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Stewart Hamilton – No topo, o alicerce
Entrevista com Stewart Hamilton, professor de contabilidade e finanças do IMD - instituto internacional de desenvolvimento gerencial sediado em Lausanne, na Suíça. Ele falou sobre os grandes desastres corporativos, suas principais causas e alguns meios para evitá-los.

ed40_p010-012_pag_2_img_001Após palestra realizada durante o 7º Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, em São Paulo, o professor de contabilidade e finanças do IMD – instituto internacional de desenvolvimento gerencial sediado em Lausanne, na Suíça – Stewart Hamilton, falou à Capital Aberto sobre os grandes desastres corporativos, suas principais causas e alguns meios para evitá-los. Em resumo, a falência de uma companhia, segundo ele, vem de seu próprio conselho. Ou seja, lá do alto.

Há trinta anos o professor Stewart Hamilton estuda a falência de grandes corporações, à procura de causas comuns para as quais investidores zelosos, conselheiros de administração e executivos deveriam estar sempre atentos, mas não estão. Em sua opinião, isso acontece porque as escolas de negócios se concentram demasiadamente no ensino dos fatores de sucesso e, também, porque as memórias, no mundo financeiro em especial, são curtas demais.

Os últimos 25 anos na Suíça (e os outros mais de vinte como auditor na Inglaterra e consultor de empresas pela Europa afora) não foram suficientes para apagar o sotaque forte de sua Escócia natal, de onde ainda guarda o característico humor ácido, quase ferino. Afeito a frases polêmicas, Hamilton não poupa ninguém e distribui entre auditores, profissionais de bancos de investimento, conselheiros, executivos, investidores, jornalistas e acadêmicos a devida parcela de culpa pelos episódios que ficaram conhecidos como grandes escândalos contábeis – uma denominação que, no seu entender, é insuficiente para classificar um problema muito mais complexo.

Em sua palestra, o senhor afirmou que uma empresa começa a apodrecer no topo, ou seja, a partir da existência de um conselho de administração fraco. Que elementos fatalmente minam a força de um conselho?

Manter o status que é a maneira mais fácil de fazê-lo. Se determinada companhia cria uma espécie de zona de conforto para seus conselheiros, concedendo-lhes remuneração em níveis demasiado sedutores, por exemplo, é bem provável que esses indivíduos adotem uma postura mais complacente ou até mesmo se sintam constrangidos em fazer perguntas duras, que ponham a estratégia à prova o tempo todo. Na Enron os membros não-executivos do conselho ganhavam US$ 350 mil por ano para realizar cinco reuniões de um dia e meio. A média paga pelas outras companhias norte-americanas na época ficava entre US$ 60 mil e US$ 65 mil. Seria prudente arriscar com perguntas incisivas um trabalho que paga US$ 70 mil dólares por dia? Talvez esses números tenham afetado um pouco a capacidade de julgamento desses indivíduos.

E o que mais pode prejudicar a eficácia de um conselho?

Outro caminho certo para isso é reduzir a capacidade efetiva dos acionistas de sugerir ou rejeitar candidatos ao conselho, ou mesmo de destituir membros eleitos que não apresentem desempenho satisfatório. Sei que é muito comum nos Estados Unidos, onde os presidentes das companhias acabam escolhendo os seus próprios conselheiros diretamente. Como ter certeza de que irão agir com independência, se foram escolhidos justamente por aquele que, em última instância, devem fiscalizar? Um problema comum nesses casos é ilustrado pela história da Swissair. De controle familiar, a companhia aérea costumava dizer que uma de suas maiores forças estava no conselho, formado por homens de negócios extremamente bem-sucedidos. Mas, com exceção de sua ampla experiência voando de primeira classe, esses homens de sucesso não entendiam absolutamente nada de linhas aéreas. Entendiam tão pouco que acabaram permitindo uma das aquisições mais mal avaliadas de que temos notícia: a da Sabena, companhia aérea controlada pelo governo belga e que tinha os custos mais altos da Europa. No passado era comum “alugar” um membro do parlamento ou um político aposentado para conferir prestígio a um conselho. Isso tende a acabar à medida que as companhias se vejam obrigadas por seus acionistas a apresentar justificativas claras para a escolha deste ou daquele conselheiro. Por isso é tão importante garantir direito de voz numa eleição.

E por que um conselho fraco é o caminho mais curto para o desastre de uma companhia?

Porque ele abre as portas para uma série de outros elementos perigosíssimos à boa saúde de uma corporação que, combinados, compõem o que eu costumo chamar de “matriz da desventura”. Na presença de um conselho ineficiente, crescem as chances de estratégias falhas serem implementadas, uma conseqüência imediata do questionamento insuficiente. A segunda conseqüência é a escalada de um presidente dominante, que dispõe dos recursos da companhia como se fizessem parte de seu cofrinho pessoal. Essa sanha controladora cresce com o tempo, estimulada em princípio por aquele membro da alta administração (e sempre há um) que acredita que o presidente pode tudo, inclusive caminhar sobre as águas.

