Controle minoritário e poison pills
Estatutos de companhias pulverizadas garantem tratamento eqüitativo contra tomada do controle

 

Historicamente, o cotidiano societário e do mercado de capitais brasileiro tem sido fortemente marcado pela figura do acionista controlador. Apesar de a lei prever o controle minoritário, ela foca essencialmente nos conflitos entre “controlador” e “minoritários”, utilizando como principal critério de distinção a participação acionária desses grupos.

Com a crescente pulverização do capital das companhias, surgirão com maior freqüência conflitos entre controladores minoritários e os demais acionistas (não-controladores), em circunstâncias não especificamente previstas na lei. Nesse sentido, discuto a seguir o caso das operações de tomada do controle acionário, e a legalidade das cláusulas de poison pill tipicamente incluídas nos estatutos das companhias de capital pulverizado do Novo Mercado.

Na lei societária, é devida a oferta pública de aquisição de ações (OPA) na hipótese de “alienação do controle”. Na recente decisão do Caso CBD (processo CVM RJ/2005/4069), o Colegiado da CVM limitou a OPA aos casos em que o cedente for titular do controle majoritário. No mesmo sentido, os §2º e 3º do art. 257 da lei societária restringem a regulação das ofertas públicas de aquisição de controle ao “controle majoritário”.

Mas, e quanto aos acionistas não-controladores de companhias com controle minoritário? Não mereceriam eles uma proteção similar?

O titular de, digamos, 45% do capital votante, controla “de fato”, na medida em que manifeste reiteradamente nas assembléias seu interesse de comandar os destinos da companhia e de administrar os bens daqueles que não têm tal interesse. Além disso, na prática, qualquer troca de controle depende de tal acionista. Assim, não há razão para se afastar o princípio de tratamento igualitário dos acionistas adotado pela lei brasileira na hipótese de uma mudança na estrutura de comando da companhia.

É precisamente nesse sentido que os estatutos das companhias pulverizadas do Novo Mercado exigem a OPA também no caso de alienação do controle minoritário, presumindo-se sua existência pela prevalência do alienante nas últimas três assembléias. Como se vê, essas cláusulas aumentam as hipóteses de exigência da OPA em relação ao art. 254-A. Ou seja, tal presunção estatutária não decorre da lei, mas sim da autonomia privada dos sócios. Seriam elas ilegais?

Exercício similar pode ser feito com relação à aquisição do controle minoritário. Considere uma companhia com grande base acionaria em que o principal acionista tenha 15% do capital votante. Dada a típica ausência dos acionistas nas assembléias, pode-se presumir que o controle “de fato” seria detido pelo titular de, digamos, 35% dos votos.

Se um terceiro comprasse os 35% dos demais acionistas seguramente não haveria OPA. A acumulação poderia ocorrer privadamente ou em bolsa, via aquisições discretas ou leilão especial. Ainda que operando por corretoras, ele correria o risco de subida do preço. Alternativamente, o terceiro poderia lançar uma OPA voluntária pelos 35% a todos os acionistas. Como a oferta não seria condicionada à aquisição da maioria das ações, ela não seria prejudicada pelo art. 257 da lei societária, que impede aumentos sucessivos no preço ofertado. Além disso, não haveria exigência expressa de laudo.

Ou seja, caso o controle de fato seja obtido no mercado, o não-controlador não teria uma opção de venda de suas ações e, caso houvesse uma OPA voluntária pelo adquirente, o nível de informações para a decisão de vender seria reduzido. Ademais, surgiria um conflito importante entre adquirente e ofertados, não contemplado na lei, que criaria uma pressão indevida para que estes participassem da oferta ainda que não pretendessem desinvestir1.

Portanto, no que diz respeito às companhias com controle minoritário, os estatutos buscam oferecer proteções importantes aos investidores, que não se encontram previstas na lei. Normalmente, isso é feito impondo-se a obrigação de fazer OPA ao terceiro que, por qualquer meio, ultrapassar uma porcentagem pré-determinada de participação no capital votante, presumido como controle de fato. Esse é o padrão adotado em diversos países europeus e recomendado pela Comissão Européia.

