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Que tal mudar de ares?
Mercado internacional e títulos de dívidas sugerem novo campo de estudo para os gestores de ativos

 

O cenário era uma animada roda de discussão, formada, principalmente, por analistas de ações, num almoço longo de sexta-feira, em um bom restaurante de um dos mais movimentados centros empresariais da capital paulista. Discutia-se fervorosamente a preferência por Usiminas ou CSN: a primeira seria alguns décimos — em termos de FV/Ebitda — mais barata que a segunda, mas sem o apelo da possibilidade de ocorrência de eventos societários. No cume das discussões, que já assumia ares de Palmeiras x Corinthians, alguém (discreto demais para ser citado, assim, explicitamente) lançou a Katyusha: “E Mittal? O que acham?”

Fez-se, sem hipérboles, um bom minuto de silêncio. Enquanto olhares embaraçosos eram intercambiados, o atrito dos talheres e as conversas alheias podiam ser ouvidos. Outrem salvou-nos do silêncio com um “mal consigo entender os ativos nacionais, quanto mais estudar os estrangeiros!”, e foi seguido, com franca aprovação, pelo resto da mesa. Fomos novamente bombardeados por quem, naquele momento, parecia um Avro Lancaster sobre as nossas cabeças: “Mittal tem ADRs, e é coberta por um sem-número de bancos suíços e de Wall Street. Se ajustarmos às expectativas de crescimento, considero significativamente mais barata do que CSN e Usiminas!”. E continuou: “Não precisamos nos contentar apenas com os relatórios. Podemos também participar dos conference calls da empresa ou mesmo visitá-la!”. Alguém pediu mais pão de queijo, e um outro se lembrou rapidamente de um assunto de política. Renitente, o fã do indiano balbuciou em voz mais baixa: “Gostaria muito de saber com que freqüência vocês visitam a CSN e a Usiminas, para entender se é mesmo impossível fazer o mesmo com Mittal!”. “É sexta-feira!”, finalmente gritou um. “Vamos mudar de assunto?”

Saí daquele almoço e, mesmo relutando contra as forças tardias da caipirinha, coloquei-me a estudar aquela tal de Mittal Steel. Fiquei impressionado com o histórico de sucesso do Sr. Lakshmi Mittal e, a propósito, entendi que pode ser ele aquele a se associar com CSN. Percebi também que o setor siderúrgico é, mundialmente, bastante pulverizado, e que Mittal poderá vir a ser um agente consolidador. Terminei a tarde entendendo melhor o setor de aço como um todo, inclusive no Brasil.

Hoje, já não consigo falar sobre Cosan sem citar suas diferenças em relação à Pacific Ethanol. Tampouco posso contextualizar Itaú sem me referir ao Santander, ao Sberbank ou ao HSBC. E só consigo estudar a Oi da Telemar, se for para compará-la com TIM ou com a AMX. E o que seria do Pão de Açúcar se não houvesse a referência da Wall Mart? Também tenho estudado, com diligência e carinho, Rosneft, Gazprom, Cemex, Endesa, AES.

Tudo isso para dizer que hoje considero que aterse tão somente ao estudo de ações brasileiras é algo superado. Com a gradativa inserção do Brasil nos mercados globais de capitais, a proposta de restringir as lentes da análise aos ativos nacionais é impertinente. Os próprios estrategistas das empresas listadas no Brasil buscam, explicitamente, compará-las com outras na América Latina ou no Leste Europeu. Muito se fala nas vantagens competitivas naturais do Brasil, afirmação que guarda teor essencialmente comparativo. Precisamos, portanto, desse contexto internacional, mesmo que seja para bem caracterizar o investimento local.

Quando estive recentemente na Cyrela, para citarlhes um exemplo, expressei minha opinião ao departamento de Relações com Investidores no sentido de que os múltiplos em que a empresa negocia estariam altos demais. E fui contra-argumentado da seguinte forma: “Em relação às companhias do mesmo setor no México, que usamos como benchmark, estamos ainda sensivelmente mais baratos, e entendemos que rapidamente poderemos fechar este gap”. Lá fui eu estudar as correlatas mexicanas à Cyrela no México e atestei que a brasileira é mesmo mais descontada do que suas pares latino-americanas. Não necessariamente concordei, entretanto, com a conclusão de que valeria a pena comprar ações da Cyrela, simplesmente porque a dinâmica de preços dos imóveis no México é totalmente diferente da local, bem como o custo de carregamento do estoque de terreno. Mas certamente vim a entender melhor o caso Cyrela.

Algum tempo mais tarde, e em um outro almoço de sexta-feira (não perco nenhum!), me dei conta de que não apenas examinar restritamente as ações brasileiras é uma filosofia de investimentos superada, mas também de que estudar somente ações de empresas, negligenciando uma diligência sobre os títulos de dívida por ela emitidos, também o é. Digamos que um dos subprodutos da análise de ações é a análise de crédito. E que poderemos entender, eventualmente, que as ações de CSN estariam caras, mas que valeria a pena investir em um dos seus títulos de dívida. Muitas vezes há uma desarbitragem entre o timing de bolsa para uma ação e a correspondente apreciação dos títulos de dívida associados a esta ação.

E vejam: é imprescindível conhecer a empresa para entender que vale a pena comprar uma das suas emissões de dívida. São frutos saboreados a partir de um conhecimento específico e, para coletá-los, portanto, é fundamental a devoção de tempo ao estudo da empresa e do setor em que se insere. Digamos que seja o valiosíssimo “Brazilian local knowledge”, tão comentado por investidores estrangeiros hoje em dia.

Fica difícil, aliás, entender porque os diversos agentes de mercado dedicam tão pouca atenção ao desenvolvimento do mercado secundário de títulos de dívida corporativa. Ressalto que, em economias centrais, este mercado é, muitas vezes, mais líquido que o de ações. Uma das minhas suposições para explicar esse fenômeno é que os títulos corporativos não refletiam adequadamente, no passado recente, o incremental de risco de crédito em relação aos títulos soberanos: encontrávamos start-ups em telecomunicações pagando 110% do CDI pelos seus títulos. Quem sairia do porto seguro dos títulos do governo por incremental tão modesto?

E por que as empresas e seus underwriters agiam assim? Parece que não havia espaço para maior generosidade, considerando-se a altura exorbitante da taxa básica de juros da economia. E agora? Com a queda da Selic, e a melhora do rating de crédito das companhias que acessam o mercado de capitais, é possível oferecer um retorno atrativo para uma emissão de dívida, sem que esse título penalize sobremaneira as contas de seu emissor. Entendo, portanto, que esse mercado, em termos marginais, crescerá muito mais fortemente do que a indústria de IPOs para os próximos anos.

Em tempo, perguntemo-nos, portanto: dado o enorme apetite estrangeiro por ativos de mercado emergentes, em geral, e brasileiros, em particular, quem são os gestores que podem oferecer conhecimento específico e integrado sobre América Latina no que tange aos mercados de ações e de títulos de dívida corporativa? São certamente poucos. Muitos são aqueles a oferecer estratégias macroeconômicas (como se estas fossem assunto fora do alcance das mesas de Nova York ou Londres). Mas a comunidade internacional de investidores — e isso pude aferir in loco, ou ao menos ter uma boa idéia sobre o assunto — ressente a falta de especialistas em estruturação de produtos de investimentos que guardem esse know-how de conhecimento regional microeconômico irrestrito. Eis uma oportunidade para os gestores que toparem encarar o desafio.


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