Lucro do bem
Já se foi o tempo em que o objetivo era apenas ser sustentável. Agora, o desafio é ganhar dinheiro com a boa conduta

 

A palavra filantropia deixou, definitivamente, o vocabulário do mundo corporativo. Iniciativas que antes se limitavam a doações de cestas básicas à comunidade ou ao patrocínio do clube de futebol local foram substituídas por uma leva de ações pautadas pelo retorno e grau de eficiência esperados para o negócio. Na área ambiental, as companhias aprenderam não só a preservar o verde, como também a transformar a proteção em redução dos seus próprios custos. No âmbito dos recursos humanos, programas de satisfação dos funcionários aliaram-se às estratégias para aumento da produtividade. Essa é a cartilha da sustentabilidade eficiente. São iniciativas que, além do ganho intangível proveniente da melhoria de imagem ou do ambiente que cerca a companhia, exigem um benefício financeiro para garantir a sua própria continuidade.

Ao olharmos as práticas adotadas por companhias abertas brasileiras, vemos alguns exemplos desta espécie de “nova sustentabilidade”. A Aracruz, por exemplo, decidiu reduzir o uso de defensivos agrícolas substituindo-o por um controle biológico de pragas em suas florestas. Recentemente, atingiu a marca de dois quilos de defensivos aplicados por hectare, contra uma média do setor de cinco quilos. A redução representa não apenas uma medida preventiva de eventuais danos causados pelo produto químico à saúde humana e ao meio ambiente, como também uma economia de custos no cultivo da sua principal matéria-prima, o eucalipto.

“Cada vez mais, fica difícil tratar um investimento socioambiental de forma isolada”, diz o diretor de sustentabilidade e relações corporativas da Aracruz, Carlos Alberto Roxo. “Não existe projeto que funcione sem um equilíbrio entre eficiência, estudo de impacto na comunidade e retorno financeiro para a empresa.” Segundo ele, a cobrança por um negócio sustentável aumenta, principalmente, sobre as indústrias cujo ramo de atividade envolve recursos renováveis. Daí a importância de uma companhia do setor de papel e celulose, por exemplo, otimizar suas ações sociais para que atinjam outros benefícios ligados à própria operação.

A Votorantim Celulose e Papel (VCP) adota a mesma filosofia ao reciclar os resíduos sólidos provenientes das fábricas, utilizando-os como adubos. Fazem mais: aproveitam o lodo produzido nos processos industriais para a fabricação do chamado tijolo ecológico, que, por sua vez, é usado nas unidades da companhia. Na nova planta que planejam construir no Rio Grande do Sul, conhecida como Losango, haverá um programa de tratamento e reutilização de parte da água consumida, o que resulta numa conta mais barata desse recurso ao final de todo mês. Está previsto ainda que todos os gases gerados na produção da celulose sejam captados, condicionados e queimados numa caldeira, convertendo-se numa das fontes energéticas para a operação.

Umberto Cinque, diretor de meio ambiente da VCP, lembra que a eficiência da sustentabilidade também pode ser encontrada nos investimentos que acabam com desperdícios, assim como naqueles que diminuem os riscos ambientais inerentes às atividades operacionais. Em outras palavras, evitar um prejuízo resultante de um acidente de trabalho ou impedir um desastre ecológico proporciona benefícios econômicos tão significativos quanto aproveitar um resíduo na forma de adubo. Mas, e os acionistas, será que entendem essa estratégia de investimento? “Sim”, na opinião do diretor da VCP. “Qualquer gasto voltado a minimizar os riscos do negócio gera valor para a empresa, o que, conseqüentemente, se reflete no preço de suas ações.”

INTERESSES ALINHADOS — Em A Empresa Sustentável (Ed. Campus, 2007), que acaba de ser traduzido e lançado no Brasil, o consultor Andrew Savitz, do escritório Sustainable Business Strategies, de Boston, dedica um capítulo para tratar exatamente da otimização nos projetos socioambientais das companhias. O autor cita a história de uma montadora nos Estados Unidos que queria reduzir emissões de hidrocarbonetos decorrentes da produção de tinta utilizada nas pinturas. Tanto a tinta como o serviço de aplicação eram fornecidos por uma empresa especializada. Para atingir o objetivo, ambas entraram num acordo: em vez de ser remunerada pelo volume de tinta usado, a fornecedora passaria a receber pela quantidade de automóveis pintados. Assim, na medida em que se viu obrigada a trabalhar com mais eficiência no uso das tintas, a firma terceirizada diminuiu a emissão de produtos tóxicos. Atendeu ao pedido do cliente e, de quebra, economizou dinheiro com o material.

