Sem sucesso, por enquanto
Equívocos nas projeções e imprevistos derrubam cotações de algumas novatas, mas RIs batalham para reverter o prejuízo

ed43_p022-025_pag_1_img_001Dez entre dez profissionais de Relações com Investidores (RI) costumam afirmar que os resultados da companhia não dependem da área deles — mas a apresentação desses resultados, assim como de toda a estratégia que vai sustentar a projeção de ganhos, esta sim, depende. E se isso não influencia os resultados, é capaz certamente de ter efeito sobre o preço da ação na bolsa, como mostram casos recentes de ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês) que não tiveram boa performance no Novo Mercado da Bovespa. Alguns papéis ficaram à margem da euforia provocada pelas novatas entre os investidores e acumulam, desde a data do seu lançamento, perdas de até 70% em relação à variação do Ibovespa no mesmo período (ver informações na página ao lado). Na maioria dos casos, segundo analistas, a empresa prometeu mais do que foi capaz de entregar ou simplesmente não deixou claro aos investidores o seu modelo de negócio, o que despertou dúvidas a respeito da geração consistente de resultados, em especial quando se trata de setores com os quais o mercado tem pouca familiaridade.

“Houve certa ingenuidade de nossa parte em comunicar expectativas que acabaram não se concretizando, o que gerou uma crise de confiança”, reconhece Doris Wilhelm, gerente de RI da Grendene, a respeito do momento pós-IPO. Márcio Kawassaki, da Fator Corretora, concorda. “Uma coisa é ter boas expectativas, outra é poder cumpri-las”, afirma o analista, um dos onze que acompanham a empresa. Segundo Kawassaki, o ponto de virada da Grendene na bolsa se deu na metade do ano passado, quando a companhia mudou o discurso e apresentou metas mais realistas. “Eles tiveram problemas como a valorização expressiva do real, o que afetou suas exportações, responsáveis por boa parte da receita, mas souberam fazer a lição de casa e o papel está reagindo positivamente”, diz o analista, que no final de 2006 elevou a recomendação de compra das ações da empresa.

Doris reforça a análise: “Nós procuramos nos adaptar ao cenário mais competitivo com a redução de custos e despesas, além de agregar valor ao preço médio do produto. Com isso recuperamos rentabilidade, tanto nas exportações quanto no mercado doméstico”, diz a gerente de RI — que lançou ações no Novo Mercado em outubro de 2004, mas, até o dia 22 de fevereiro, amargava rentabilidade 51% inferior à do Ibovespa. Para provar que o pior já passou, Doris dá os números mais recentes da Grendene: no quarto trimestre de 2006, o papel subiu 37,5%, contra 22% do Ibovespa; este ano, até o último dia 22, registrou 22% no pregão, contra 4,4% do índice da bolsa. Mas a maior mudança parece ter ocorrido mesmo na área de RI, que vem se esforçando para evitar novos ruídos na comunicação. “Adotamos uma postura muito mais pró-ativa”, diz.

TRANSPARÊNCIA — A disposição em aprender com os próprios erros também pode ser conferida na CSU CardSystem. Com ações no Novo Mercado desde abril do ano passado, a empresa acumulou, até 22 de fevereiro, quase 34% de queda em relação ao Ibovespa. “A área de RI está empenhada em melhorar a comunicação para ajudar a combater a forte desvalorização enfren tada por seus papéis”, diz Carlos Lazar, gerente de RI da CSU. “Isso significa informar aos investidores sobre tudo o que acontece com a companhia, sejam fatos bons ou ruins, com a máxima transparência”, afirma.

No ano passado, a CSU perdeu contratos importantes com bancos, seus principais clientes, o que impactou os resultados e acabou afugentando investidores. “Hoje, procuramos entrar em contato com grandes investidores sempre que observamos um movimento maior de venda ou compra, para saber qual o motivo”, diz Lazar. Paralelamente à busca de maior cobertura por parte dos analistas (atualmente são quatro instituições, contra duas na época do lançamento), o RI tem aprimorado o site, incluindo ferramentas que permitam maior interatividade como, por exemplo, a consulta à cotação das ações.

