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No alvo dos acionistas
Crescem as discussões sobre os processos de avaliação de conselheiros, seu limite de idade,o prazo para permanência na função e a quantidade de órgãos em que participa

 

Até o início dos anos 90, os integrantes dos conselhos de administração enfrentaram a depreciativa alcunha de “amigos do clube de golfe”, numa referência ao círculo de amizades do presidente da companhia, que costumava presidir também o conselho, e chamava conhecidos para compor o órgão com o único objetivo de cumprir uma formalidade. Depois da abertura de mercados e do início das discussões sobre governança corporativa, com destaque para a figura do conselheiro independente, o jeito de encarar o papel dos membros do “board” mudou sensivelmente: nas grandes empresas, o nome do conselheiro passou a ser usado quase como peça de marketing, dando início a uma disputa por “medalhões” das esferas política e de negócios (em geral, ex-ministros e ex-principais executivos de renome), capazes de emprestar parte do seu sucesso pessoal para a empresa, que assim se tornava mais vistosa aos olhos dos investidores. Agora, começa a despontar uma terceira fase na vida dos conselheiros: eles precisam mostrar por que fazem diferença no dia-a-dia das organizações. E, como todos os outros mortais, também devem ser avaliados.

Trata-se de uma tarefa difícil em qualquer lugar do mundo, por uma simples razão: os conselheiros estão no topo da hierarquia, ocupando o órgão máximo da empresa. Quem pode avaliá-los? O modelo mais comum é um questionário de auto-avaliação preenchido pelo conselheiro, no qual também há um espaço para comentários sobre o desempenho dos seus pares. O documento é entregue ao presidente do board que, por sua vez, realiza posteriormente uma reunião com cada um e faz as suas observações. “Nestes casos, uma consultoria externa pode ajudar a determinar os parâmetros da avaliação, que costuma ocorrer uma vez por ano”, diz o consultor em governança Luciano Ventura.

Segundo Alexandre di Miceli, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), no Brasil é “quase nula” a avaliação individual e do órgão pelos conselheiros. “É algo ainda muito delicado dentro da nossa cultura, que costuma encarar qualquer crítica como uma questão pessoal”, diz Di Miceli. José Guimarães Monforte, presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), concorda, mas acredita que a governança no Brasil já está pronta para ir além do atual estágio. “As boas práticas são implantadas gradualmente para conquistar legitimidade no mercado”, diz Monforte. “Agora que as empresas estão convencidas dos benefícios da governança, podemos iniciar uma discussão pertinente à qualidade do conselho de administração”, afirma.

No País, uma recente iniciativa nesse sentido foi tomada pelo Banco Itaú, que na última assembléia de acionistas aprovou a ampliação das atividades do Comitê de Remuneração, cujo nome passou a ser Comitê de Nomeação e Remuneração. Uma das novas tarefas do grupo é propor parâmetros para avaliar o conselho. “Ainda não sabemos exatamente quando os critérios estarão definidos, mas provavelmente só serão implementados no próximo ano”, diz Geraldo Soares, superintendente de Relações com Investidores da holding. Formado por até sete membros, incluindo o presidente da diretoria, o grupo será liderado pelo presidente do conselho e suas propostas precisarão ser sancionadas pelo board — mesma condição prevista nos demais modelos de avaliação.

Mas se é o próprio conselheiro, junto com seus pares, quem decide o que será levado em conta para medir o seu desempenho e o do grupo, os critérios de avaliação não tendem a ser auto-indulgentes? Para Fernando Alves, sócio-presidente da PricewaterhouseCoopers no Brasil, em tese, os méritos dos conselheiros já são analisados durante as eleições anuais para compor o órgão, quando os acionistas decidem mantê-los ou não. “Ao criar um ambiente em que todo mundo fiscaliza todo mundo o tempo todo, a empresa corre o risco de se prender a préconcepções inócuas e engessar tomadas de decisão importantes”, diz o executivo.

EM BUSCA DE REFERÊNCIAS — A procura por um modelo de composição e avaliação dos conselhos faz parte do aprimoramento das práticas de boa governança, uma vez que os eleitos para o órgão podem vir a defender interesses dos acionistas que os indicaram e não os interesses da companhia, como seria esperado. Embora ainda não seja uma prática difundida no Brasil, medir a participação dos membros do board no desenvolvimento da empresa vem sendo objeto de intensas discussões no exterior, com o principal objetivo de transformar em ótimo aquele que já é um bom conselho. Para isso, as propostas abordam desde uma maior diversidade (em relação a gênero, idade, especialização) até o limite de participação simultânea em outros boards (para não prejudicar o tempo de dedicação à empresa) e o “prazo de validade” dos conselheiros (quantos anos alguém pode permanecer no conselho). Há também uma preocupação clara em não permitir que o órgão fique alheio à velocidade das mudanças no mercado global, o que demanda, por exemplo, acompanhamento constante de riscos, tendências e o estudo sobre a sustentabilidade dos negócios — tarefas que, definitivamente, exigem muito mais do que a antiga postura de só marcar presença.

Começa a despontar uma terceira fase na vida dos conselheiros: eles precisam mostrar por que fazem diferença no dia-a-dia das organizações
“Ao criar um ambiente em que todos fiscalizam o tempo todo, a empresa corre o risco de engessar tomadas de decisões”

“Um conselheiro que faz a diferença deve estar a par de todos os problemas da companhia, ter estudado o funcionamento do negócio, do setor e avaliar os reflexos do ambiente macroeconômico sobre a atividade da empresa”, diz Agrícola Bethlem, professor emérito do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Não é só dar palpites”, afirma. Nesse sentido, Di Miceli, da FEA-USP, chama a atenção para as atividades extra-conselho, como a participação em comitês. “Cada vez mais os conselhos demandam tempo, o que requer dos seus membros uma participação muito mais intensa”, diz o acadêmico, que também é pesquisador sênior do IBGC.

