Sem liberdade
Sob a pressão de juros menores, gestores de fundos de pensão enfrentam as amarras impostas para ativos de renda variável

 

ed37_p036-040_pag_3_img_001Agora que os cenários de juros decrescentes saltaram das projeções dos economistas para a realidade, os gestores dos fundos de pensão começam a perceber que têm um problema sério pela frente. Amarrados por uma legislação que estabelece um grande número de restrições à sua liberdade de alocar os recursos disponíveis entre as diferentes opções de investimento oferecidas pelo mercado, eles precisam dar conta de períodos de pagamento de benefícios cada vez mais longos (resultado da maior expectativa de vida da população) e da crescente concorrência com os planos abertos de previdência, geridos pelos bancos comerciais, além de assegurar que os níveis de rentabilidade exigidos pelas metas atuariais (de, em média, 6% mais correção inflacionária) continuem a ser alcançados. Mas como fazê-lo num cenário em que os títulos públicos e de renda fixa já não oferecem as mesmas taxas e em que a participação em ativos de renda variável, potencialmente geradores de retornos maiores, é limitada a 50% dos investimentos em carteira?

A solução não é nem simples nem única, visto que depende de fatores que podem variar bastante de um fundo para outro. O seu estágio de maturidade, expresso pela relação entre o número de contribuintes atuais e o de pensionistas que já recebem benefício (e que, portanto, não realizam novos aportes), é um dos mais importantes. Mas ele não pode ser avaliado isoladamente. Há ainda que pesar os níveis de superávit obtidos no passado, o destino dado a esses superávits, o montante de dividendos que é oferecido pela atual carteira de ações, entre outros. É por isso, principalmente, que os gestores desses fundos apontam a importância de flexibilizar o padrão universal de limites estabelecidos pela Resolução 3.121 do Conselho Monetário Nacional (CMN) — detalhado no quadro na página 30, ponderando-o de acordo com as exigências de longo prazo apresentadas por cada um.

“Uma filosofia positiva, que levasse mais responsabilidade para o gestor e impusesse limites menos estreitos à sua atuação, seria muito bem-vinda”, afirma Sérgio Rosa, presidente da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Ele entende que o raciocínio por trás da legislação — o de evitar a concentração de risco — seja adequado, mas ressalva que, em algumas situações, cria dificuldades na vida prática. Os fundos mais maduros, que correm mais riscos de prazo, são um bom exemplo. Como têm maior necessidade de liquidez do que os que ainda têm um maior número de funcionários na ativa, deveriam estar sujeitos a parâmetros que levassem em conta essa particularidade. “O regulador poderia focar mais nos tipos de ativo e menos no percentual de alocação”, conclui Rosa.

Considerando as dificuldades de supervisão que uma estrutura flexível e mais individualizada colocaria ao órgão regulador (a Secretária de Previdência Complementar — SPC), o diretor de investimentos da Petros, Ricardo Malavazzi, vê no aumento dos limites de investimento em renda variável uma boa saída. “Tecnicamente falando, os percentuais atuais são impeditivos a uma boa administração, especialmente para fundos mais maduros, num contexto em que as taxas de juros e de retorno dos investimentos em renda fixa tendem a se reduzir.”

Malavazzi defende também a ampliação de um outro percentual, o de alocação de recursos em ações de um único emissor, fixado em 20% do total da carteira de renda variável. Para o diretor da entidade que administra os planos de funcionários de empresas como Petrobras, este deveria ser uniformizado para 25%, o mesmo estabelecido para participações num projeto financiado ou no patrimônio líquido total de um único fundo de investimentos. Ele sugere que, como medida preventiva de risco, essa fatia maior seja permitida apenas aos papéis de companhias listadas no Novo Mercado. “Seria uma medida de aperfeiçoamento não muito drástica, já que as companhias listadas no Novo Mercado têm risco e retornos diferenciados, assegurados por seus padrões de governança.”

A defesa de Malavazzi se explica. Hoje, em média, os 28 fundos administrados pela Petros têm 25% dos recursos aplicados em renda variável (metade do permitido, portanto). Contudo, em uma das carteiras, esse percentual atinge 48%. O mesmo princípio vale para a Previ que, há anos desenquadrada do limite permitido para renda variável e com prazo de adaptação fixado pelo CMN para até 2012, ainda tem 62% do seu patrimônio investido nesses ativos.

MUDANÇA A CAMINHO — A mudança esperada pela Petros está contemplada no pacote de reformas que o departamento de assuntos econômicos da SPC deve sugerir ao CMN, ainda neste semestre. Se aceita, a proposta pode contribuir para alterar o padrão predominante de seleção de ações, fortemente orientado pela carteira do Ibovespa. Um levantamento realizado pela SPC, divulgado em reportagem publicada na edição 36 da Capital Aberto, revelava que apenas 0,58% do total da carteira de renda variável das fundações estava alocado em ações listadas no Novo Mercado.