Na opinião de Daniel Gorayeb, analista da Spinelli Corretora, a companhia soube reagir rápido à perda de contratos: reestruturou sua área comercial, chamando a atenção para outros produtos do seu portfólio (a especialidade da CSU é a administração de cartões de crédito para terceiros, mas também oferece serviços de call center, análise de crédito e cobrança e programas de fidelização); substituiu o seu antigo sistema operacional para cartões de crédito por uma plataforma tecnológica mais avançada; e também fechou um grande contrato com a Caixa Econômica Federal (CEF), no valor de R$ 200 milhões, cuja receita começa a ser absorvida este ano. “Talvez o balanço de 2006 ainda apresente prejuízo, mas acreditamos que, até janeiro de 2008, a empresa pode recuperar o valor da sua ação no IPO, que foi de R$ 18”, diz Gorayeb, que não entende que o preço estava alto na época do lançamento. “O valor só se mostrou elevado perante as perdas contratuais da CSU ao longo do ano”, afirma. No último dia fevereiro, as ações estavam cotadas a menos de R$ 15.

CETICISMO — No caso da Rossi, que acumula uma variação negativa de 20% em relação ao Ibovespa desde que estreou no Novo Mercado, em fevereiro do ano passado, houve uma expectativa de crescimento mal comunicada, segundo um analista. “Eles apresentaram uma meta de lançamentos muito ambiciosa, com projeção de volume geral de vendas (VGV, métrica do setor) de R$ 800 milhões no ano, e registraram R$ 80 milhões no primeiro trimestre, o que gerou ceticismo no mercado quanto à sua capacidade de atingir o prometido”, diz o analista. A empresa acabou entregando acima do que havia previsto, conforme apontou o balanço divulgado de 2006 (VGV de R$ 1,15 bilhão, 192% superior ao de 2005), mas, à época, o mercado não acreditou que isso aconteceria.

Enquanto a confirmação de desempenho não vinha, os múltiplos da Rossi (como o índice preço/lucro) começaram a ser comparados aos de outras do setor (Gafisa e Cyrela, por exemplo), o que pressionou ainda mais por uma reversão nas cotações. “E quando a empresa começou a apresentar melhores margens nos trimestres posteriores, outras companhias já despertavam a atenção dos investidores”, segundo o analista. “Hoje o preço do papel não reflete a performance operacional da empresa”, diz o analista.

Empresas de segmentos pouco representados lidam com o dilema de divulgar ou não informações que seriam bem-vindas pelos concorrentes

Sergio Rossi Cuppoloni, diretor de Relações com Investidores da incorporadora, está certo disso. “Nós saímos com metas agressivas e não acreditaram nelas”, diz o executivo. “O mercado quer ver resultados e isso é uma questão de tempo, mas é bom lembrar que os ganhos com cada novo empreendimento exigem um período médio de 36 meses para serem absorvidos”, afirma Rossi. Enquanto isso, a empresa vem se dedicando a estreitar o relacionamento com os investidores, especialmente as pessoas físicas, que já respondem por cerca de 25% do volume negociado em bolsa, segundo o executivo.

PRECONCEITO — A Medial Saúde, que entrou no Novo Mercado em setembro, também acredita que o tempo vai se encarregar de corrigir a má impressão da estréia. “O desempenho da ação não pode ser avaliado nesse curto espaço de tempo”, diz o diretor financeiro e de Relações com Investidores da companhia, Cassiano Leme. “Nosso investidor vai se desenvolver ao longo de anos”, afirma. Até 22 de fevereiro, o papel acumulava queda de quase 17% em relação ao Ibovespa. Para Luiz Otávio Campos, analista do Credit Suisse, o mercado não esperava um resultado tão ruim logo após o IPO, com aumento de quatro pontos percentuais na sinistralidade em comparação ao mesmo período do ano anterior.

“O balanço do terceiro trimestre desapontou os investidores”, diz ele, que também acredita em um certo “preconceito” envolvendo as seguradoras de saúde, uma vez que boa parte do mercado não confia na capacidade do segmento de gerar lucros. De julho a setembro de 2006, a empresa registrou prejuízo de R$ 20,6 milhões, por conta dos custos para a estréia na bolsa; porém, desconsideradas as despesas com a oferta de ações, a Medial teria lucrado R$ 5 milhões, 28,5% menos que os R$ 7 milhões do terceiro trimestre de 2005. Campos avalia, no entanto, que o quadro deve se reverter. “A empresa tem potencial para apresentar boa rentabilidade”, diz.

