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Mark Mobius – Disciplina é fundamental
Diretor da Franklin Templeton fala sobre os desafios que o Brasil deve enfrentar para se manter atrativo no cenário internacional de investimentos e ampliar a relevância de seu mercado de capitais

 

ed33_p008-010_pag_2_img_001Por vários anos consecutivos, ele foi eleito o gestor número um de fundos de mercados emergentes. Alcunhas como guru e desbravador também são comumente atribuídas a esse norte-americano de 74 anos que vive na Ásia há quase 20. Os números que movem a carreira de Mark Mobius não são nada modestos. Ele passa 250 dias do ano viajando pelos países onde os quase US$ 500 bilhões administrados pela Franklin Templeton estão investidos, pois considera importante vivenciá-los e conhecer as pessoas de perto. O Brasil é o destino de US$ 3,8 bilhões, o equivalente a 60% dos recursos aplicados na América Latina — principalmente por conta da qualidade das companhias.

Recém-chegado a São Paulo de uma viagem ao trecho peruano da Amazônia, trajando seu indefectível terno claro, falou em evento promovido pela agência de notícias Reuters, em abril, para uma platéia lotada, sobre as mudanças que os mercados emergentes vêm apresentando desde a crise da Ásia em 1997. As perspectivas de crescimento do PIB, o equacionamento das dívidas dos países, as taxas de juros em queda e as moedas subvalorizadas foram destacados como os sinais mais evidentes de que os problemas foram deixados no passado e que os fluxos de recursos que vêm inundando mercados como China, Índia, Rússia e Brasil têm tudo para crescer, desde que aspectos fundamentais ao equilíbrio sejam cautelosamente observados.

Da palestra e da posterior entrevista à Capital Aberto pode-se depreender que a convivência com as culturas orientais, sem dúvida, influencia sua maneira de encarar o que países e companhias de capital aberto devem fazer para assegurar sua perenidade. O foco estratégico, a disciplina e a aplicação das punições adequadas (quando essas se fizerem necessárias) resumem a receita de sucesso de Mobius que, no caso específico do Brasil, passa também pela continuidade do processo de privatizações e de equalização dos direitos de acionistas, eliminando as diferenças hoje impostas pela existência de ações preferenciais.

O que é necessário para reforçar a capacidade do Brasil de atrair investidores estrangeiros e aproximá-lo da posição que países como China e Índia ocupam hoje nos mercados internacionais?
Em linhas gerais, primeiro é necessário estabilizar a situação fiscal, já que, no fim do dia, o aspecto mais importante é a confiança que os investidores têm num determinado mercado. Tudo gira em torno de confiança. E não falo aqui apenas dos investidores internacionais, mas também dos locais. Se eles não gostarem do que vêem, se perceberem que o nível de endividamento do governo pode colocar os seus investimentos em risco, eles tranquilamente levam seus recursos embora. E, claro, passam uma mensagem importante para os que vêm de fora. Em segundo lugar, é necessário dar continuidade ao processo de privatização, fazendo-o via mercado de capitais. Isso ajuda não só a engordar as reservas como também reforça a capacidade competitiva das estatais. O terceiro aspecto não é menos importante: é fundamental que o governo eleja setores em que deseja focar esforços de desenvolvimento e que destine os subsídios necessários a atrair companhias estrangeiras ao país. O volume de investimentos diretos na Índia e na China é muito alto e se dá justamente nos segmentos fomentados pelo Estado.

Uma das empresas que compõem a sua carteira de investimentos no Brasil é a Petrobras, cuja competitividade costuma ser bastante elogiada pelo senhor. Ela também está no rol de estatais que deveriam entrar nessa continuidade do processo de privatização?
Sim. Mesmo companhias que hoje são bastante competitivas podem se beneficiar do processo de privatização, visto que o fato de estarem atreladas ao governo ainda lhes impõe restrições. Como companhias públicas, que respondem apenas a seus investidores no mercado, tendem a aumentar o seu poder de crescimento (já que também recebem injeções de capital e de conhecimento), sua eficiência e, consequentemente, a sustentabilidade de sua capacidade competitiva no longo prazo.

E por que fazê-lo via mercado de capitais e não num modelo mais modesto, como o aplicado na privatização do setor de telecomunicações, por exemplo?
A melhor maneira de ir além nas privatizações é fazê-las via mercado. Os leilões de telefonia foram muito ruins para os investidores, devido, especialmente, às altas taxas que foram cobradas no processo. Realizar ofertas secundárias das ações hoje em poder do Estado é uma boa idéia, principalmente porque o ambiente atual é muito propício e o governo encontraria com facilidade compradores para as suas ações.