É justamente este um dos pontos mais críticos para os conselheiros independentes. Como eles são poucos — até por conta da importância recente que a sua figura conquistou no mercado —, precisam se desdobrar em diferentes conselhos, o que fatalmente compromete a qualidade da sua presença. Enquanto o IBGC não indica um limite, cada profissional faz uso do próprio bom senso. Mas em vários códigos da Europa, como o espanhol Conthe, determina-se que este número não passe de cinco. “Eu acredito em uma participação simultânea em três a cinco conselhos, dependendo do grau de dedicação exigido por cada um”, diz Paulo Conte Vasconcellos, sócio da Proxycon Assessoria Empresarial e membro de conselhos de administração e fiscal. “Mais do que isso é difícil de acompanhar”, reconhece o consultor, que integra os conselhos da Marcopolo, da Klabin Segall e da Tele Norte Celular Participações.

José Luiz Osório, sócio da gestora independente de recursos JB Partners, teve de medir prós e contras para saber onde poderia contribuir. “Tenho minha empresa no Rio e participo do conselho de duas companhias de fora”, diz ele, referindo-se à gaúcha Renner, que tem boa parte das reuniões baseadas em São Paulo, e ao Banco Triângulo, de Uberlândia (MG). “Por isso não pude aceitar fazer parte de outros três conselhos”, afirma o gestor, ressaltando que, se não tivesse um negócio próprio, poderia se dedicar mais à atividade de conselheiro. Osório traz no currículo a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), posição que ocupou entre janeiro de 2000 e julho de 2002, além de outros cargos na administração pública e uma larga experiência no mercado financeiro — típica trajetória que costuma agradar quem busca um conselheiro profissional. “Independência também pressupõe conhecimento”, diz Alves. “Ninguém sai da faculdade pronto para administrar crises ou processos de mudança de controle acionário”, afirma o sócio da Price, que considera imprescindível ao conselheiro a passagem por uma presidência. Osório, por sua vez, não dá tanta importância a isso. “Em geral, o que interessa mesmo é inteligência, motivação e capacidade de trabalho, qualidades encontradas em muita gente que ainda não chegou ao topo”, diz ele, lembrando, porém, que o histórico e a área de atuação da empresa vão influenciar essa escolha.

CHANCE DE CONTINUIDADE — A faixa etária do conselho, por sinal, é um dos temas mais controversos. Tanto no Brasil quanto no exterior, o conselho foi a alternativa de continuidade da vida profissional para consultores e altos executivos que, tecnicamente, estariam aposentados ou teriam perdido espaço para alguém mais jovem. Mas o que se percebeu nos últimos anos é que pessoas de uma mesma faixa etária têm, claro, uma visão de mundo bastante semelhante, o que tende a limitar as decisões estratégicas de um órgão cuja missão é estar permanentemente voltado ao futuro da companhia. Isso também acontece quando se fala de pessoas do mesmo sexo, formação profissional e classe social. Mas a mudança costuma causar muita estranheza. “Nos primeiros conselhos em que participei senti que era considerado um ‘garotão’ pelos demais membros”, diz Vasconcellos, hoje com 44 anos e conselheiro desde os 39. “Mas logo você vai demonstrando o seu potencial e passa a ser mais respeitado”, afirma.

Quando se trata de conselheira, a situação é muito mais complexa. “É como se ela precisasse provar o tempo todo que ser mulher não a torna menos competente”, diz uma consultora especializada em comportamento organizacional. Pesquisa feita pela Capital Aberto (ed. 36) identificou que as mulheres são apenas 8,5% dos membros de conselhos no Brasil, número que está no mesmo nível da média mundial. A exceção é a Noruega, onde elas compõem 40% do board. A discrepância de gênero se deve, principalmente, à falta de oportunidades de ascensão da mulher como executiva, o que acaba limitando, na visão predominante do mercado, a sua qualificação como conselheira.

Por aqui, a principal preocupação com a diversidade ainda tem caráter técnico: assegurar que profissionais de diferentes especialidades, como marketing, finanças, logística e governança corporativa ocupem assentos no board. “Os conselhos só têm a ganhar com profissionais de variadas áreas, especialmente aquelas que sejam o foco de atuação da companhia, mas todos precisam saber ler e interpretar relatórios financeiros”, diz Di Miceli. Esta seria uma condição sine qua non para que os conselheiros falem “a mesma língua” e possam apresentar com mais consistência os seus argumentos. “Caso contrário, eles estão mais preparados para atuar como consultores”, afirma o professor.

Entre os temas de maior discussão no exterior, pelo menos um começa a freqüentar as reuniões no Brasil: o limite de idade para os membros. A mesma reunião da Itaú Holding que determinou a criação do Comitê de Remuneração e Nomeação em abril instituiu a idade-limite para o conselheiro eleito aos 75 anos. No concorrente Unibanco, esse teto foi fixado em 65, e o conselheiro não pode ser eleito depois dessa idade, a não ser que a assembléia geral assim o aprove. Quanto ao tempo de mandato em uma mesma empresa, parece que o assunto ainda passa longe da ordem do dia — a despeito de o IBGC alertar que a participação não deve ser vitalícia. Mas aí é preciso lembrar que as empresas brasileiras são familiares na sua maior parte e, por enquanto, ninguém teve coragem de pedir ao próprio pai ou tio idoso que deixe a cadeira do conselho e tire umas férias.


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