O fundo de pensão dos funcionários do Banco Central, Centrus, é um dos que se fia no Ibovespa para selecionar suas ações. Com 39,9% de seus investimentos alocados em renda variável, investe num conjunto de 25 companhias altamente correlacionado ao desempenho do índice mais tradicional. “Se a bolsa subir 5%, a nossa carteira subirá entre 4% e 4,5%, provavelmente”, diz Ricardo Monteiro de Melo, diretor de aplicações. Outro aspecto privilegiado pela equipe comandada por Melo na análise das ações é o pagamento de dividendos. “Os que recebemos hoje são suficientes para, sozinhos, pagar os benefícios devidos a todos os participantes por um período de seis meses.”

Dos gestores entrevistados, ele é o único que ainda vê o comportamento da taxa de juros sem maiores preocupações. “A grosso modo, os títulos do governo pagam uma taxa que é quase 40% maior do que as necessidades atuariais dos fundos hoje.” A tranqüilidade de Melo pode ser explicada, em parte, pelo fato de o fundo sob sua gestão ser 100% maduro — ou seja, ter apenas as despesas de aposentadorias e não mais as receitas de contribuições de servidores que ainda estivessem na ativa. Com isso, seu horizonte de investimentos se estende pelos próximos 15 anos, enquanto o da maioria dos gestores de outras fundações é de pelo menos o dobro disso.

Fernando Lovisotto, sócio da Risk Office, que desenvolve estudos de alocação de recursos e desempenho dos investimentos de 68 fundos de pensão, concorda com o diretor do Centrus, mesmo quando a análise recai sobre fundos em estágios de maturidade não avançada. “Olhando para as médias de alocação atuais, não considero que as amarras sejam tão rígidas.” Sua análise parte do total investido em títulos públicos (67% das carteiras, em média) e de uma estimativa de quanto desses recursos deve migrar sob o efeito da queda nos juros. Para Lovisotto a nova média deve ficar em torno de 44%, o que significa que o potencial de atração de novos recursos pelos créditos privados ou pela renda variável é de 23%. Tendo em conta que esse último segmento atrai em média 14% dos recursos atuais, ainda há bastante espaço para crescimento dentro dos limites estabelecidos pela lei em vigor. Apoiado em outra tendência identificada nos estudos que realiza — a troca dos títulos públicos por créditos privados, cuja média de participação nas carteiras passou de 16,62% para 19,99% em um ano — o sócio da Risk Office ressalta que o desafio do momento é, na verdade, o de aprender a acompanhar os créditos privados e dimensionar os limites de rating até os quais se aceitará investir.

PROBLEMAS A MÉDIO PRAZO — Cabe ressaltar aqui que, dentre os que defendem uma revisão nas restrições legais, nenhum deles avista problemas imediatos, de mais curto prazo. Há um consenso geral de que as dificuldades devem se intensificar dentro de quatro ou cinco anos, especialmente após a conquista do selo de grau de investimento pelo Brasil. Aí sim os parâmetros atuais devem passar inevitavelmente por uma profunda revisão.

A advogada Raquel do Amaral de Oliveira Santos, do escritório L.O. Baptista, chama a atenção para a revisão das metas atuariais, que considera muito altas. Em seu entender, estas refletem o momento em que a legislação foi concebida: setembro de 2003. “O País ainda vivia as seqüelas da turbulência do ano de 2002, quando o risco país e os juros estavam em patamares bem superiores. Justamente por isso acredito que as metas atuariais venham a ser revisadas quando a nova realidade econômica se consolidar.” Raquel explica que, como o conselho pode mudar suas próprias normas, esta é uma lei mais dinâmica, que pode ser adaptada mais rapidamente às exigências do mercado, já que não requer as mesmas formalidades de uma lei complementar ou ordinária (que devem ser votadas pelo Congresso Nacional).

As dificuldades devem se intensificar dentro de quatro ou cinco anos, especialmente após a conquista do selo de grau de investimento pelo Brasil

Os gestores, pelo menos por enquanto, preferem não se deter sobre a questão das metas. Até porque estas são também uma medida de atratividade para esses fundos que, não se pode esquecer, concorrem com o sistema aberto de previdência, que cresceu no primeiro semestre de 2006 16,66%, somente nos planos corporativos — de acordo com estatísticas divulgadas pela Associação Nacional da Previdência Privada (Anapp).

Prudentes, esses gestores também não abrem seus planos para as carteiras de renda variável no médio prazo, se limitando a defender que as restrições sejam revisadas. “O ideal é que os limites se ampliem de maneira que possam acomodar a sofisticação do mercado e os produtos de investimento que dela resultam”, afirma José Reinaldo Magalhães, diretor de investimentos da Previ. Ele se refere, principalmente, aos derivativos e aos fundos de investimentos que utilizam esses instrumentos.

Questionado sobre a importância que uma eventual permissão aos investimentos em mercados estrangeiros poderia ter para a diversificação das carteiras, Magalhães diz que considera a atual proibição coerente com a situação do País. “É importante investir preferencialmente no Brasil e fomentar o desenvolvimento do nosso próprio mercado de capitais e da formação de poupança interna. Além disso, como não temos necessidade de garantir receitas em moeda estrangeira, estaríamos nos expondo a um risco cambial sem necessidade.”


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