Compromisso com a ética
Enquanto se multiplicam, códigos de conduta enfrentam o desafio de acertar no tom e entrar na vida corporativa

Desde muito cedo, é fácil notar que a vida em sociedade se equilibra em uma série de leis e que percorremos uma via de mão dupla, de deveres e direitos.

Esses mesmos direitos foram pensados com o auxílio de um elemento antiqüíssimo e fundamental da filosofia: a Ética — responsável por investigar os princípios que distorcem, disciplinam e orientam o comportamento humano.

Essa palavra de origem grega, cuja raiz remete a caráter, é a estrela do mundo corporativo. Qualquer discurso, palestra ou comunicado oficial estaria incompleto sem uma menção, por menor que seja, a essa palavrinha de apenas cinco letras. Nas empresas de capital aberto, ter um código de ética e estampá-lo na página principal do site de Relações com Investidores tornou-se um quesito de boas práticas. Levantamento realizado pela Capital Aberto no final de agosto mostrava que, dentre as 50 companhias mais líquidas da Bovespa, apenas 13 (26%) não tinham o código em destaque no site.

Mas o que é um comportamento ético? Não dá para ignorar que essa é uma questão de natureza profundamente filosófica. Para simplificar, podemos dizer que, basicamente, uma pessoa ética é moral, honesta e se distingue pelo bom caráter. E que o comportamento ético poderia ser definido como aquilo que esperamos das pessoas com as quais nos relacionamos na experiência cotidiana.

Podemos supor ainda que uma empresa é quase uma simulação perfeita da vida em sociedade. Dispensável dizer que todas as leis do Direito se aplicam nesse espaço de trabalho, mas o que se vê é que elas não têm se mostrado suficientes para cobrir todas as necessidades de uma companhia. Afinal, é na vivência empresarial que as pessoas têm seus comportamentos observados quase que sob a lente de um microscópio.

Por isso, é preciso que todos estejam cientes dos comportamentos que são ou não valorizados. É preciso saber, por exemplo, se determinada companhia admite que seus funcionários recebam presentes de fornecedores, ou se o permitem somente até determinado valor. Eis aí o campo fértil para disseminação dos códigos de ética (também conhecidos como códigos de conduta).

“O código de conduta é uma reciprocidade de compromissos dos empregados para com a empresa e da empresa para com os empregados. Ele é um documento voltado a criar um clima de maior confiança e de melhor relacionamento, além de melhoria substancial do ambiente de trabalho. Pode ajudar a administrar os conflitos de interesses, que são inevitáveis, e permitir uma participação maior dos funcionários”, diz o economista Lélio Lauretti, um dos autores do Código de Conduta do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri).

Normalmente é feita uma pesquisa prévia para identificar os pontos mais importantes a serem discutidos e os temas que podem suscitar dúvidas entre os funcionários. É importante lembrar que, para funcionar na prática, o código de ética precisa ser o espelho da cultura da companhia. E, para isso, deve ter um tratamento digno da alta costura, mais especificamente como um terno sob medida feito para vestir impecavelmente.

BÁSICOS DEMAIS? — Preocupadas em criar um paradigma do comportamento ético, muitas empresas têm investido em códigos de conduta. A Suzano Holding lançou seu guia em maio deste ano. “Em 2005 começou a ser discutida a necessidade de se ter um código reformulado, repensado à luz de tudo o que a companhia vinha desenvolvendo em termos de gestão responsável, governança corporativa e relacionamento com partes interessadas”, diz Simone Soares, gerente de Identidade Corporativa da Suzano Holding.

Como é destinado a todas as pessoas que trabalham na empresa, um código de conduta precisa ter uma linguagem simples e objetiva. Mas, e quanto ao seu conteúdo? Quais valores devem estar previstos no código, e que outros deveriam ser considerados tão elementares a ponto de não precisarem ser colocados no papel?

Ao folhear os códigos de algumas empresas brasileiras, nos deparamos com frases do tipo “nossas informações devem ser verdadeiras”, “agimos de acordo com as leis”, “nossos valores são a honestidade, a….”, “as pessoas devem ser responsáveis pelos resultados de seu trabalho”, entre outras premissas um tanto mínimas para o comportamento dos seres humanos. Estariam os nossos códigos de conduta básicos demais? Ou será que, num país que se ufana do “jeitinho brasileiro”, não seria mesmo necessário “lembrar” e sermos “lembrados” constantemente das posturas éticas aceitáveis?

