Aproveitando a onda
Empresas embarcam no clima de otimismo que cerca o segmento imobiliário e engrossam a fila dos IPOs

ed34_p026-029_pag_3_img_001As empresas do setor de construção civil estão cada vez mais próximas do mercado de capitais brasileiro. Depois das securitizações, iniciadas há alguns anos, elas partiram com grande apetite para o mercado de ações. Cyrela puxou a fila em setembro do ano passado e foi seguida por Gafisa e Company no início deste ano. A Rossi, que já era aberta, resolveu reforçar sua presença na bolsa e fez uma nova emissão de ações. No fechamento desta edição, outras quatro empresas do setor — Klabin Segall, Abyara, Multiplan e Brascan Residencial — aguardavam aprovação do registro de companhia aberta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), também para emitir ações.

Mas o que fez tais empresas tomarem essa decisão praticamente na mesma época? A explicação pode ser facilmente encontrada nos diversos fatores demográficos e econômicos que dão a elas uma perspectiva favorável de expansão dos negócios. O primeiro dado a ser observado é o censo realizado pelo IBGE, no qual a taxa de crescimento populacional brasileira, embora em desaceleração, ainda se mostra bastante significativa — 1,6% ao ano, entre 1991 e 2000. Se comparado ao crescimento da população mundial, o índice do País é superior ao dos Estados Unidos, de 1,2%, e ao da Europa, de 0,3% no mesmo período.

A estatística ganha mais peso quando combinada a outros indicadores. O Brasil tem quase metade de seus habitantes (49,7%) com idade inferior a 25 anos — um potencial e tanto para o setor acreditar num aumento do número de compradores de imóveis. Outro prato cheio para quem aposta no ramo são os dados de financiamento para a construção de moradias no País. Mesmo com a falta de crédito, causada pelas altas taxas de juros, o volume financiado vem apresentando sinais de aquecimento nos últimos três anos. Em 2003, foram R$ 2,2 milhões em empréstimos bancários para esse fim, contra um total de R$ 4,8 milhões no ano passado — um crescimento de 118%.

Esse número só não cresceu mais pela ausência de linhas de financiamento com juros mais acessíveis ao consumidor brasileiro. Ao seguir a taxa Selic, os bancos afugentam inúmeros potenciais clientes. Prova disso é o fato de essas instituições nem conseguirem destinar o volume mínimo obrigado por lei ao financiamento imobiliário. Vamos lembrar que, no País, existe uma determinação legal prevendo que pelo menos 65% dos depósitos em caderneta de poupança sejam utilizados para linhas de crédito na compra de imóveis. Resultado: no ano passado, do total de recursos que os bancos precisavam alocar para o financiamento de residências, apenas 37,9% foram utilizados pelos mutuários.

O processo de redução gradual da Selic iniciado há alguns meses, contudo, deu novo fôlego ao crédito e melhorou as perspectivas para o setor. “Na medida em que a taxa de juros diminui, surgem novos compradores com capacidade de absorver um financiamento”, destaca Jean Pierre Cote Gil, analista da Standard & Poor´s. A queda do desemprego e o aumento do poder aquisitivo da população também contribuíram para a conjuntura favorável.

Contudo, resta saber se esse movimento vai se sustentar permitindo às instituições financeiras oferecer melhores condições de juros e prazos para a população. Sobre este ponto, um relatório divulgado pela equipe de analistas do ABN Amro em abril traz cálculos ilustrativos. Eles consideraram uma família de classe C — condição em que está 36% da população brasileira — que tenha renda mensal de quatro salários mínimos, ou R$ 1.050. Com uma taxa de juros de 12% ao ano, se ela comprometesse 25% de seus ganhos num financiamento de 20 anos para a compra do imóvel, poderia financiar uma residência de até R$ 45 mil. Porém, se a taxa de juros caísse para 7%, com a mesma prestação, essa família conseguiria adquirir uma casa de R$ 64 mil. Aumentando o prazo do financiamento para 30 anos, e mantendo a taxa, o crédito chegaria a R$ 74.500.

