Lados opostos
Diferenças de opiniões expressas por CVM e Justiça no caso Ripasa reforçam polêmica sobre incorporações de ações sucedidas de fechamento de capital

ed34_pg16-18_2No mundo das reestruturações societárias, as incorporações de ações viraram o tipo de assunto que cheira a briga de acionistas. Em casos recentes, minoritários alegaram que esse instrumento da lei fora usado como subterfúgio para que o controlador conseguisse fechar o capital da companhia indiretamente, sem realizar uma oferta pública de recompra (OPA) de papéis em poder dos demais acionistas. O último episódio polêmico envolveu a incorporação de ações da Ripasa por Suzano e VCP, e terminou no final de abril, com um acordo entre minoritários e controladores fechado antes que se chegasse à última instância judicial. As opiniões emitidas ao longo do processo, porém, foram suficientes para deixar claro que o tema não é controverso apenas quando estão na disputa minoritários e controladores, além de seus respectivos advogados. Os diferentes pontos de vista sobre as incorporações apareceram também nas opiniões da Justiça comum e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Na sentença emitida pela 19ª Vara Cível do Foro Central da Capital (SP), o juiz Clóvis Ricardo de Toledo Júnior concedeu aos acionistas minoritários da Ripasa uma liminar paralisando o processo de reestruturação que culminaria no fechamento de capital da companhia. Sua decisão ed34_pg16-18_1acatava o argumento de que se tratava ali de um fechamento indireto de capital, com base em pareceres apresentados por juristas renomados. Em seus argumentos, eles usaram o artigo 4º da Lei das S.As como principal aliado, que diz que o registro de companhia aberta só pode ser cancelado se a companhia emissora ou o seu controlador formular uma OPA para adquirir as ações em mercado por preço justo.

Esse dispositivo da lei, na verdade, é bem onde a briga começa. Na argumentação dos minoritários, as incorporações de ações têm efeitos, na prática, muito semelhantes ao de um fechamento de capital, uma vez que os papéis da incorporada deixam de existir ao serem substituídos pelas ações da incorporadora. Em outras palavras, na visão desses acionistas, a incorporação se torna nada mais, nada menos, que um fechamento de capital, só que sem esse nome. O mesmo que, conforme o artigo 4º, só pode ocorrer por meio de OPA.

Nos seus artigos 223 e 264, porém, a lei descreve todos os passos para uma incorporação de ações ser realizada. E permite, desta forma, que se chegue por meio dela a um resultado muito semelhante ao do fechamento de capital sem fazer qualquer menção a esse termo e, muito menos, ao artigo 4º. Se cumpridas todas as etapas descritas nos dois artigos, portanto, não há nada na legislação que impeça o cancelamento de registro de uma companhia decorrente de uma incorporação de ações. Foi justamente com base nesse argumento que a CVM, em seu parecer sobre a Ripasa, considerou a operação totalmente legal — numa visão exatamente contrária à que prevaleceu na Justiça.

Em seu voto sobre a legalidade da operação, o presidente da CVM, Marcelo Trindade, afirma que as etapas da reestruturação da Ripasa seguiram as normas previstas nos artigos 223 e 264, como, por exemplo, a incorporação com base em laudo de avaliação do patrimônio líquido a valor de mercado e o direito de recesso aos acionistas da incorporada. Portanto, atendidas essas exigências, não haveria razão para que o dispositivo genérico do artigo 4º se sobrepusesse, defende.

LONGE DO FIM — As diferenças de opiniões entre a Justiça e a CVM vieram apenas reforçar a suspeita de que as brigas contra as incorporações de ações propostas sem OPA para fechamento de capital ainda estão longe de acabar. A mesma discussão esteve presente em episódios como os que envolveram a Petrobrás e BR Distribuidora (cuja incorporação foi barrada pela CVM em 2000), a aquisição do controle da Tele Centro Oeste Celular pela Telesp Celular Participações (que acabou acontecendo em 2003) e o fechamento de capital do Sudameris pelo ABN Amro (que envolvia inicialmente uma OPA, mas esta foi rejeitada pelos minoritários). No centro desses casos esteve sempre o entendimento de que a figura da incorporação de ações vinha sendo utilizada em prejuízo dos procedimentos regulados pela Instrução 361 da CVM, que dispõe sobre as ofertas públicas voltadas a fechamento de capital.

O advogado Fernando Albino, do escritório Albino Advogados Associados, que representou os minoritários da Ripasa, defende que a OPA não pode ser substituída, visto que é a única figura jurídica que assegura o direito de saída em condições realmente justas. Para ele, o acionista deveria poder escolher entre fazer a troca por ações da incorporadora ou vender os seus papéis, tendo- lhe assegurado o direito ao valor econômico nas duas hipóteses.

