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Semeadores de crescimento
Ex-executivos de grandes grupos empresariais se convertem em investidores-anjo e se espalham pelo Brasil abençoando projetos promissores

ed44_p028-032_pag_3_img_001Geraldo Carbone, ex-presidente do BankBoston no Brasil, é um homem apaixonado por desafios. Aos 50 anos, dono de um patrimônio considerável, não quer ouvir, nem de brincadeira, a palavra aposentadoria. Cansado de ser executivo, ingressou há pouco tempo numa nova atividade: escolher empresas com grande potencial e ajudá-las a crescer. Divide com outros empreendedores sua expertise em gestão, ensinando-os a ter motivação e disciplina. Como se não bastasse, topa emprestar seu dinheiro a esse pessoal. E cobrar-lhes de volta só daqui a quatro ou cinco anos.

O ex-presidente do BankBoston é um entre os vários investidores conhecidos no mercado como “anjos”. A denominação, embora sugestiva, não tem nenhuma conotação filantrópica. Trata-se de pessoas com grande experiência em gestão, dispostas a se associarem a empresas com alto potencial de crescimento, oferecendo-lhes dois ingredientes fundamentais para o sucesso de um negócio: capital e conhecimento. Em troca, o anjo espera receber uma gorda fatia do bolo depois que ele crescer. O tempo para isso acontecer varia de quatro a seis anos. Mas pode ser mais. O montante investido gira em torno de R$ 100 mil, mas também pode ser menos. Certeza mesmo, ele só tem uma: se o negócio vingar, o ganho terá valido todo o esforço.

“Nossa diferença para o investidor de venture capital é que este, por pertencer a um fundo, não vê a necessidade de participar do dia-a-dia das empresas investidas, pois o gestor da carteira se encarrega de monitorá-las”, explica Carbone. “No caso dos anjos, nós vamos às reuniões, desenvolvemos estratégias, cuidamos do fluxo de caixa.” Há cerca de sete meses, ele adquiriu 65% da Salles BPO, uma prestadora de serviços que trabalha com a implantação de modelos financeiros, administrativos e de comunicação para empresas. O negócio só existia no papel de um idealizador que chegou até Carbone através de um amigo em comum. Ainda assim, ele resolveu financiar a idéia e, neste mês de abril, comemora a assinatura do primeiro contrato. Sua expectativa é de que, em um ano de funcionamento, a empresa tenha se tornado auto-suficiente. E, entre três e cinco anos, atinja um tamanho suficiente para ser vendida ou receber novo aporte de capital — desta vez, de um fundo de private equity. Além da Salles BPO, outros quatro novos projetos estão hoje em análise no escritório que Carbone montou, para esse fim, o GC Capital.

ANJOS S.A. — Histórias como essas nos levam a acreditar que os anjos são a solução para todos os problemas das micro e pequenas empresas brasileiras. Contudo, vamos lembrar que não é fácil encontrar idéias de negócios tão promissoras a ponto de despertar o interesse desses investidores. Ninguém ali é santo, ou seja, o aporte de capital só ocorre quando vale (e muito) a pena. Além disso, a quantidade dessas pessoas dotadas de tempo, dinheiro, conhecimento e paixão pelo risco ainda é pequena perto da fila dos bons empreendimentos espalhados pelo País. Segundo dados da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCAP), existem hoje entre 50 mil e 100 mil pequenas empresas inovadoras que esperam sua vez para serem descobertas.

A boa notícia é que, se antes os anjos vinham atuando isoladamente, agora muitos deles começam a se organizar em grupos para aumentar as chances de encontrar potenciais investimentos. No Brasil, há associações de anjo nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e, muito em breve, na Bahia e em Minas Gerais. À exceção do grupo carioca, que foi criado em 2002, as demais agremiações começaram a surgir do fim do ano passado para cá. São entidades formadas, em média, por 20 pessoas físicas que, apesar de aplicar individualmente no negócio de seu interesse, preferem se agrupar desta maneira a fim de dividir despesas operacionais, como aluguel de sala comercial e linha telefônica, além de gastos com secretária, advogado etc. Aproveitam também a estrutura comum para trocar idéias antes de abençoar com capital um novo empresário.