É dessa arrogância, combinada a uma ambição desmedida, que surgem as políticas de remuneração abusivas, com seus planos de concessão de opções de ações que podem colocar tudo a perder. A Enron, mais uma vez, ilustra esse processo com perfeição. No último ano em que publicou balanço, os 200 maiores executivos receberam US$ 1,4 bilhão. O maior lucro distribuído aos acionistas foi de US$ 915 milhões e, ainda assim, o conselho não fez nada, já que estava levando o seu próprio quinhão. Coloque tudo isso num ambiente de controles internos inadequados e está criado o cenário para o desastre.

Num país como o Brasil, em que a legislação permite que a remuneração da alta administração (conselheiros e principais executivos) seja divulgada apenas no agregado, de que maneira os acionistas podem avaliar se os valores pagos são adequados ou se estão contribuindo para criar a tal zona de conforto que o senhor mencionou?

Em casos assim, uma avaliação adequada é realmente muito difícil de fazer. A melhor maneira seria mudar a legislação e tornar a divulgação detalhada obrigatória, não apenas para salários, mas também para todos os outros benefícios concedidos. Isso já aconteceu no Reino Unido, nos Estados Unidos, vai começar no próximo ano no Canadá e está muito perto de virar realidade na Alemanha. E vale ressaltar que a comunidade de investidores tem um papel relevante nesse sentido. Boa parte das companhias canadenses já divulga essas informações detalhadas, antes mesmo de haver o projeto de lei, graças à exigência de uma associação de investidores institucionais.

Além de uma base de acionistas pouco engajada, que outros fatores externos à companhia podem contribuir para que esse cenário desastroso se desenhe?

A falta de supervisão e de participação dos acionistas é, sem dúvida, o mais letal. Mas há uma série de agentes que podem contribuir para que um conselho conteste menos do que deveria. Auditores que aprovam demonstrações financeiras agindo sem o devido ceticismo formam a primeira categoria. Os analistas, com suas recomendações de compra ou venda, podem estimular uma valorização artificial das ações. As agências de classificação de risco, se falharem na revisão das notas atribuídas, também. É muito difícil encontrar uma pessoa que insista em questionamentos severos quando todas as “autoridades” do mercado parecem dizer que está tudo bem. E não podemos, é claro, nos esquecer da imprensa. Pouco antes do escândalo todo da Enron vir à tona, seu presidente apareceu na capa da Revista Fortune como um executivo genial, seu diretor de operações estampava uma capa da Business Week que o cobria de elogios e o diretor financeiro foi eleito pela CFO Magazine como o mais criativo do ano. Um conselheiro não-executivo, numa situação dessas, tem espaço para colocar em dúvida as decisões de um time que todo mundo trata como campeão?

Por que a imprensa não foi capaz de detectar os sinais de que havia algo de muito errado em casos como o da Enron?

Não se esqueça dos acadêmicos nesse processo também! O presidente do comitê de auditoria da Enron era um reconhecido acadêmico na área de contabilidade, foi reitor da Universidade de Stanford e autor do livro de finanças corporativas adotado por todas as boas universidades norte-americanas e canadenses na década de 70. Um outro membro desse comitê era um renomado auditor inglês. Havia ali dois homens mais do que qualificados para o trabalho de supervisão dos números, qualificados inclusive de acordo com os parâmetros estabelecidos posteriormente pela lei Sarbanes-Oxley. Mas essa qualificação não parece ter sido suficiente para impedi-los de fazer o que fizeram.

E a imprensa?

As falhas de jornalistas e acadêmicos nesses casos são praticamente as mesmas e têm uma origem comum: a preguiça. Muitos preferem uma boa história, pré-digerida, do que o desconforto de cavar informações difíceis de obter. No caso da Enron, há que se fazer justiça a Bethany McLean, da Revista Fortune, que fez um excelente trabalho de questionamento. Ela não obtinha as respostas, e era exatamente aí que residia a sua boa história. Ela foi a primeira jornalista de uma publicação nacional nos Estados Unidos a levantar dúvidas sobre as operações que a Enron vinha fazendo e a perguntar se suas ações não estariam supervalorizadas. É graças a profissionais como McLean que o ceticismo em relação ao jornalismo não é ainda maior.

Como os acionistas podem intervir e pressionar conselhos que não venham atuando a contento, deixando de fazer o que o senhor chama de perguntas duras?

Tradicionalmente, a assembléia anual de acionistas seria o momento mais apropriado a esse tipo de questionamento, mas reconheço que em muitos casos essas reuniões são estruturadas e conduzidas para minimizar a manifestação de posturas dissidentes e até mesmo dificultar a realização de perguntas. Existe, no entanto, um sentimento crescente de que os acionistas têm o direto de ser ouvidos e ele é estimulado, em boa parte, por websites e weblogs. Eles ampliaram significativamente a capacidade de pressão da comunidade de investidores. Temendo o potencial de dano que esse tipo de campanha pode gerar, muitas companhias têm dado atenção especial aos questionamentos de acionistas ou até mesmo do público em geral. Recentemente, conheci em Cingapura um outro modelo fascinante: uma associação de acionistas individuais. Além de promover a educação básica de investidores, eles atuam como guardiões das boas práticas de governança e dos direitos de investidores individuais, chegando a mover processos judiciais. Chama-se Sias (Securities Investors Association) e existe desde 1999. Sua atuação ao longo desses anos foi tão eficiente que hoje as companhias a consultam antes de decidir sobre uma determinada operação.


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