Cassiano Leme tem as mesmas expectativas. “A maior prova disso é o preço da ação, que está acima do valor negociado no IPO”, diz. Na estréia, o papel da Medial foi cotado a R$ 21,50 e, no dia 26 de fevereiro, fechou a R$ 23,15. Leme afirma que a área de RI tem procurado municiar os investidores com as informações necessárias para uma avaliação completa da empresa. E espera que o número de analistas que cobrem a companhia aumente em breve — atualmente, são apenas dois. “Já fomos informados de que mais três casas vão começar a cobertura”, revela.

QUANDO MENOS É MAIS — A plena transparência, porém, também pode esbarrar em questões com as quais as novatas em pregão ainda estão aprendendo a lidar. Por vezes representantes de segmentos pouco negociados na bolsa, elas lidam com o dilema de divulgar ou não informações que certamente seriam muito bem-vindas pelos concorrentes.

Esse é o caso da American BankNote, do singular mercado de impressos de segurança, que envolve documentos de identidade, carteiras de habilitação, cartões telefônicos, de crédito e talões de cheque. Trata-se de um segmento em que os demais competidores são todos de capital fechado. “Aos poucos conseguimos convencer o mercado de que o próprio acionista sairia prejudicado se houvesse a demonstração da nossa planilha de custos, porque entregaria aos concorrentes a vantagem competitiva da companhia”, afirma Carlos Affonso d’Albuquerque, gerente de RI da ABNote.

Segundo o executivo, o desconhecimento do negócio gerou certa apreensão dos analistas em um primeiro momento no que se refere à capacidade da empresa de gerar resultados. “Sempre fomos lowprofile e continuamos assim, mas agora estamos o tempo todo disponíveis para falar sobre a empresa, seja em reuniões ou road shows aqui no Brasil ou no exterior”, diz o gerente de RI da ABNote, que esteve em apenas uma Apimec no ano passado e estuda a participação em mais de uma este ano. Na época do IPO, os buracos na comunicação acabaram gerando impacto no valor da ação, lançada em abril e, até fevereiro, negociada abaixo do Ibovespa. Para um analista, no entanto, o fato de o preço da ação ter sido lançado no teto ajudou o papel a ter um desempenho aquém do esperado. “A turbulência no mercado observada a partir de maio, com a saída de investidores estrangeiros da bolsa, ajudou a arrastar o preço para baixo”, comenta o analista.

DESCONHECIDAS — O mês de maio também não se mostrou auspicioso para a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). A companhia sofreu com a alocação de 75% do capital para estrangeiros no IPO. “Houve uma fuga de capital estrangeiro da bolsa e as empresas que eram pouco conhecidas e haviam lançado ações pouco antes foram naturalmente prejudicadas”, diz Murilo Torres, gerente de RI da Copasa. O executivo afirma, no entanto, que o quadro vem se revertendo e uma boa fase está em curso desde o final de 2006, com a Lei do Saneamento Básico (que entrou em vigor em fevereiro), e o anúncio do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) por parte do governo federal, que promete destinar R$ 3 bilhões ao setor.

“O mercado teve uma percepção positiva do PAC e isso vem se refletindo no preço das nossas ações”, diz Torres, que faz questão de lembrar a performance do papel este ano: 13,8% até 22 de fevereiro, contra 3,9% do Ibovespa. A boa impressão é reforçada com o trabalho da área de RI, segundo o executivo: realização de conferências com tradução simultânea para o inglês, divulgação de informativo mensal e semanal com dados operacionais, road shows na Europa e Estados Unidos e participação em três Apimecs (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte). “O mais importante foi a realização do Copasa Day, em outubro, experiência que devemos repetir este ano”, afirma. O analista Carlos Nunes reconhece o esforço da empresa. “A Copasa enfrentou um momento ruim, mas vem apresentando múltiplos melhores que os da sua correlata mais famosa, a Sabesp”, diz o profissional da Coinvalores, uma das nove casas que cobrem a estatal mineira.


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