Esqueceram a governança

Em mercados repletos de empresas sem dono listadas em bolsas de valores, um mecanismo apelidado de “poison pill” tem sido alvo de intensa controvérsia nos últimos anos. Instituídas como barreiras variadas para evitar a aquisição de uma participação relevante no capital a preços convidativos, essas pílulas de veneno são mal vistas pelos principais códigos de boas práticas de governança corporativa. Se poderosas demais, elas têm dois efeitos potencialmente perversos: deixar os administradores na confortável posição de não serem ameaçados pela ascensão de um acionista que lhes tire poder e, ao mesmo tempo, ser um empecilho intransponível para que os investidores vendam suas posições a alguém disposto a pagar bem por elas.

Depois das insistentes tentativas da indiana Mittal para comprar a Arcelor, a discussão sobre a validade dessas pílulas venenosas voltou à tona na Europa. A companhia francesa não tinha nenhuma proteção desse tipo contra uma aquisição hostil, o que levou as tais pílulas a voltarem a ser cogitadas, mas com todo o cuidado. Por sua capacidade de desalinhar interesses, elas foram autorizadas pela Comissão Européia apenas sob a condição de que o disparo da pílula pudesse ser muito bem controlado pelos acionistas.

Na surpreendente tentativa de aquisição hostil de controle da Perdigão pela Sadia, o Brasil poderia ter se orgulhado do primeiro uso de uma poison pill desde que algumas de nossas empresas entraram para o mundo das “corporations”. Mas não foi o que aconteceu. Ao ver que a poison pill prevista no estatuto tinha ficado longe de ser um veneno para evitar a oferta hostil, os administradores da Perdigão vieram a público com uma interpretação de que a pílula não era bem aquela que parecia e logo trataram de vestir-lhe uma roupagem mais poderosa, como mostra a reportagem de Camila Guimarães Hessel iniciada na página 8.

No final das contas, nem houve tempo para contestar se a nova versão da pílula era ou não pertinente. Acionistas com mais de 50% do capital liquidaram rápido o assunto com um “não” redondo à oferta. Mas e se a proposta da Sadia tivesse sido, por exemplo, por 30% do capital (e não pelo controle)? A pílula vitaminada pela administração na última hora teria sido uma forma de preservar o poder dos administradores da companhia? Será que teria havido a convocação de uma assembléia de acionistas para validar a poison pill, como prevê a última diretiva européia? Vale lembrar que nem a legislação, nem a regulamentação brasileira exigem que isso seja feito.

Embora ainda esteja dando os primeiros passos numa realidade sem controle definido, é fundamental que o mercado de capitais brasileiro procure começar direito, atento às melhores práticas de governança, aos verdadeiros interesses das companhias e às expectativas de seus acionistas. Temos o privilégio de poder aprender com os erros dos mercados que já experimentaram os dissabores deixados pelas estratégias de defesa contra aquisições hostis e de tentar criar uma cultura moderna de alinhamento de interesses, inspirada nos mais apurados modelos desenvolvidos internacionalmente. Quem sabe na próxima oferta hostil por uma empresa brasileira alguém se lembre de dar uma espiada no que rezam as boas práticas.

 


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.