SÍNDROME DE CALPÚRNIA — Uma vez definido o conteúdo do código, o próximo passo é transportá-lo para a vida das pessoas. A maioria das organizações pede aos funcionários que entreguem um documento assinado, atestando que as informações contidas no manual foram lidas e compreendidas. Já o Banco Itaú promove um treinamento específico. No final, há um teste sobre o Código de Ética Corporativo. Quem não apresentar um aproveitamento mínimo é convidado a fazer o treinamento mais uma vez.

Logo no início, um trecho do Código do banco diz: “…não basta sermos excelentes naquilo que fazemos: é essencial enfrentarmos os desafios de uma economia competitiva com as credenciais da credibilidade pública”.

Júlio César sabia disso como ninguém. O Imperador Romano viu a reputação de sua ilibada Calpúrnia ser vilipendiada. Constatou que “a mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta”. A lição foi aprendida pelas grandes corporações. “Um cliente não confia seu dinheiro a quem não lhe transmite segurança. Para merecer confiança, uma instituição tem que demonstrar sua solidez ao longo dos anos”, diz Antonio Matias, vice-presidente do Banco Itaú.

Assim como Calpúrnia, quando a confiabilidade de uma instituição é questionada, ela precisa provar imediatamente ao mercado que tais dúvidas não procedem. Ou se render a elas.

O belo prédio da New York Stock Exchange (Nyse) ostenta em sua fachada uma série de esculturas de John Quincy Adams Ward. Batizada de “Integridade Protegendo o Trabalho do Homem”, é difícil imaginar obra e título mais apropriados para figurar na porta de entrada de qualquer bolsa de valores ou mesmo das companhias nela listadas. A integridade é uma das qualidades que o mercado norte-americano se esforça para exibir após os escândalos detonados pela Enron.

Em resposta a esse episódio, os investidores passaram a exigir garantias e provas de confiança. “Os grandes escândalos suscitaram uma mudança de mentalidade. Ficou claro que as empresas deveriam ter um código de ética e ser obrigadas a divulgar ao mercado todos os descumprimentos”, diz o advogado Gregory Harrington, do escritório Linklaters.

Hoje todas as empresas listadas na Nyse têm obrigação de ter um código de ética. Essa regra passou a vigorar em 2002, com a criação da lei Sarbanes-Oxley. Caso não tenham adotado nenhum código, precisarão explicar por que. Para auxiliar a formulação dos guias, a Securities and Exchange Commission listou os pontos básicos que devem ser abordados nos documentos. Estão lá: conduta ética e honesta, postura ética diante de conflitos de interesses, transparência na divulgação de relatórios sobre a companhia, comprometimento com as leis e regulamentações, obrigação de reportar violações ao código. É a ética em formato “pronta para consumo”, com toda a praticidade que caracteriza o melhor estilo norte-americano. No Brasil, a CVM não exige que as empresas brasileiras adotem um código de ética. Pelo menos, por enquanto.

Modelos de comportamento são definidos desde o início da civilização

Cada vez mais as empresas estão preocupadas em empregar as boas práticas de governança corporativa. Ao fazê-lo, deparam-se também com a proposta de redigir um código de ética, como forma de assumir e compartilhar seus valores. Mas enquanto as boas práticas de gestão fazem parte de um conceito moderno, os códigos de ética já existem há milhares de anos.Na verdade, eles surgiram assim que os seres humanos desenvolveram a habilidade de refletir sobre condutas certas e erradas. Mais de 3 mil anos a.C., os egípcios já tinham uma lista de conselhos que eram ensinados aos jovens. Basicamente, recomendava-se evitar sofrimentos desnecessários e cultivar a estima dos superiores como forma de ser promovido no trabalho. Os conselhos tratavam também da conduta ética dos governantes, que deveriam ser justos e imparciais com seu povo e ter como objetivo de “gestão” a prosperidade do país. Mesmo as sentenças contra discriminação já existiam. O guia egípcio orientava as pessoas a não “rir de cegos ou anões”.

Um dos primeiros códigos de conduta e leis preservados é o Código de Hammurabi, que data de 1750 a.C. Tratase de uma pedra negra em que foram inscritas 282 leis de conduta. Descoberto em 1901, o Código de Hammurabi está no Museu do Louvre, em Paris, e é um dos mais antigos conjuntos de determinações sobre comportamento social. A famosa lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”, apareceu pela primeira vez ali.

Outro código de conduta muito famoso é o Bushido (Caminho do Guerreiro), desenvolvido no século 12. Inspirado no pensamento budista e confucionista, têm como premissas fundamentais a honestidade e a obrigação suprema para com o mestre. Era considerado o código de ética dos samurais e tinha até regras de responsabilidade social: era dever dos guerreiros servirem como exemplo de virtude para as classes mais baixas do Japão feudal.


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