A reclamação baseia-se justamente no fato de que, na incorporação, é previsto o direito de vender as ações (o chamado de direito de recesso) somente pelo valor do patrimônio líquido a preço de mercado — que, em muitos casos, é menor que o valor econômico. Já na OPA, embora também não haja previsão expressa quanto ao valor econômico, existe a possibilidade de os minoritários se articularem para barrar a operação, caso não concordem com o preço — conforme previsto pela Instrução 361 — ou de pedirem a revisão do valor oferecido, de acordo com o artigo 4-A da lei. “Se entro num jogo e as regras mudam depois, é preciso que o meu direito de sair em condições justas esteja garantido”, argumenta Albino.

O antídoto contra novos embates poderia estar numa revisão da lei que permitisse o recesso pelo valor econômico

Mauro Guizeline, sócio do Tozzini Freire Teixeira e Silva Advogados, que representou a Suzano e a VCP, compreende os fatores que levam à rejeição da incorporação de ações, mas vê na contestação de sua legitimidade um “falso dilema”. Afinal, se a incorporação está na lei da forma como foi disposta, é porque existe um fundamento. Por essa razão, ele descarta a validade da discussão sobre o que seria a forma mais justa. “Se a lei permite, não nos cabe avaliar se é justo ou não.”

Marcelo Barbosa, sócio do Vieira, Rezende Barbosa e Guerreiro Advogados, que deu um parecer para a Suzano no caso da Ripasa e já defendeu os minoritários de Tele Centro Oeste Celular, destaca a necessidade de observar o objetivo maior de uma operação como essas e atentar para que não existam violações específicas em cada uma de suas etapas. “Se é lícito e cada etapa é cumprida legalmente, não há o que contestar”, conclui.

Outra provável solução seria o direito de voto disponível aos acionistas das companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado

E o estoque de argumentos favoráveis à incorporação vai longe. Seus defensores alegam, por exemplo, que esta não tira totalmente o direito dos minoritários de se desfazerem de seus papéis por um valor justo. Afinal, eles podem aceitar a troca de suas ações pelas da nova companhia (supostamente justo, se o critério usado for o valor econômico) e vendê-las no dia seguinte em pregão. Essa premissa, contudo, se enfraquece no caso de a empresa sucessora ter baixa liquidez. Mesmo que a troca das ações seja estabelecida por um valor justo, é muito provável que o acionista não consiga colocar esse dinheiro no bolso ao tentar vender os novos papéis, devido à baixa procura.

Na Europa, por exemplo, a liquidez é fator determinante para exigir a OPA. Sempre que a incorporação incorre em transferência de controle (determinado como uma participação de 30% do capital), é a liquidez comparada das ações das duas companhias que define a necessidade de se realizar ou não uma oferta pública. Se as da incorporadora forem mais líquidas, os minoritários devem aceitar migrar ou exercer o direito de recesso. Se for menos líquida, a OPA se faz obrigatória, automaticamente.

Os defensores da incorporação argumentam, por fim, que, se ela fosse sempre condicionada a uma OPA, o seu custo poderia se tornar tão elevado a ponto de impedir que aquisições relevantes e com grande potencial de sinergia para as companhias envolvidas — e, portanto, para todos os seus acionistas — se viabilizassem.

CASO PARA REFORMA — O antídoto contra novos embates , e mesmo contra problemas como o descrito acima, poderia estar numa revisão da lei que, à luz dos casos ocorridos, contemplasse dispositivos para amenizar o potencial de conflito. O presidente da CVM, Marcelo Trindade, acredita que seja possível fazê-lo. “Existem várias maneiras de resolver eventuais falhas sem proibir a utilização de um instituto como o da incorporação de ações”, afirma.

Outra provável solução seriam os mecanismos que já estão disponíveis para diversos acionistas — mais especificamente, para aqueles de companhias listadas nos níveis diferenciados de governança da Bovespa. A regulamentação do Nível 2 e do Novo Mercado permite que os minoritários rejeitem a incorporação de ações, uma vez que possuem direito de voto em ocasiões especiais.

Contudo, na opinião de Mauro Guizeline, do Tozzini, a possibilidade de contestações desse tipo é difícil de ser completamente eliminada, já que as reações são fruto de uma expectativa que o mercado cria em cima da relação de troca, no momento em que uma reestruturação é anunciada. “Se, por alguma razão, essa expectativa se frustra, o mercado tende a espernear.”

Trindade, da CVM, concorda: “enquanto o mercado não se sente atingido no bolso, não reage”. Por isso a possibilidade de que haja o recesso pelo valor econômico, ou pelo que for maior na comparação entre este e o patrimonial, é um bom tema para discussão de melhoria da lei. Para o presidente da autarquia, tal opção representaria “uma clara indicação de que o valor justo está sendo pago”.


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