Os veteranos da Gávea Angels, no Rio, vêm servindo como modelo de associação para os grupos de outras regiões brasileiras. Seu fundador, Ernesto Weber, conta que a idéia da Gávea surgiu durante um evento sobre capital de risco promovido pela PUC-Rio, em 2001. Na ocasião, conheceu seis investidores que já faziam aportes em empresas dessa natureza, o que o motivou a estudar as práticas internacionais dos angel investors nos Estados Unidos para, no ano seguinte, fundar a primeira entidade de anjos do País. Desde então, a Gávea Angels — que nada tem a ver com a asset Gávea Investimentos — analisou dezenas de candidatos para receber aportes, dos quais 11 foram aprovados para uma segunda fase e três já receberam o capital. Ex-presidente da Petrobras, Weber hoje destina 10% de seu patrimônio para empresas inovadoras, como, por exemplo, a Publit — uma editora carioca, focada em impressões de baixa tiragem. “Ser anjo é um modo de retribuir à sociedade tudo aquilo que a vida me proporcionou em experiência”, define.

Essa sensação não é uma exclusividade de Weber. Para o empresário Bruno Stern, também sócio da Gávea, de todas as tarefas que cabem aos anjos, talvez nenhuma seja mais estimulante do que botar a mão na massa. Dono de uma exportadora de madeira, Stern vem dividindo seu tempo entre o comando do próprio negócio e as atividades da empresa que apadrinhou como anjo há um ano e meio, a BizVox, na área de telecomunicações. Pelas suas contas, deverá realizar seus ganhos daqui a dois anos, no máximo. “Trabalhar ao lado deles, às vezes, é mais empolgante do que ser empresário”, confessa.

NÃO BASTA INVESTIR — Pessoas com esse perfil costumam dar as costas aos pessimistas que as lembram da triste estatística de que, no Brasil, apenas um em cada dez negócios sobrevive ao final de cinco anos em funcionamento. Mas o professor Afonso Cozzi, coordenador do Núcleo de Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, alerta que é preciso diferenciar as empresas criadas com o intuito de substituir a renda de quem perdeu o emprego daquelas que surgem a partir de um profundo estudo sobre risco e viabilidade. “Os investidores-anjo se focam apenas nestas últimas”, explica. De Belo Horizonte, onde mora atualmente, Cozzi tenta recrutar empresários e ex-executivos que participam dos cursos da Fundação Dom Cabral, a fim de sensibilizá-los sobre as vantagens do chamado capital semente. Procura também manter contato com o pessoal da Gávea Angels, na expectativa de formar uma associação semelhante à carioca em Minas Gerais. “Por enquanto, a Gávea é nosso único benchmark no Brasil”, brinca.

Em países como os Estados Unidos, onde essa cultura de investimento é para lá de desenvolvida, não faltam modelos de anjos para inspirar os interessados. No mês passado, durante congresso promovido em São Paulo pela ABVCAP, John May, presidente da Angel Investor Association — uma organização norte-americana que reúne 5 mil investidores independentes —, deu-nos uma palhinha de como é essa realidade no seu país. Lá existem cerca de 250 mil anjos que hoje estão à frente de 49 mil negócios. Eles aplicam de US$ 100 mil a US$ 500 mil em cada negócio e, quando acontece de um time de investidores apostar num mesmo projeto — o que é bastante comum —, a empresa pode receber uma bolada milionária.

As cifras soam muito naturais quando falamos da nação mais rica do mundo. Em entrevista à Capital Aberto, John May afirmou que o segredo do sucesso na parceria entre o anjo e o empreendedor é que ambos acreditam no projeto, enquanto quem só quer colaborar com dinheiro, em geral, desconfia muito mais da viabilidade de uma idéia decolar. Perguntado sobre as chances de um país como o Brasil, com as maiores taxas de juros do mundo, agremiar um número significativo de anjos, o mestre sentenciou: “O sucesso não é uma questão de haver muita gente, com grande ou pouca fortuna, mas sim de existir o encontro das pessoas certas”.