Enquanto na França a porcentagem é de 33,3%, na Alemanha, na Inglaterra e na Itália, ela é de 30%. Em geral, nesses países, a OPA não é exigida se a participação adveio de OPA visando à totalidade das ações, ou de operações societárias sujeitas à aprovação dos acionistas, ou se mesmo algum terceiro for titular de mais ações do que a referida porcentagem (ou do próprio controle majoritário)2.

Ainda que em linha com a prática internacional, caberia discutir em que medida seria viável juridicamente conferir tal proteção aos acionistas por via contratual (estatutária).

A liberdade contratual encontra limites apenas na medida em que viole a ordem jurídica. Num nível amplo (salvo por eventual aspecto específico da cláusula no caso concreto), a convenção me parece plenamente viável, já que se baseia no mesmo princípio de tratamento eqüitativo que informa o art. 254-A da lei societária (sharing rule). Com efeito, a cláusula busca proteger interesses legítimos de todos os sócios e da sociedade, diminuindo seu custo de captação ao atrair mais investidores. Não se pode falar de supremacia de interesses de certa categoria de acionistas em detrimento dos demais ou da sociedade.

E quanto aos acionistas não-controladores de companhias com controle minoritário? Não teriam eles direito à OPA?

Por outro lado, num nível mais específico, alguns poderiam questionar até que ponto a cláusula violaria o artigo 36 da lei societária, cuja interpretação a contrario sensu impediria os estatutos de companhias abertas de conter qualquer limitação à circulação das ações.

A resposta, ao meu ver, é negativa, por duas razões principais. Uma, pois a vedação legal tem a função de tutelar a fluidez e liquidez dos mercados bursáteis, e não direitos específicos de acionistas. O que se busca no artigo 36 é permitir que as vendas no pregão não estejam sujeitas ao cumprimento de condições prévias que venham a comprometer a estabilidade e o livre andamento das operações no mercado, assim como em outras jurisdições e na Comissão Européia3.

A outra, porque estamos diante de situações novas, não previstas em sua plenitude pelo legislador de 1976, na redação desse dispositivo. Conforme Miguel Reale, o Direito é “fato, valor e norma”, e ao intérprete da norma cabe buscar a ratio juris a partir da adequada compreensão dos fatos e dos valores envolvidos no momento presente, e não a partir da sua letra fria no momento em que foi concebida. Diante de tais fatos, me parece claro que os valores inerentes ao tratamento igualitário e à tutela do interesse social prevalecem sobre os da livre circulação das ações.

(1) Ver Lucian Bebchuk, “The Pressure to Tender: An Analysis and a Proposed Remedy” e “Toward Undistorted Choice and Equal Treatment in Corporate Takeovers”, www.ssrn.com.
(2) Ver Matteo Gatti, OPA e Struttura del Mercato del Controllo Societario, Giuffre Editore, 2004, p. 366.
(3) Nos casos dos takeovers, condições prévias não autorizadas típicas poderiam incluir, por exemplo, a exigência de consentimento anterior, ou de prazo para exercício do direito de preferência, pelos acionistas ou pela companhia — as clauses d’agrément e de préemption do direito francês —, as quais afetariam a eficácia do negócio jurídico pelo qual o limite estatutário tivesse sido superado. Contudo, as cláusulas do Novo Mercado são tipicamente redigidas de forma a impor uma obrigação posterior a tal negócio, e a sanção pelo descumprimento não afeta a sua eficácia, mas apenas permite aos demais acionistas futuramente suspender os direitos de voto do inadimplente. Como princípio de hermenêutica, não cabem interpretações ampliadas de restrições legais à autonomia privada, como as decorrentes do artigo 36, em particular quando se trata de direitos não-essenciais do acionista (ou seja, que não constam do art. 109 da lei societária).


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