A FILA SEGUE — As boas perspectivas para o setor abriram espaço até para empresas eminentemente prestadoras de serviços. É o caso da Abyara, que atua como corretora de imóveis e pretende fazer uma oferta pública. Com os recursos a serem captados, segundo informações do prospecto, a empresa pretende não só manter as atividades de corretagem como, também, investir em projetos de incorporação com foco em residências na região metropolitana de São Paulo.

A Klabin Segall também está na fila para fazer uma oferta primária de ações e abrir o capital. Em seu prospecto, informa que 30% do total adquirido com o IPO será destinado ao financiamento a clientes durante o processo de construção. Uma parcela de 40% seguirá para a aquisição de terrenos e incorporação de novos empreendimentos e 20% para a construção de empreendimentos já lançados. A lista de espera para o IPO é complementada ainda pela Multiplan, incorporadora que atua nos segmentos residencial e comercial e tem forte presença na área de shoppings centers, e pela Brascan Residencial Properties, o braço financeiro do grupo Brascan, que atua nas áreas de engenharia, construção, incorporação e corretagem imobiliária (por meio da MG 500).

Há também quem veja na abertura de capital o próximo estágio de um relacionamento iniciado há alguns anos com o mercado de capitais. Esse é o caso do grupo Walter Torre (WTorre), uma construtora de imóveis corporativos que também atua como securitizadora. O grupo já vinha acessando o mercado de capitais por outros instrumentos, basicamente com emissões de debêntures e CRIs, e acumulou cerca de R$ 1 bilhão em emissões ao longo dos últimos dez anos. Segundo Luis Fernando Davantel, diretor financeiro e de Relações com Investidores da WTorre, o objetivo da companhia ao entrar no mercado de ações é ter uma estrutura de capital mais alinhada com a das grandes corporações mundiais. “As empresas que fizeram IPO tinham capacidade de continuar alavancando seus negócios via dívidas, mas preferiram ter uma estrutura de capital otimizada”.

Mauro Storino, analista da Fitch Ratings, lembra que as receitas obtidas pelas empresas do segmento imobiliário são, em grande parte, parceladas, o que torna ainda mais essencial uma estrutura de captação adequada. “O capital acionário, sendo permanente, torna-se um meio de financiar o crescimento da companhia sem que ela tenha a necessidade de buscar opções de curto prazo, inadequadas para o setor.”

OLHO NO FUTURO — Para Davantel, da WTorre, o mercado imobiliário brasileiro está na iminência de sofrer uma grande transformação com a possibilidade de o País atingir o chamado investment grade. Ele aposta que, se isso ocorrer, haverá necessariamente uma valorização dos ativos. “No mundo inteiro, os ativos do mercado imobiliário estão entre os que se valorizam mais rapidamente quando um país atinge o grau de investimento”, afirma.

Outro ponto a ser observado é a concorrência nesse setor. O relatório de análise do banco ABN Amro dá conta de que, só no estado de São Paulo, existem mais de 600 empresas de incorporação e construção, sendo que as dez maiores representam apenas 22% do total desse mercado. Assim, o segmento permanece extremamente pulverizado, o que abre uma oportunidade para empresas sólidas e com disciplina financeira ganharem lucratividade. O aumento de demanda no setor de alta renda também sinaliza uma tendência positiva para as incorporadoras e construtoras. Segundo dados do Secovi, o maior crescimento das vendas no último ano ocorreu nas unidades de quatro dormitórios (53%).

Combinada com as boas perspectivas para a economia e o setor, a abertura de capital de incorporadoras e construtoras promete mudar radicalmente o perfil deste segmento. A começar pela fama de pouca transparência que o dominou durante anos. Agora, com o capital aberto e as ações listadas nos níveis mais elevados de governança da bolsa, as empresas do segmento estarão assistidas por investidores nacionais e estrangeiros. A pulverização deste mercado também tende a diminuir com os novos recursos proporcionados pelos IPOs. Mais capitalizadas, algumas companhias terão desempenho e crescimento diferenciados e estarão aptas a promover os movimentos de consolidação que ainda não aconteceram de forma significativa. Sem dúvida, uma fase que tem tudo para ficar registrada na história do segmento de construção civil brasileiro.


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