Surgidos na Inglaterra em meados da década de noventa do século passado, os princípios de governança corporativa completam seus dez anos com ampla e generalizada aceitação em todos os mercados dos países desenvolvidos e emergentes. Trata- se de discutir agora a sua incorporação às respectivas legislações ou a continuidade de sua geração por intermédio dos instrumentos e mecanismos de auto-regulação.
O exemplo brasileiro é bastante significativo e merece reflexão. País emergente, com o seu mercado de capitais em plena efervescência, o Brasil assiste a uma enorme defasagem entre o que determina a legislação e o que praticam os agentes de mercado, estes muito mais avançados do que a lei.
A lei de sociedade por ações brasileira, ainda que moderna em vários aspectos, pouco colabora para os princípios de governança corporativa. As suas regras sobre administradores contêm alguns parâmetros de conduta elogiáveis, mas não estabelecem conselhos de administração verdadeiramente independentes. Não existe a obrigação de conselheiros desligados da sociedade. Ao contrário, devem obrigatoriamente ser acionistas. Não existe previsão para comitês especializados de membros dos conselhos, outra prática já comum em sociedades abertas.
As normas contábeis prescritas pela lei como de atendimento obrigatório estão muito distantes das práticas de mercado e das determinações dos órgãos reguladores e das entidades de contabilistas. Aqui também, o mercado passou a exigir e praticar muito mais do que o contido na lei.
No que se refere ao poder decisório, a lei permite acionistas sem direito de voto ou com voto restrito, enquanto no Novo Mercado somente são admitidas companhias cujas ações participem de todas as decisões societárias.
Esses exemplos estão a indicar que no caso brasileiro a auto-regulação se mostrou muito mais eficiente e modernizadora do que a legislação, como instrumento de introdução das boas práticas de governança corporativa. A pergunta que pode ser feita é se essa tendência deve ou não continuar. Nada indica que essa constante renovação deva parar ou mesmo se reduzir à medida que o mercado se desenvolva.
Brasil assiste a uma enorme defasagem entre o que determina a legislação e o que pratica o mercado
A discussão sobre auto-regulação, em geral, tem apontado dois possíveis inconvenientes: a cooptação das entidades de auto-regulação pelos próprios auto-regulados, com a criação de um certo corporativismo, e a inexistência de sanção para a violação de suas regras, a não ser uma “sanção moral”, nem sempre eficaz.
No caso concreto da realidade de nosso mercado de capitais, talvez a melhor solução seja a de incorporar na lei os princípios básicos, deixando para as entidades de mercado o seu detalhamento e aperfeiçoamento. Além disso, pode-se delegar ao órgão regulador, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma área discricionária, onde regulamentos específicos podem ser editados, com a existência de penalidades em caso de descumprimento.
A título de sugestão alguns pontos básicos que poderiam ser incorporados na lei: (i) obrigatoriedade de conselhos de administração independentes, com membros acionistas e membros não-acionistas, cujas qualificações profissionais seriam definidas pela CVM: (ii) delegação para os órgãos de contabilistas das normas contábeis a serem cumpridas pelas sociedades abertas, com vistas a uma maior transparência; (iii) definição mais precisa do papel dos auditores independentes e da competência dos conselhos fiscais; e (iv) determinação objetiva das regras de distribuição de resultados para segurança dos acionistas minoritários quanto a dividendos.
Com isso, poder-se-ia assegurar aos acionistas que as regras fundamentais seriam seguidas, pois constantes da lei. Ainda assim, remanesceria uma área significativa de decisão para entidades de auto regulação, que poderiam buscar um constante aperfeiçoamento para as sociedades abertas e para o mercado de capitais.
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