Como o senhor vê a possibilidade de que essas ofertas secundárias sejam aproveitadas para também pulverizar o controle acionário das estatais, a exemplo do que foi feito recentemente com a Embraer?
É uma ótima idéia. Só reforçaria a liberdade dessas companhias de se mover mais livremente e competir em escala global. Eu vejo a ausência de controlador definido como uma vantagem competitiva, pois permite aos investidores ter o controle de fato, obrigando os executivos a prestar contas ao mercado e não apenas a um único dono. Outro beneficiado no processo é o próprio mercado de capitais, uma vez que poderia crescer não só em tamanho mas também em relevância. Cresceria também a oportunidade de investidores individuais e de fundos de pensão de investir nessas companhias, que são grandes geradoras de valor. Trata-se, claramente, de uma situação em que todos os lados ganham. Desde que, é claro, os procedimentos de participação através do voto e os direitos dos acionistas estejam perfeitamente assegurados. Uma questão pendente no mercado brasileiro é a das ações preferenciais. Se não houver igualdade de voto, realmente fica complicado.

Há muito tempo as ações preferenciais têm estado no alvo de suas críticas. Como o senhor vê o processo de consolidação das boas práticas de governança nas companhias brasileiras?
Os avanços me surpreenderam. Pouco a pouco, o direito à igualdade de voto veio ganhando espaço. Eu não esperava que o Novo Mercado fosse ser assim tão bem sucedido, com um significativo número de companhias aderindo a ele. O que é sempre positivo. Espero que muitas outras ainda venham para ele.

Que avaliação o senhor faz das aberturas de capital que tivemos nos últimos dois anos? Tem participado delas?
Dentre as ofertas mais recentes, participamos das da Localiza e da Nossa Caixa, que foram colocadas a preços que consideramos adequados. Mas muitas das outras ofertas não foram o que podemos chamar de barganhas, saíram a preços altos. O que reforça a importância de que o número de ofertas continue a crescer — e a preços razoáveis. A euforia com o aquecimento do mercado pode levar alguns investidores a uma análise menos criteriosa dos fundamentos das empresas que chegam à bolsa e isso pode vir a alimentar uma bolha. Você percebe como é grande a importância do modelo de novas privatizações que eu defendia há pouco?

Além das privatizações, existe também a questão do fomento a setores específicos da indústria. Que países poderiam servir de exemplo para o Brasil nesse sentido?
Países asiáticos como a Coréia e Taiwan. O governo aponta setores estratégicos, se aproxima de grandes empresas internacionais e oferece estímulos (como terreno, isenção de impostos, alívio nos processos burocráticos) para que venham se estabelecer no país e desenvolver aquela determinada indústria. Como trabalham com mão de obra local, a transferência de conhecimento é inevitável e isso estimula o desenvolvimento de nova tecnologia nacional. Veja o exemplo de Taiwan: no início a Dell, a IBM e a Microsoft se instalaram por lá e eram tudo o que existia no setor de tecnologia. Com o tempo foi criada a Acer, que passou a competir globalmente com essas mesmas companhias.

Que outros aspectos contribuem para a percepção desses países no mercado internacional e deveriam ser perseguidos pelo Brasil?
Os principais seriam, mais uma vez, a disciplina fiscal, uma sólida política de desenvolvimento de indústrias-foco, a educação e o que os norte-americanos costumam chamar de lei e ordem. A razão pela qual ouvimos falar tanto de casos de corrupção na Coréia é porque lá isso funciona. Existe alguém que acompanha de perto o trabalho que é realizado por políticos e também por executivos de empresas. E a quantidade de casos que chegamos a conhecer só acontece porque o sistema legal exerce o seu papel, porque os casos são efetivamente punidos. Daí a impressão de que eles sejam altamente corruptos quando, na verdade, são altamente eficientes em identificar os casos e puni-los da maneira adequada, na hora certa. É importante lembrar que eles já colocaram dois presidentes na cadeia, por exemplo.

O senhor acredita que temos perspectivas de seguir o mesmo caminho?
Eu não vejo razão para que o Brasil, ou os países latino-americanos em geral, não sejam bem sucedidos no mercado internacional, uma vez que os ingredientes necessários estão todos aqui. O mais importante é que existem pessoas dispostas a trabalhar duro e que são executivos excelentes. Eles são a força das maravilhosas companhias em que investimos aqui. Na verdade o que fazemos é escolher as companhias e não os países, embora o potencial de crescimento do PIB e os aspectos de confiabilidade que já mencionei não sejam desprezíveis.


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