ANJOS PAULISTAS — Fábio Bellotti, um dos coordenadores da recém-criada São Paulo Angel Investor, está à frente de um grupo de 30 pessoas — entre elas, apenas três mulheres — que pensam exatamente como o anjo norte-americano. Segundo Bellotti, a primeira coisa que uma pessoa precisa definir, antes de pensar nesse tipo de investimento, é quanto tempo terá para se dedicar ao projeto adotado. “Ser anjo não é uma questão apenas de diversificar o patrimônio, mas de se envolver com a idéia.” Diz ainda que a quantia individualmente aplicada pode ser inferior aos tradicionais R$ 100 mil que o mercado costuma pautar como mínimo num aporte inicial. “Não vejo problema em haver quatro anjos numa única empresa. Isso diluiria o risco.” A caça aos diamantes brutos dos anjos paulistas deve começar em junho e já tem um ponto de partida: a DBM, uma empresa de consultoria internacional que atende muitos ex-executivos interessados em abrir seu próprio negócio. O plano é juntar a fome desses investidores por bons projetos com o desejo dos clientes da DBM por um patrocínio. Rogério Chér, que responde pela consultoria no Brasil, gostou tanto da parceria que se dispôs a ceder a estrutura do escritório para sediar a associação. “Apesar de receber esse apoio, o grupo atuará de forma independente em relação à DBM, podendo escolher o projeto que quiser”, explica Chér. Ele próprio já garantiu sua carteirinha na associação ao decidir ser o anjo de uma empresa que fabrica tecnologia contra fraudes com cartões de banco.

Em Pernambuco, tal sinergia se repete. Os responsáveis pelo Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (Cesar) criaram, no fim do ano passado, a Recife Angels (que leva a sigla Range). Para quem não sabe, uma das funções do Cesar é abrigar incubadoras de negócios tecnológicos da região. Com o propósito de apresentar os projetos incubados a potenciais investidores, o gerente da entidade, Maurício Schneck, saiu atrás de recifenses afortunados, numa estratégia que incluiu até a organização de um campeonato de golfe. “Fizemos um trabalho de formiguinha, mas conseguimos reunir 30 pessoas dispostas a virarem anjos”, lembra.

Quem também tenta seguir esses passos é o Instituto Euvaldo Lodi, uma ONG ligada à Federação das Indústrias do Estado da Bahia. A entidade chegou a iniciar um programa para ensinar empreendedores locais a elaborar um plano de negócio. No entanto, o projeto foi interrompido no ano passado por falta do patrocínio, que, até então, vinha do Banco do Nordeste. Tatiane Mascarenhas, gerente do instituto, afirma que, na época em que o programa estava de pé, havia pelo menos 15 investidores interessados em formalizar uma espécie de Bahia Angels para avaliar aqueles negócios. Mas o casamento entre essas duas partes teve de ser adiado quando a verba chegou ao fim. Otimista, espera que os recursos voltem logo, para que nenhum dos noivos perca o interesse por uma parceria tão importante para a economia baiana. “Não desanimo. Se acreditamos em anjos, por que não esperar um milagre?”, brinca.

Finep garantirá retorno mínimo do capital investido no Inovar Semente

A fim de atrair a participação de anjos nos fundos voltados às empresas em estágio inicial, a Finep (agência de fomento do Ministério da Ciência e Tecnologia) vai garantir o valor nominal aplicado nas carteiras de investimentos selecionadas por ela através do Projeto Inovar Semente. Isso significa que o investidor individual que alocar R$ 100 mil num dos fundos participantes desse programa irá receber, ao final da vida da aplicação — o que pode levar até sete anos —, no mínimo, os mesmos R$ 100 mil depositados, sem correção. “O fato de darmos essa garantia é apenas uma maneira de chamar a atenção do anjo para o programa, pois acreditamos que o potencial de retorno desse ativo é muito maior”, afirma Patrícia Freitas, gerente de investimentos da Finep.

Nesse projeto, são selecionados gestores de fundos que investem em empresas com faturamento entre zero e R$ 2,4 milhões, consideradas sementes por estarem, na maior parte das vezes, em incubadoras ou universidades. Para participar do programa, o gestor deve enviar à Finep a política de investimento do fundo, o que inclui seus planos para a aplicação do capital e a relação de cotistas, institucionais ou pessoas físicas, que farão parte da carteira. Os investidores precisam responder por, pelo menos, 20% do total da captação programada para o fundo. Se o projeto for selecionado, o fundo receberá os 80% restantes através da Finep e de agentes institucionais, como um banco de desenvolvimento, por exemplo.

A primeira chamada para seleção dos projetos aconteceu no ano passado, quando foram avaliados 14 fundos, dos quais quatro se encontram hoje na fase de due diligence. No fim do mês de abril, será lançado o edital para a segunda chamada de gestores. O Inovar Semente tem R$ 300 milhões para apoiar 24 fundos de capital semente no País, em seis anos, abrangendo 340 empreendimentos inovadores, com aportes de R$ 500 mil a R$ 1 milhão cada um.


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