“Hoje as empresas mais bem-sucedidas são aquelas que passaram da defesa ao ataque no campo de batalha da sustentabilidade, evoluindo da pergunta ‘como podemos minimizar esse problema?’ para a resposta ‘como podemos lucrar com esse problema?’”, afirma Savitz. E sentencia: “Essa mudança de raciocínio será a diferença entre o sucesso e o fracasso para um número crescente de empresas na próxima década”.

Nesse contexto, parece óbvia, por exemplo, a obrigação de uma fábrica de cervejas em apoiar a reciclagem de latinhas, já que o negócio só tem a ganhar quando o alumínio usado voltar para a linha de produção, com um preço menor. Contudo, o desafio da sustentabilidade lucrativa é ir além. A AmBev, por exemplo, não só incentiva a reciclagem, como constrói estações para o tratamento de toda a água usada nas fábricas e reaproveita os resíduos vindos do processo industrial (cascas do malte, levedura e produtos decorrentes da fermentação, polpa de rótulos, entre outros) para, mais tarde, vendê-los no mercado.

NA PONTA DO LÁPIS — As cifras de quanto essas iniciativas representam no caixa da companhia são difíceis de calcular. Mas há quem se dê ao trabalho de contabilizar os valores, item por item, como é o caso da Braskem. No último balanço social disponível para consulta no site da companhia, o investidor consegue checar quantos reais foram economizados com cada medida adotada na área de sustentabilidade. A redução na geração de 5,5 mil toneladas de resíduos, por exemplo, representou um ganho de R$ 10,8 milhões para a empresa em 2005. Já a diminuição do consumo de energia e de água rendeu R$ 7,4 milhões. E o fato de não ter havido acidente ambiental ou de qualquer outra natureza relevante naquele ano também está computado como um benefício, de R$ 25 milhões. No total, a petroquímica registra uma economia de R$ 55 milhões fazendo o bem, para a comunidade e para si.

As empresas mais bem-sucedidas são aquelas que evoluíram de “como podemos minimizar esse problema?” para “como podemos lucrar com ele?”

Outra prova das vantagens financeiras da sustentabilidade eficiente pode ser vista na venda de créditos de carbono. Segundo estatística do Banco Mundial, esse mercado irá movimentar, mundialmente, € 34 bilhões até 2010. No Brasil, quem fez essa conta, para a própria empresa, foi o gerente de negócios florestais da Suzano Papel e Celulose, Luiz Cornacchioni. Só os 40 mil hectares de florestas no norte do Espírito Santo e sul da Bahia resultarão em 3 milhões de toneladas de CO2 aptos para serem comercializados até 2010. “Estimamos um ganho de US$ 1,6 milhão por ano com as vendas de dióxido de carbono emitido nessa unidade de produção”, afirma. No mês de março, a Suzano realizou a primeira venda, de 20 mil toneladas desses gases, e arrematou US$ 80 mil.

Segundo a estimativa da Management & Excellence (M&E) — consultoria com sede em Madri que elabora ratings de governança corporativa e sustentabilidade entre as companhias abertas de Estados Unidos, Europa e América Latina —, os investimentos em ações socioambientais tendem a crescer de 8% a 10% anualmente, nos próximos três anos. Em entrevista a Capital Aberto, o diretor da M&E, William Cox, explica as duas principais razões que vão impulsionar esse fenômeno. “A primeira são as próprias companhias, na medida em que enxergam o quanto podem ser lucrativos os programas socialmente responsáveis quando os recursos são bem aplicados”, diz.

A segunda razão, afirma, é a cobrança que virá da sociedade — sobretudo num momento em que preocupações com o aquecimento global estão deixando as publicações científicas para fazer parte de conversas rotineiras em todo o mundo. Recente pesquisa encomendada pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) revelou que quatro em cada dez brasileiros acreditam que o principal papel do empresário na sociedade é contribuir com ações sociais. O segundo, investir na economia do País (33% das respostas). Entre os entrevistados das classes A e B, o percentual de quem entende as práticas de sustentabilidade como uma obrigação das empresas aumenta ainda mais: 46%. Se a sociedade já não deixa outra opção além de praticar o bem, melhor que seja bem-feito e, de preferência, renda lucros. É o que poderíamos chamar de sustentabilidade sustentável.


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