos os acusados representaram 14% da amostra, enquanto os de absolvição completa, 24%. Durante o período, observou-se que a maioria dos processos (62%) resultou em pena para alguns envolvidos e absolvição de outros em um mesmo caso. Em 2006, o padrão de julgamento foi similar, com 14% de punição total, 14% de absolvição total e 73% de punições e absolvições em um mesmo processo. Na análise do período completo de 2000 a 2006, no entanto, notou-se que o padrão de resultado dos julgamentos da CVM mudou ao longo dos anos, com maior proporção de casos envolvendo punição e absolvição simultaneamente nos últimos dois anos. Acredita-se que esse resultado decorra da opção da CVM em acusar um maior número de envolvidos na época do fato, independentemente de isso resultar em mais investigação a respeito da individualização de suas condutas.

Os principais motivos observados para a absolvição dos acusados foram: a não aplicação do dispositivo legal, o acusado não ser responsável ou competente em relação ao ato e a não caracterização da infração e insuficiência de provas. Evidencia-se, também, a partir desse resultado, a necessidade de boa preparação daqueles que trabalham na fase de instrução para a abertura de processos administrativos.

Entre essas possíveis penalidades aplicadas pela CVM, constatou-se que a multa é a punição utilizada com maior freqüência. Quanto ao seu valor, pode ser de R$ 500 mil; 50% do valor da emissão ou operação irregular; ou três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ato ilícito. Os dados da pesquisa demonstram que o valor das multas, em sua mediana, vem crescendo substancialmente nos últimos anos. Eventualmente, uma melhora na constituição dos processos poderia ensejar a ampliação do rol de punições aplicadas e incluir outras, mais fortes que as multas.

Os dados obtidos a partir de pesquisa empírica com análise quantitativa trazem informações sobre como se dá efetivamente o enforcement da disciplina societária pela CVM. Acredita-se que o melhor conhecimento do funcionamento da autarquia represente o primeiro passo para pensar o aperfeiçoamento do enforcement administrativo das regras de proteção ao investidor, essencial para o desenvolvimento do mercado de capitais nacional. Numa avaliação preliminar, dois são os focos de aperfeiçoamento a buscar: informatização de controles sobre informações objetivas e treinamento dos profissionais que atuam nas fases iniciais de investigação dos fatos e instrução dos processos.

Obs.: O estudo e o artigo foram produzidos também por Viviane Muller Prado, professora da Direito FGV e por Alexandre Di Miceli da Silveira, professor doutor da FEA/USP


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