Por que não sai?
Lançado há um ano e cheio de candidatas para inaugurá-lo, Bovespa Mais segue à espera de adesões

Não é a primeira vez que a bolsa brasileira vive a expectativa de adesão a um segmento diferenciado de listagem. Entre o lançamento do Novo Mercado e a estréia de uma companhia, foram 14 meses. A segunda só viria depois de outros 26. É certo que hoje o mercado de capitais nacional, sua reputação externa e a própria economia são bem diferentes do que no final de 2000. Os recordes de ofertas iniciais de ações (IPOs) se superam desde 2004; os papéis das recém-chegadas, em geral, só valorizam e já não é preciso emitir certificados de depósitos de ações nos Estados Unidos (ADRs) para atrair investidores estrangeiros, que aplicam seus recursos diretamente aqui. Mas é esse aquecimento todo, justamente, um dos fatores que tem atrasado a inauguração do Bovespa Mais, dirigido a empresas de médio porte ou com estratégia de entrada gradual no universo das companhias abertas.

O ritmo acelerado de ofertas no Novo Mercado e no Nível 2 não só ocupa 100% da capacidade instalada dos estruturadores dessas operações (underwriters) como também ajuda a concentrar a demanda dos investidores. Ele permite, ainda, que antigas candidatas ao Bovespa Mais voem mais alto e cheguem à bolsa diretamente no Novo Mercado. Foi o caso da Company, a construtora e incorporadora imobiliária paulista, e também da Lupatech, fabricante de bombas e válvulas gaúcha. As duas eram, até o final de 2005, as mais cotadas a inaugurar o novo segmento. Tudo indica, no entanto, que elas não foram as únicas. João Batista Fraga, superintendente de relações com empresas da bolsa, se recusa a falar nomes, mas admite que “umas quatro ou cinco empresas com todas as características de Bovespa Mais foram direto para o Novo Mercado, sobretudo no início desse ano, graças à boa procura dos investidores por ofertas de ações”.

CONDIÇÕES ESTRUTURAIS — Para Átila Noaldo, diretor adjunto do Banif Banco de Investimento, assim como ocorreu com o Novo Mercado, o Bovespa Mais está à espera de uma convergência de condições estruturais, algumas delas já em curso. Ele se refere ao processo gradual de queda da taxa de juros, que deve atrair novos recursos de quem já investe em bolsa, além ampliar a participação de brasileiros, outra condição que deve estimular o novo segmento.

Como se destina a operações de até R$ 150 – R$ 200 milhões, o Bovespa Mais tende a atrair investidores com um perfil diferenciado. “Tem de haver disposição para correr riscos, capacidade técnica apurada para avaliá-los e um horizonte de investimento de mais longo prazo” diz Fraga. “Não é exatamente um investidor de private equity, nem o institucional tradicional.”

Os representantes das corretoras ouvidos pela reportagem concordam que a participação de estrangeiros deve ser bem menor que no Novo Mercado, onde a média é de 70%, e muitos apontam os family offices, que administram os recursos de famílias afluentes, como investidores com o perfil para esse tipo de empresa.

Outra dessas condições estruturais é apontada por Daniel Gorayeb, analista de investimentos da Spinelli Corretora: o volume médio de recursos levantados em IPOs, que já começa a diminuir. “A média das captações em 2006 já é 6% inferior à de 2005.” Ele diz que, mesmo tímido, esse movimento já sinaliza uma tendência de redução no tamanho das ofertas, o que poderia ampliar o interesse pelas aberturas de capital no Bovespa Mais. “À medida que essa média cair, o número de empresas interessadas deverá crescer.”

E esse maior número de candidatas não deve ser atendido apenas pelos underwriters tradicionais — hoje representados por cinco bancos de investimento, todos internacionais e de grande porte. As novas empresas abrem espaço para novos participantes, com destaque para grandes e médias corretoras e também outros bancos de investimento.

Alguns deles, inclusive, já começaram a atuar. Além de participar ativamente de todas as reuniões com empresas que são organizadas pela bolsa, pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e pelo BNDESPar, bancos e corretoras têm investido para garantir sua participação. O Banif Banco de Investimentos contratou novos profissionais para a área de renda variável e eles estão dedicados à análise cautelosa das empresas que podem vir a assessorar.

A Ágora está em pleno processo de prospecção. Álvaro Bandeira, diretor da corretora, diz que “há um celeiro de boas empresas querendo crescer”. E destaca os setores de tecnologia e de construção. “O primeiro tem empresas redondinhas, e o segundo conta com ótimas candidatas, tecnicamente muito competentes.” Ele não tem dúvida de que as boas ofertas deste nicho vão começar, mas no seu devido tempo.

