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Risco para a governança
Desconsideração da personalidade jurídica nas S.As é ilegal e deve ser repensada

 

A doutrina que prevê a desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) tem causado perigosos efeitos colaterais para os mercados organizados. Apesar disso, lamentavelmente, sua aplicação às sociedades anônimas no Brasil tem sido cada vez mais intensa. Para se ter uma idéia da gravidade do quadro, a doutrina por aqui se aplica, inclusive, ao patrimônio de administradores ou cotistas de fundos de investimentos, que nem sequer possuem personalidade jurídica.

A incerteza decorrente do uso de uma teoria sem parâmetros confiáveis, que amparem e limitem a atuação judicial, não só aumenta os custos empresariais, como afasta novos administradores. Mas uma análise mais rigorosa dos instrumentos jurídicos que têm servido de apoio às iniciativas de desconsideração nos dá alguma esperança de reverter esse panorama, especialmente nas sociedades anônimas. Para essas empresas, ao contrário do que reza o senso comum, a doutrina não deve ser aplicada. E por uma razão simples: nossa Lei das S.As já tem dispositivos próprios (artigos 116, 117, 158 e 159), que caracterizam as responsabilidades do administrador e do controlador por  ato ilícito, inclusive quando praticado em relação a terceiros. Assim, a interpretação literal do Novo Código Civil não é suficiente para permitir que administradores e o acionista controlador sejam punidos com base na teoria em análise, uma vez que a lei especial deve se sobrepor à comum.

A doutrina também é incoerente com a realidade dos administradores, já que ignora sua verdadeira função na sociedade. Assim como os médicos, que devem agir conforme seus melhores esforços, os administradores devem atuar em favor do melhor interesse da companhia. Por isso, sabe-se que a obrigação de um administrador, como a de um médico, não deve ser considerada de resultado, mas sim de meio.

Cabe lembrar ainda que a teoria da desconsideração vem sendo fortemente combatida no mercado norte-americano. Segundo o respeitado professor de Oxford Stephen M. Bainbridge, a doutrina tenta avocar para si funções que extrapolam seu real campo de incidência, concedendo aos juízes uma ampla faixa de discricionariedade, que vem sendo exercida com enorme irresponsabilidade. Por isso, afirma, deve ser abolida. O professor defende ainda que, em nenhuma hipótese, a desconsideração se aplica às sociedades anônimas e justifica seu estudo mostrando que tal conceito é acatado pelos precedentes americanos.

Trata-se, sem dúvida, de uma asfixia aos direitos do administrador e do acionista, sobretudo o controlador, que ficam desprovidos de chances de defesa, além de expostos ao risco de terem de pagar, com seus bens pessoais, inclusive, valores superiores aos originais — devido à incidência de multa obrigatória de 10% e de correção monetária.

E tudo isso ocorre, por vezes, sem nenhuma chance de interromper o processo, visto que os bens do administrador ou do acionista podem ser bloqueados via penhora on-line. Vale lembrar, ainda em relação aos administradores, que os seguros especiais não cobrem nem o custo de um longo processo envolvendo o debate, nem os danos preliminares que o  seu patrimônio pode sofrer — dado que a garantia não protege previamente o patrimônio contra o bloqueio on-line, apenas o repõe num segundo momento.

Conclui-se, portanto, que a involução desta teoria, observada nos últimos anos, se não interrompida a tempo, colocará em risco a evolução da governança corporativa no Brasil. Afinal, ela depende fundamentalmente da disposição de profissionais sérios e competentes em se expor aos riscos envolvidos dentro de parâmetros razoáveis e minimamente seguros, além de prévia e objetivamente conhecidos.


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