A Corretora Elite já trabalha na preparação de uma empresa do setor químico, cujo nome não revela, para uma oferta que deve acontecer em 2007. A Planner também tem se reunido com empresas potenciais e se prepara para atuar na estruturação de ofertas. A Spinelli diz estar atenta às mudanças no mercado de intermediação financeira, mas ainda não tem nenhum plano em fase de implementação. Daniel Gorayeb explica que a corretora “não descarta trabalhar com produtos diferenciados, de maior valor agregado, mas, por enquanto, não há nenhuma iniciativa que se possa divulgar”. Outras instituições conhecidas não falam sobre planos de entrada no mundo dos underwriters, mas os comentários do mercado indicam que elas têm o novo filão em vista. Entre elas estariam a Prosper, a Codepe, a Gradual e o Banco Fator.

LISTAS DE PROSPECÇÕES — A principal fonte de contatos entre as instituições financeiras e as empresas são os eventos de aproximação promovidos pela bolsa e pela Finep. É a partir deles que as corretoras têm montado as suas listas de prospecção. A Elite, que foi a coordenadora líder do IPO da Renar Maçãs em 2005, já avaliou 15 empresas. Seu diretor, Afrânio Barbosa de Souza, conta que “70% ainda requerem um trabalho de aculturamento de, no mínimo, cinco anos”.

Embora não faça comentários a respeito da experiência com a oferta da Renar — empresa familiar catarinense que captou R$ 16 milhões e cujas ações sofreram forte desvalorização — Souza detalha cuidados que precisam ser tomados no trabalho de preparação das candidatas. O primeiro aspecto que ele aborda é a auditoria externa. “O ideal é passar pelo processo por pelo menos dois anos consecutivos antes de vir à bolsa.” Um conselho com membros independentes que esteja em funcionamento há pelo menos um ano é outra condição desejável para garantir que a cultura da empresa esteja realmente preparada para a vida como companhia aberta. “A oferta pública tem de ser um projeto implementado com cuidado e que tenha, fundamentalmente, uma administração profissional”, alerta o diretor da Elite.

Álvaro Bandeira, da Ágora, também fala da responsabilidade do estruturador quanto ao preparo da empresa para entrar no mercado. “Todos os envolvidos no processo de listagem devem estar fortemente comprometidos. O sucesso ou fracasso de um lançamento depende deles.” Para isso, ele ressalta a importância do trabalho de base. “Funcionamos quase como um consultor, auxiliando na mudança de cultura e introduzindo novos conceitos. É um trabalho que também requer tempo.”

Esse tempo certamente colabora para o atual compasso de espera do Bovespa Mais, que os entrevistados encaram com naturalidade. Para Bandeira, ainda estamos dentro do período de maturação esperado. “Ninguém tinha ilusão de que seria fácil deslanchar.” Afrânio Barbosa de Souza, da Elite, lembra que o prazo mínimo para um preparo cuidadoso da candidata é de pelo menos um ano. “Quem quer vir muito rapidamente não se enquadra no perfil de empresas que buscamos.”

Existem dúvidas das candidatas quanto à visibilidade do segmento e a uma eventual competição com companhias do Novo Mercado

A preocupação é totalmente justificável já que as exigências do Bovespa Mais são praticamente as mesmas do Novo Mercado. As únicas exceções são o tempo para alcance do percentual mínimo de ações em circulação (25%) — que no Bovespa Mais vai até sete anos — e a obrigatoriedade de esforço de dispersão da oferta entre diferentes perfis de acionistas — no Bovespa Mais as ofertas podem se destinar apenas a investidores de um determinado perfil, mais adequado ao estágio de evolução da companhia.

Apesar dessas diferenças, a similaridade de obrigações com as companhias do Novo Mercado pode justificar a idéia que várias candidatas ao Bovespa Mais já admitiram ter: segurar o processo e ganhar musculatura para sair diretamente no Novo Mercado. Ricardo Penna, diretor da Planner, avalia que uma revisão nas exigências poderia facilitar a decisão das mais reticentes. Essas exigências são estabelecidas pelo regulamento da bolsa, mas a orientação geral é dada por uma instrução da CVM que conta com promessa de reforma até o fim da gestão atual, em julho de 2007. Trata-se da Instrução 202, que ainda não tem previsão para sair.

“Se houver patamares de exigência diferenciados, especialmente quanto à divulgação de informações, acredito que o estímulo ao segmento seja reforçado”, afirma Penna. Ele destaca a obrigatoriedade de publicação de comunicados e convocações em jornais de grande circulação e no Diário Oficial. “Esse custo fixo tem peso relevante para uma companhia de menor porte e afeta inevitavelmente a sua decisão de abertura de capital.” A eliminação completa dessa exigência específica, contudo, não depende apenas de nova instrução, mas também da aprovação do projeto de lei 3.741, que reforma a parte contábil da Lei das S.As.

Outro fator que certamente complica a decisão é a inexistência de companhias listadas. “Quase ninguém quer pagar o preço de ser o primeiro e correr os riscos de exposição sozinho”, opina o diretor da Planner. Bandeira, da Ágora, lembra que também existe uma apreensão das candidatas quanto à visibilidade do segmento e a uma eventual competição com companhias do Novo Mercado. Pelo jeito, é mesmo preciso dar tempo ao tempo para que este projeto consiga quebrar o ovo.


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